Capítulo 9 - Primavera
Ao sair de casa, notei várias pessoas seguindo para a mesma direção. Todos estavam rumando a caminho do festival. Seguindo até Florencia, onde aconteceria o festival, passei por Nick, que também tomava o mesmo rumo junto aos seus pais. Ele me viu e virou o rosto, aparentando estar um pouco envergonhado pelo o que acontecera anteriormente. Eu realmente não queria entrar em nenhuma briga, e pelo visto nem ele, então me afastei e segui meu rumo.
A medida em que eu ia chegando mais perto de Florencia e, a paisagem ia mudando. As estradas de terra davam lugar a ruas pavimentadas, e as fazendas davam lugar a casas mais bem estruturadas. Florencia era uma cidade muito bonita, famosa por suas lindas árvores que na primavera davam um espetáculo de cores com suas folhas dos mais variados tipos. A cidade estava toda enfeitada para o festival, e de longe, já podia-se avistar o majestoso castelo do duque.
Lá estava o portão da cidade de Florencia. De fora já se podia ouvir o ribombar de tambores, flautas e cânticos tradicionais do festival. O portão estava bem enfeitado, com guirlandas feitas de orquídeas. As casas também tinham diversos vasos de flores em suas janelas e o aroma era extasiante.
Chegando à praça da cidade, pude notar uma grande plataforma, com algumas cadeiras acolchoadas, mas havia uma específica, com enfeites que pareciam de ouro maciço. Provavelmente seria o lugar onde os nobres ficariam durante o festival, e é claro, a cadeira com enfeites seria a do duque.
No centro da praça, havia várias mesas com todo o tipo de frutas e bebidas. O lugar estava cheio de pessoas andando para lá e para cá. Olhei em meio à multidão, procurando por algum sinal de Nara, mas não a via em lugar nenhum. Percebi que eu tinha chegado cedo demais. Aproveitei para procurar por minha mãe, mas também não a achei e nem mesmo sabia se seria uma boa ideia, depois da briga da noite anterior. Enfim, me sentei em um degrau em frente à catedral de Florencia e esperei até que Nara chegasse.
Depois de mais ou menos uma hora de espera, avistei minha mãe. Eu estava tão entediado de ficar lá esperando, assistindo aquelas pessoas andarem de um lado para o outro, ocupados com os preparativos para o festival, e ouvindo os músicos itinerantes, que nem pensei duas vezes e fui até ela pedir desculpas pelo ocorrido da noite anterior.
Ao descer a escadaria, notei que não seria tão fácil chegar até ela. A multidão tinha aumentado, já estava bem difícil caminhar no meio de tanta gente. Fui me espremendo até chegar mais perto, mas parei ao ver o motivo de tantas pessoas terem se aglomerado.
O duque Khorfn, de braços dados com a linda duquesa Maya, subia o tablado. A multidão se agitava à presença de ambos, principalmente da duquesa.
A duquesa era endeusada por todos os homens da província, por causa de sua beleza exuberante. Seus olhos verdes contrastavam incrivelmente com seus longos cachos negros e pele alva. Ela tinha um olhar imponente que até mesmo parecia ter total controle sobre o duque.
Eles se sentaram nas cadeiras colocadas sobre o grande palco, seguidos de vários nobres que também tomaram seus assentos. Como eu já previra, ele se sentou na cadeira mais adornada. A música cessou e todos ficaram em silêncio. Um mensageiro real, caminhou à frente, abriu um pergaminho enorme e começou a ler:
— É com grande honra, que neste dia venho anunciar a honorável presença do sétimo da linhagem dos Reingbert, filho de Horming Reingbert, renomado duque da cidade de Florencia e senhor da província sul do reino de Misalem. Duque Khorfn Reingbert!
