Capítulo 4
Assim que chego à cozinha vejo os meus bebés a comer um pouco de pão e a rirem-se de qualquer coisa. Estes dois riem-se por tudo e por nada, mas o que mais me impressiona é a sua cumplicidade.
Eles têm uma forma própria de se comunicarem que por vezes nem precisam de falar. É como se conseguissem só com um olhar dizer o que querem. Eu apesar de em pequena ser muito próxima do Diogo, nunca tive esta relação com ele.
Cheguei a comentar isto com Bá, e até com a Lúcia. Enquanto a primeira tentou amenizar as coisas, dizendo que era apenas o feitio do Diogo, a tia adoptiva dos meus filhos disse logo que não tinha nada a ver com feitio, tinha a ver com amor e educação.
Ela até acrescentou em forma de piada "Nem sei se tu és mesmo filha deles. Porque vamos ser sinceras, tu és completamente diferente de todos eles."
- Hoje vou com o Beto fazer a matrícula na faculdade. Tens a certeza que não queres fazer também?
- Lu, eu tenho dois filhos para sustentar, e contas para pagar. O que ganho é o suficiente apenas para isso. Não tenho como pagar a faculdade.
- A minha mãe já te disse que te ajuda nisso, tu é que és demasiado teimosa para aceitar. Ou será apenas orgulho?
- Não tem nada a ver com teimosia ou orgulho. A Bá não tem o porquê de me pagar nada, muito já faz ela. Ela não é minha mãe.
- Que a Dona Amélia não te ouça a dizer isso, sabes que ela te ama como se fosses. Tu não nascestes de dentro do ventre dela...
- Sim, já sei "...nasci no seu coração.". Eu só não quero que pensem que estou a...
- Nem penses em acabar essa frase. Já te dissemos que não queremos nem saber com o que os outros pensam.
- Lúcia...
- Para. Pensa um pouco Diana. Vais passar a vida atrás de um balcão?- Olho para ela, depois para os meus meninos.- Sempre te ouvi dizer que querias ser médica.
- Lúcia, as prioridades mudam. E as minhas mudaram, e não penses que me arrependo. Os meus filhos são o melhor de mim.
- Eu sei, mas não podes deixar morrer os teu sonhos só porque tens esses dois bonecos. E sabes que podes sempre contar connosco.
- Eu sei. Vocês são a família que eu escolhi para ser minha, mesmo que não partilhemos o mesmo sangue ou os mesmos genes.
- Sabes que nós sempre estaremos aqui contigo e com eles. Por favor, não desistas de ti mesma.
No fundo eu queria muito seguir esse sonho. A Lúcia tinha razão, eu não podia continuar para sempre atrás de um balcão de um café. Os meus filhos merecem mais, muito mais.
Mas o curso de medicina é muito exigente, vou ter que passar noites no hospital, vou ter que ficar longe dos meus macaquinhos, e neste momento eu não consigo. São tão pequeninos. Eu fico com o meu coração nas mãos todos os dias quando os deixo na escolinha, como é que eu vou conseguir deixá-los em casa à noite.
O sonho ainda está aqui, contudo vai ter que esperar. Eu tinha sonhos quando criança. Cresci e continuo a ter sonhos, só que hoje os sonhos, assim como eu, também cresceram.
Alguns sonhos estão realizados, como os meus filhos. Sim porque eles fazem parte dos meus sonhos de menina. Outros ainda estão por realizar, como o ser médica, e ainda não os realizei. Porém jamais deixarei de sonhar.
Lúcia continua a olhar para mim com um ar de quem me quer prender a uma cadeira até que eu diga que sim, que vou aceitar a ajuda delas. Mas eu não posso abusar, eu não quero. Lúcia ajuda-me imenso com os meus filhos, a Bá está sempre a comprar-lhe roupas, sapatos, brinquedos. Tudo para me fazer não gastar do poucobquecrecebo no café. Eu não quero, nem posso exigir mais essa despesa.
