Capítulo 5
Paolo e Marina Pellegrinni eram os donos do café onde trabalhei nestes últimos 3 anos, foram os únicos que me deram uma oportunidade de trabalho. Lembro-me bem no dia em que arrasada entrei no café apenas para beber alguma coisa, tinha andado tanto à procura de trabalho e sempre que mencionava que percebiam a gravidez levava logo com "Desculpa, mas não podemos ter alguém que daqui a uns meses irá ficar em casa porque teve bebé."
Era injusto, e até ilegal. Mas, fazer o quê, quem precisa faz o que lhe derem para fazer. Sentei-me e pedi um sumo qualquer, eu estava a sentir-me desesperada. Precisava de um emprego, como é eu ia comprar as fraldas, o leite se fosse preciso para os meus tesouros. A Bá e a Lúcia sempre me disseram que me ajudavam, que eu não precisava de trabalhar, que tinha era que estudar, seguir o meu sonho.
Contudo, a decisão de os ter foi minha, então a responsabilidade seria minha. Não podia sobrecarregar nenhuma das duas. Não era justo, nem o correcto. As lágrimas nesse dia correram-me pela cara, e foi nesse momento que a Santa Nina apareceu à minha frente e sem me dizer nada apenas me abraçou. E naquele abraço, um abraço de mãe, eu senti de alguma forma que tudo ficaria bem. E ficou...até hoje.
O Pao e a Nina, sem nem pensarem, depois de ouvirem a minha história deram-me emprego e sempre que eu precisava eles ajudavam-me com os bebés, eles adoram os meus macaquitos. Dizem que são os netos que ainda não tiveram, e mimam os dois como se fossem mesmo netos.
Quando ficava com algum doente, enquanto eu ficava desesperada pois não queira, nem podia faltar ao trabalho, os meus queridos chefes nunca reclamavam e nunca me descontavam do ordenado. Bem Paolo refilava um pouco, mas depressa lhe passava assim que via a cara feia que Nina lhe dava e olhava para a carinha triste e doente de uma dos gémeos. Eram sem dúvida as melhores pessoas do mundo.
Eles tinham três filhos. Sophia, a filha mais nova, era a única que morava com eles. Nasceu cá e toda a sua vida foi o único lar que teve. Ao longo de todos estes anos sempre lhe perguntaram se ela queria ir para juntos dos irmãos, mas Sophia nunca quis deixar o seu país. Neste momento estava na faculdade de direito e estava noiva há 2 anos de um italiano, Lorenzo Villa, este tinha acabado de se formar em Medicina. Paolo e Nina tinham mais dois filhos Luigi e Pietro, que ficaram com os avós quando os pais emigraram. Hoje tinham já os seus empregos e até já eram casados.
Logo que conheci Sophia foi como se nos conhecêssemos desde miúdas, a nossa amizade nasceu assim do nada e depressa ela se intitulou madrinha de um dos meus macaquitos. Embora estudasse, Sophia nunca deixou de ajudar os pais no café, ela não negava a sua origem simples, apesar dos olhares maldosos que muitas vezes recebia dos colegas de faculdade.
Lorenzo apareceu na sua vida numa altura em que ela estava quase a desistir de tudo, ela muitas vezes dizia-me que estava cansada dos olhares maldosos, que não percebia o porquê de existir no mundo tanta maldade. E foi nessa altura que Lorenzo apareceu na sua vida. E tal como foi com ela, criei uma amizade enorme com ele. Era como se ele fosse o meu irmão mais velho que me protegia de tudo e de todos. E isso fez-me lembrar do meu irmão João Pedro que sempre fez o mesmo. Quando tive os meus bebés, convidei Sophia para madrinha e claro o meu "maninho" teria que ser o padrinho. E assim eles são os padrinhos do Gui, e a Lu e Beto são os padrinhos da Mia.
Naquele dia quando cheguei ao café e ao entrar, vi Marina com a Sophia num canto, e Paolo a falar com dois homens algo estranhos. Dirige-me até às duas e percebi que Marina chorava. Sophia tentava acalmar a mãe e ao ver-me deu um pequeno sorriso. Fui ao encontro das duas, mas sempre a olhar de lado para Paolo que falava com aqueles homens. Nenhum dos três estavam com uma boa cara. E o meu querido chefe tentava argumentar alguma coisa que eu não percebia e os outros dois apenas lhe indicavam alguma coisa numa folhas que tinham nas mãos.
- O que é que se passa? Quem são aqueles homens que estão a falar com Paolo?
- ASAE (Autoridade de Segurança Alimentar e Económica). Vamos ter que fechar. Inventaram uma serie de novas coisas para remodelar e o pior é que não vamos ter dinheiro para fazer as obras que eles querem.- Diz Sophia.
- Mas eles não podem, como assim obras? Ainda há 1 ano atrás eles "pediram" para fazer obras nas casas de banho, e agora o que querem que vocês façam?
- A cozinha, eles dizem que está tudo ultrapassado e velho, e as bancadas que não são práticas e higiénicas. Acho que eles querem mesmo é arruinar estes pequenos negócios.
- E agora...eu...- Lágrimas já me começam a descer pela cara. Não só por eles, mas também por mim.