A multidão novamente se calou. O duque se levantou da cadeira e seguiu para a frente do palco. Sua expressão era firme e enigmática, podia-se ver um homem bem experiente em governar, ao mesmo tempo jovem demais para tal tarefa. Um jovem bem alto, parecia ter um metro e noventa, um rosto bem barbeado e um cabelo impecavelmente bem penteado. Me fez sentir um pouco envergonhando pelo meu cabelo, no qual fiquei longos minutos penteando antes de vir para o festival.
— Como todos já sabem, hoje comemoramos mais um ano de nossas colheitas. Após a grande guerra, desde que assumi o lugar de meu falecido pai, venho fazendo de tudo para que tenhamos sempre momentos como este. Hoje, nossa cidade é a maior provedora do reino, temos as terras mais férteis, o melhor vinho e também as mulheres mais bonitas. — O duque se virou para Maya e piscou o olho direito. Ela pareceu ter ficado envergonhada, mas sorriu de leve. — Por isso, hoje é o nosso dia, então peço para que todos possam curtir com moderação. Em um dia de alegria, como esse, não podemos deixar nenhuma briga estragá-lo. Sem mais delongas, aposto que estão todos com tanta sede quanto eu. — O copeiro trouxe uma taça de vinho ao duque, que a pegou e levantou ao alto. — Saúde a todos! — disse o duque, virando a taça em um gole.
A multidão novamente foi ao delírio, finalmente o grande festival começaria. O duque voltou ao seu assento e os músicos voltaram a cantar. Com toda aquela confusão, eu havia perdido minha mãe de vista. Pensei então em subir novamente as escadas da catedral para ter uma visão mais panorâmica, e quem sabe, enxergar a Nara em meio à tanta gente.
Ao me esgueirar em meio à multidão, acabei trombando em um homem, derramando o vinho de sua taça sobre sua camisa.
— Olhe por onde anda seu pivete, você me sujou todo de vinho! — exclamou o homem, virando-se para mim. — Mas que merda, você vai pagar por isso!
O homem ruivo e repleto de gravuras estranhas nos braços que aparentavam ser letras de um idioma no qual eu desconhecia, me pegou pelo colete antes mesmo que eu pudesse me desculpar. Ele cerrou os punhos e eu segurei forte em seu punho, buscando me defender.
— Pare Zjarr, ele não teve a intenção — disse uma voz feminina conhecida.
Lá estava ela, incrível como sempre, mas dessa vez, mais do que o costumeiro. Nara segurava o braço de Zjarr. O homem me largou, fazendo com que eu caísse de bunda no chão. Nara veio me ajudar a levantar e olhou feio para ele.
— Você está bem Jack? — perguntou Nara.
Ela estava tão linda que eu até mesmo tinha ignorado a presença do brutamontes e o fato de ele ter me feito cair de bunda no chão. Nara usava um fino vestido vermelho e tinha o cabelo amarrado para trás, com pequenas tranças na lateral.
— Melhor agora que você está aqui — respondi, fitando-a. Corei ao pensar no que eu tinha dito e mudei de assunto. — Então, quem é o grandalhão? — perguntei.
— Ah, esse é o Zjarr. — O grandalhão me olhou feio nos olhos. — Zjarr esse é Jack.
— Prazer em conhecê-lo. Hãmm... senhor Zjarr. Me desculpe por ter derramado vinho no senhor. — Estendi as mãos para cumprimentá-lo. Ele me fitou por alguns segundos em silêncio, aparentando me analisar. Foi um pouco constrangedor aquele silêncio. Até que de repente surgiu um sorriso em seu rosto. Por fim, pegou em minha mão devolvendo o cumprimento.
— Jack, não me chame de senhor. Eu só devo ser alguns anos mais velho que você. E não se preocupe com o vinho, o que seria um festival se não derramássemos um pouco de bebida, não é?! Hahaha! — Ele parecia ter mudado completamente de personalidade, agora aparentava estar bem mais amigável.