- Eu não vou desistir do meu sonho Lúcia. Quem sabe um dia quando estes meus bebés estiverem mais crescidos.- Mas, tal como eu imaginei ela não ia desistir...- Tudo bem, eu vou falar à Bá.
- Não precisas.- Ela desvia o olhar de mim e vira-se para o Gui sorrindo para ele...- Já falei, ela até já te transferiu o dinheiro para a tua conta.
- Mas...como!? Eu ainda nem sabia se iria aceitar!? Aliás eu só disse sim, porque tu quase me intimidaste com esses olhos castanhos avelã, como é que a Bá ia saber que eu ia dizer que sim?
- Primeiro ela conhece-te melhor que tu própria, segundo vamos apenas dizer que eu sei como te convencer. E por último achas mesmo que a D. Amélia iria aceitar um não?
- Não, ela iria dar cabo do juízo até eu dizer que sim. Ok, Senhora Convencida, mas ainda temos um, ou melhor dois pequenos "problemas".- E apontei para aqueles dois bebés que apenas olhavam para nós sorrindo.
- Esses dois "problemas", como tu chamaste já estão resolvidos. Chama-se Beatriz, mais conhecida pelos macaquitos ali, por Bibi.
- E como é que vou pagar à Bia, Lu? Não posso estar constantemente à espera que vocês me paguem as coisas. Não nem pensar.
- Nem vale a pena vires com essa conversa. Já está tudo combinado entre mim e ela, afinal sou madrinha para alguma coisa.
- Lu...
Depois de ouvir tudo aquilo, apenas me deixei levar pelas lágrimas. Eu fiquei sem minha família de sangue, mas Deus deu-me outra que eu amava do fundo do coração.
Nem sempre os laços de sangue definem o verdadeiro significado de família, embora geneticamente pertencemos a um grupo, os laços de coração que se formam por quem ele escolhe são muitas vezes mais fortes, porque são feitos de amor, respeito e cumplicidade.
Descobri, nestes últimos anos que a minha verdadeira família não foram aqueles que me conceberam, ou mesmo os que partilham os mesmos genes que eu. Não. A minha Família foram os que me amaram incondicionalmente, que me acompanharam ao longo de toda uma vida, os que não me apontaram os erros mas pelo contrário me ajudaram a perceber os erros e a corrigi-los.
Percebi, que toda a minha vida, no fundo sempre quis uma família como a da Lúcia e do Lucas. Eles tinham pouco, mas eram felizes com o pouco porque tinham algo muito mais importante: o amor da família.
Eu pelo contrário tinha tudo, mas não tinha nada, porque não tinha o que mais eu ambicionava: amor, carinho, atenção. Eles eram o meu exemplo de família, era aquilo que eu queria para mim um dia.
Todos os dias eu agradeço por ter a Bá e a Lúcia na minha vida. Elas deram-me tudo o que precisei depois da minha "família" me ter escorraçado de casa. Deram-me a esperança de dias melhores, apesar de naquele momento eu apenas conseguir sentir medo. Cuidaram de mim, ajudam-me com os meus bebés. São as minhas heroínas, pessoas fantásticas a quem nunca poderei agradecer o suficiente. Deram-me, e continuam a dar-me tudo, sem hesitação nem reservas, vou quero os sempre ao meu lado.
Afinal como posso não amar quem me estendeu a mão quando eu mais precisei? Como não amar quem continua a fazer tudo por mim mesmo sem obrigação nenhuma para isso? Lúcia vem até mim e abraça-me. Mia e Gui começam a chamar por mim. Provavelmente assustaram-se por eu estar a chorar.
- Está tudo bem meninos, a mamã só está feliz.- Diz Lu para os meus bebés.
- Tudo bem, convenceram-me. A que horas vão à faculdade?
- Temos que ir à hora do almoço. Eu e o Beto não podemos faltar ao trabalho, então vamos aproveitar a nossa hora de almoço.
- Vou tentar, sabes que a hora do almoço no Café é complicado para sair.
- Como se não conseguisses tudo daqueles dois.
- Não é assim tão fácil com...