Ainda naquela manhã eu pensava no que ia recomeçar a minha vida. Iria ser apertado, pois apesar da Lu nunca querer que eu pagasse as contas de casa com ela, todos os gastos dos gémeos era eu que pagava e disso nunca abri mão. E agora de uma hora para a outra estou desempregada. Todos os planos que fiz durante o pequeno almoço com a Lu foram de novo postos de parte. Como é que eu posso pensar em faculdade quando a minha vida está um caos? Como é que vou pagar contas, escola, medicamentos?
- Querida...- Diz Nina...- Nós vamos te pagar este mês e o próximo, sei que não é muito mas pelo menos terás algum pé de meia para pagares as tuas contas até arranjares um novo emprego.
- Eu nem sei o que dizer. Parece que tudo acontece para me impedir de seguir o meu sonho.
- Sinto muito Diana, mas os meus pais não têm como fazer tudo o que eles exigem.
- Eu...- Abracei-me a Nina, ela não tem culpa, ninguém tem culpa que estes abutres acabem com a vida de três pessoas assim...- Nina. A culpa não é vossa, eu vou arranjar alguma coisa. Sempre tive que lutar por tudo, eu vou ficar bem.
- Se precisares de alguma coisa, o que nós pudermos fazer dentro das nossas possibilidades.
- Não se preocupem, eu cá me arranjo.- Digo com coragem, mas quebrada por dentro.
- Nós ainda não decidimos o que vamos fazer: se pedimos empréstimo ao banco ou se fechamos e voltamos para Itália.- Diz Nina.
- Di, eu posso tentar saber lá no escritório se existe alguma vaga, mas por hoje o melhor é ires para casa. O café não vai abrir mesmo, quando os meus pais decidirem o que vão fazer ligamos-te.
- Tudo bem, vou para casa. Espero que consigam arranjar alguma solução, eu gosto de trabalhar aqui com vocês.
- Nós gostamos de ti como uma filha, até o meu velho Paolo te adora, apesar de ser rezingão...- Diz a Nina abraçando-me...- E aqueles dois meninos serão sempre os nossos netinhos postiços.
Despeço-me deles e saio do café, não sei nem para onde ir. Estou à beira do colapso, e a única pessoa de quem me lembro é da Bá. Preciso do colo dela, dos mimos dela, das palavras sempre reconfortantes dela. Mas pensar em voltar àquela casa causa me arrepios. Não vou lá desde que fui expulsa, não os vejo há 3 anos.
Tentei falar com os meus pais depois dos bebés nascerem, mas nem me deixaram passar do portão, tentei falar com eles no hospital e fui escorraçada. Com os meus irmãos foi a mesma coisa. A única que falou comigo foi a Kika (Francisca) a esposa do João Pedro, mas apenas para me pedir desculpa. Se os vir hoje nem sei como me dirigir a eles, não sei o que lhes dizer. Não sei se a minha mágoa é maior com os meus pais ou com os meus irmãos.
Porém, neste momento, o meu estado de desespero é maior do que o medo que tenho da possibilidade ínfima de os voltar a ver, ou mesmo de ouvir o que não quero ouvir. Olho para o relógio, pelas horas tenho algumas chances dos meus pais nem estarem em casa. Provavelmente estão só as minhas cunhadas, a Teresinha e os meus sobrinhos. Hoje é sexta feira então as probabilidades estão e meu favor.
Vou até à beira do passeio e quando vejo um táxi aceno. Ele para, entro e dou a morada ao senhor que o dirige. A morada que nunca esqueci, como poderia esquecer, afinal apesar de tudo é a minha casa também. Enquanto o carro se dirige para a casa onde cresci e vivi anos da minha vida, começo a pensar em tudo o que se passou. Eu era feliz, tinha uma família: pais, irmãos, cunhadas, sobrinhos, avós, tios, primos. Fazia a faculdade que sempre quis. Tinha tudo e perdi tudo por uma decisão mais que certa para mim: os meus filhos. Eles foram, são e sempre serão o melhor de mim. O melhor que aconteceu na vida.
Durante a viagem as lágrimas caíram dos meus olhos. O senhor que dirigia perguntou-me várias vezes se eu estava bem. Ele devia achar que eu estava doente ou qualquer coisa assim, porque perguntava-me se não preferia ir para um hospital. Finalmente chegámos, e os meus olhos que tinham entretanto secado, estão de novo cheios de água. São tantas as recordações daquele local.
Apesar de tudo a minha infância naquela casa foi feliz. Apesar da falta constante dos meus pais, apesar de todos as minhas crises asmáticas, não posso dizer o contrário. Durante a minha adolescência, aquela casa transformou-se numa torre, igual à da Princesa Rapunzel. Nunca podia fazer nada sem ter um guarda costas atrás de mim: sair sozinha sem um dos meus irmãos atrelados, nunca na vida. Ir a uma festa em casa de alguma amiga, nunca, porque podia ter uma crise asmática e ninguém saberia o que fazer.
Eu estava completamente presa àquela casa. Finalmente quando entrei na faculdade pensei que teria alguma liberdade, e tive de certa forma. O meu pai tinha por hábito dar um carro aos filhos assim que eles entravam na faculdade. Claro que não podia não me dar a mim, pois deu ao Diogo.
Mas a minha liberdade custou-me caro. Se eu soubesse que tudo aquilo poderia acontecer eu nunca teria aceite o carro. Foi a partir dessa noite que tudo mudou, e a minha vida virou um inferno.
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