Zjarr continuou apertando a minha mão, apertou tão forte que eu não conseguia largar. Segurei o grito de dor e novamente, fui salvo por Nara, que, sem perceber, cortou o momento. Ele soltou minha mão, quando ela começou a falar.
— Então, agora vocês se conheceram, que tal nos divertimos um pouco? — disse Nara.
Fiquei aliviado quando ele soltou minha mão. Ela formigava com o aperto e ardia como se eu a tivesse colocado em uma chapa quente de metal. Ele me olhou com um olhar malicioso e colocou seu braço tatuado em volta da cintura de Nara.
— É uma oferta tentadora Nara, mas o nosso amiguinho tem de recusar. Não é mesmo, Jack? — Novamente aquele olhar malicioso, com um fino sorriso saindo do canto de sua boca, emoldurando sua barba ruiva rala que crescia uniformemente em seu rosto. Nara parecia um pouco envergonhada.
— É claro... eu... eu tenho outras coisas para fazer... — falei da boca para fora.
Obviamente, eu queria passar mais tempo com ela, mas vê-la nos braços daquele rapaz me fez sentir uma vontade imensa de desaparecer. Me senti o maior idiota do mundo com aquilo tudo. Eu tinha ficado todo ansioso com aquele momento e, vê-la com aquele cara, me deixara sem reação. Eu apenas dei as costas e saí andando pela multidão. Pude ouvir Nara me chamando, mas eu corri até ficar longe o bastante deles, ignorando o quão infantil eu estava sendo.
Eu decidi ir embora do festival. Talvez o velho ferreiro estivesse certo em ficar longe de tudo. Por um momento, toda a beleza daquele festival se perdera. Nada mais fazia sentido. As músicas, a comida, a bebida e as danças. É realmente estranho o que um coração partido faz conosco, embora naquela época eu não soubesse muito bem o que eram esses sentimentos. Me virei para ir embora e me deparei com a única coisa no qual ainda me sobrara de bom naquele festival.
Minha mãe.
Lá estava ela, conversando com algumas amigas. Parecia feliz, tão feliz quanto eu podia me lembrar. Ela vestia um lindo vestido branco que combinava com seus longos cachos negros. Seu sorriso era a única coisa que ainda encantava aquele festival. É difícil pensar que na noite anterior ela estava chorando por minha causa. Com certeza essa era uma boa hora para ir até ela e pedir desculpas.
Corri em direção à minha mãe, mas fui parado por uma trupe itinerante que passava bem à minha frente, fazendo malabarismos e truques de mágica. Tive que dar a volta por eles para alcançá-la. Quando a avistei novamente, ela já não estava conversando com suas amigas, mas sim, com um homem alto de meia idade. Pude notar um tapa olho bem característico em seu olho esquerdo.
Eu fiquei estagnado naquele momento. Ele pegava em suas mãos e conversava com ela como se fossem muito próximos. Eu dei as costas e preferi deixar os dois a sós. Depois do que ocorrera com Nara, preferi não interferir mais em relacionamentos. Por mais que eu detestasse ver homens cortejando a minha mãe, eu sabia que não poderia evitar de que, mais cedo ou mais tarde, ela acabasse se casando com algum deles. Afinal, ela era uma mulher muito bonita. Eu só esperava que pelo menos ele fosse um nobre, e não um maluco qualquer com um tapa olho.
Cansado de tudo aquilo, eu segui rumo ao único lugar em que eu poderia me sentir melhor, ou que pelo menos poderia esquecer o desastre daquele festival.
Corri o mais rápido que pude, cada vez menos eu podia ouvir o barulho da multidão. Cada vez menos eu podia ouvir as músicas. Até que o silêncio finalmente veio, seguido apenas de o sutil sussurrar do vento e do suave canto dos pássaros.
Eu estava finalmente em meu refúgio secreto. O grande carvalho, o meu lugar de paz. Eu me deitei sob a sombra da árvore e deixei vir o sono.
E então, a calmaria.
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