- Basta fazeres aqueles olhinhos do gato do Shrek, que consegues tudo daquele homem.
- Eu não faço olhos do gato do Shrek!
- Acabaste de fazer. Bem a conversa está boa mas temos que comer e ir embora logo. Assim que souberes alguma resposta manda mensagem.
- Ok. Vamos comer meus macaquitos, a madrinha hoje está muito chata.
Lúcia, olha para mim com cara de zangada, mas depressa passa para uma gargalhada que é seguida por mim e pelos meus bebés. Que mesmo sem saber o porquê de se estarem a rir, gargalham sem parar.
Começamos a comer a ouvir as gargalhadas dos dois bebés mais fofos do mundo. Eu sei, sou talvez a pessoa menos adequada para falar destes dois sapecas, uma vez que sou a mãe, mas querem saber não me importo porque os meus macaquitos são lindos mesmo. São sem dúvida o meu maior tesouro.
Desde que me lembro que leio muitos livros. Adoro ler, os que mais gosto são romances, e quanto mais cliché melhor. Constantemente me surpreendia com as histórias de mães solteiras, as autoras sempre enalteciam a força e a coragem que estas mulheres têm. Porém, o que mais me impressionava era o amor incondicional que elas sentiam pelos seus filhos. A vida era-lhes "madrasta", contudo por aqueles elas conseguiam superar tudo.
Hoje ao ver os meus filhos, sei que tudo o que as elas escreviam é a mais pura das verdades. Pelos nossos filhos somos capazes de tudo, porque amor de mãe é o maior e mais intenso sentimento que existe. O amor de uma mãe vence preconceitos, supera os limites, enfrenta todos os desafios e te ajuda a vencer.
Não há explicação para este amor arrebatador. Amor de Mãe é simples, exato, incomparável, inenarrável, incondicional, imensurável. E é o único que não tem fim, é eterno. É um amor que não mede forças para defender, é capaz de sentir dor sem doer, de chorar sem entristecer, de alegrar-se com suas vitórias e chorar em suas derrotas.
É um amor que quando vê o filho tropeçar e cair, estende as mãos a sorrir. Que passa noites em claro, e dormir a noite inteira, é raro. É um amor que sente ciúme, mas não toma posse. É um amor que não espera nada em troca, pelo contrário doa-se com toda força. Ninguém sabe explicar, este amor. Nem nós próprias, ele simplesmente nasce dentro de nós, a partir do momento em que descobrimos que eles está ali dentro de nós.
Saio deste meu mundo, acabo de comer, e enquanto Lúcia lava a louça, eu começo a vestir os casacos dos meus bebés, pego nas suas mochilas: a da Mia é das Princesas, e não é só uma, tem uma fotografia de todas as princesas da Disney, pois segundo a Mia "o eu goto todax". A do Gui é da Patrulha Pata, da turma toda de quatros patas.
Quando a madrinha maluca dos meus filhos sai da cozinha, já nós os três estamos prontos, e assim seguimos para o carro. A Lu conseguiu comprar um carro ao fim de uns anos a trabalhar como recepcionista numa Clínica Médica Privada, e todos os dias nos dava boleia. Embora eu pudesse perfeitamente apanhar um autocarro até à escola dos gémeos, mas a minha Amiga/Irmã sempre fez questão de levar os "sobrinhos/afilhados" até à escola, costumava dizer que como madrinha tinha que estar presente em todos os momentos das suas vidas.
Depois de os deixarmos eu sigo o meu rumo para o meu trabalho a pé já que o café onde trabalho não ficava muito longe, e ela segue para a Clínica. O salário não era o melhor, mas na altura foi o que consegui, por estar grávida ninguém me queria contratar. O que é ilegal, já para não dizer preconceituoso e cruel. Sabem aquele momento em que eu já estava para desistir, deixar-me cair e simplesmente esperar que a talvez a morte me levasse. Eu estava nesse estado...só queria sumir, desaparecer. E foi aí que mais dois anjos apareceram na minha vida.
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