Capítulo 36 - Ainda não estou só
Em meio à escuridão, o falcão dourado traz a luz. A sua armadura branca resplandece e protege os fracos e oprimidos contra todos os males. Que meu escudo traga a paz, minha espada a justiça. Por Misalem.
— Sir Amik, receio interromper, mas acredito que não possa participar — falou Titânia. Seu tom de voz parecia mais solene, diferente do jeito imponente que ela falava. Dava para perceber o quanto ela o respeitava.
— Eu sei que seria injusto, por isso, dois contra um deve equilibrar melhor a luta — respondeu Amik.
— Fala sério... Quem você acha que eu sou? Não preciso desse tampinha para me ajudar! — Gredy cuspiu suas palavras, nem mesmo se importava de falar com o lorde comandante dos Cavaleiros Brancos. Eu não sabia o que esperar, mas assim como ele, também me sentia afrontado.
— Pensando bem, a luta ainda será injusta para vocês. — Sir Amik simplesmente ignorou Gredy. — Alguém me arrume uma faixa, ou um pano qualquer.
Um dos soldados trouxe uma faixa longa de cor azulada. Amik a amarrou em sua cabeça, vendando os seus olhos. Eu mal podia acreditar que ele pretendia lutar contra nós dois com os olhos vendados. Não preciso nem dizer que Gredy quase teve um ataque de raiva. Além disso, estava sem sua armadura. Sir Amik usava roupas casuais. Uma camisa de manga longa da cor cinza e calças pretas compridas.
— Como eu sei que vocês não conseguirão me derrotar, vamos jogar um jogo, se conseguirem, aceitarei vocês como escudeiros — sugeriu Sir Amik.
— Outro jogo... — Gredy bufou. Ele ainda parecia bastante irritado.
Amik enfiou sua mão por dentro da gola de sua camisa e retirou um objeto de aparência familiar. Aquele brilho esverdeado e aquela sensação estranha. O pingente no qual eu tinha dado fim estava em seu pescoço.
— Vocês precisam apenas tocar nesse pingente — esboçou Amik com um ar divertido, soltando um sorriso cheio de dentes.
Como o pingente estava com ele? Aquilo era impossível. Seria apenas coincidência, ou ele sabia desde o começo que o pingente era meu? Senti um calafrio, seguido de um repentino calor. O pingente sussurrava em meu ser. Aquele monstro de antes me chamava. De alguma forma, eu sabia que ele tinha feito de tudo para voltar até mim.
Sir Amik levou sua espada em riste, levantando-a com a mão esquerda e soltando um sorriso animado. Eu tinha visto o jeito que ele retirou as espadas da sacola, usando a mão direita, e lembrava que sua bainha ficava na sua esquerda. Isso significava que ele era destro.
— Ei idiota. — Gredy me olhou pelo canto dos olhos. — Não entre no meu caminho, ou irei acabar com você. Apenas me assista enquanto eu tiro o sorriso do rosto medíocre dele.
Gredy correu em direção à Sir Amik, como uma flecha buscando desesperadamente acertar seu alvo. Eu tentei gritar para esperar, mas era tarde. Ele atacou Amik com uma enorme sede de fúria. O barulho da madeira estalando ressoava por todo o pátio à medida que Amik defendia as investidas de Gredy.
Sem dar tempo para o cavaleiro, Gredy continuou com golpes fortes e sucessivos. Ele nem se quer tentava tocar no pingente. Seu interesse estava apenas no cavaleiro. O trocar de espadas de ambos os lados era intenso. Eu não imaginava que Gredy tinha tamanha habilidade. Mas Amik não ficava atrás, mesmo vendado, não tinha nenhuma dificuldade para defender os golpes.
Gredy tentou investir com um golpe de direita, mas Amik antecipou e girou sua espada, derrubando a de Gredy no chão. Sem dar nenhum tempo a ele, Amik afundou seu punho na barriga de Gredy, lançando-o para perto de mim.
— Gredy, você está bem? — Tentei levantá-lo, mas ele me empurrou para o lado.
— Não toque em mim, seu verme — praguejou, me jogando um olhar furioso em troca.
Amik chutou a espada de madeira de volta para Gredy, que rapidamente se pôs de pé. Após uma rápida puxada de fôlego, ele se acalmou um pouco e perguntou:
— Eu posso pegar mais uma espada?
— Pode pegar quantas quiser — respondeu Amik com um tom de voz divertido e dar de ombros.
Gredy foi até a sacola e retirou mais uma espada. Ele agora empunhava uma em cada mão. Aquilo me impressionou. Como ele podia empunhar duas espadas ao mesmo tempo? Ou ele tinha habilidade de sobra, ou era louco.
Novamente, Gredy investiu, agora com uma postura mais calma. Seus ataques pareciam mais ordenados, como se ele realmente estivesse acostumado a lutar utilizando duas espadas. Já Amik, mesmo contra duas espadas e vendando, defendia todos os golpes com facilidade.
Amik parecia relaxado, o jeito despreocupado com que tratava a luta, era assustadora. Mas aquilo significava uma coisa, ele havia deixado uma brecha. Estava tão focado em Gredy que nem notou quando o ataquei pelo seu flanco direito. Foi o que achei, mas em nenhum momento tinha tirado sua atenção de mim. Amik defendeu meu ataque, levando a espada por cima da cabeça enquanto bloqueava Gredy. Em um movimento forte, ele recuou o braço, fazendo com que eu abrisse a guarda. Amik se virou tão rápido que, quando percebi, seu punho já tinha afundado em meu estômago, me levando ao chão. Gredy caiu ao meu lado logo em seguida, também golpeado.
— Gredy, precisamos atacar juntos, ou não vamos vencê-lo — falei a ele enquanto tentava ignorar a dor e me levantar. Percebi que ele arfava, precisávamos de tempo para recuperar o fôlego.
— Eu já disse que não preciso da ajuda de um sujeitinho como você. — Gredy falava de forma arrogante, mas eu podia perceber o quanto seu ego parecia tão ferido quanto seu corpo. — Não entre no meu caminho. — Ele me apontou uma de suas espadas e lançou um olhar de pura irritação, como se sua raiva queimasse dentro de seus olhos.
Gredy correu novamente até Sir Amik, atacando-o com a voracidade de um cão selvagem. Ele gritava a cada golpe, como se buscasse forças em sua própria fúria para vencer o cavaleiro. Por outro lado, Amik defendia os golpes com a mesma tranquilidade de quando começou a luta.
Gredy pulou e desceu as duas espadas em direção ao cavaleiro. Sir Amik subiu sua espada e barrou o ataque de Gredy. Em seguida, cerrou o punho direito. Eu sabia que daria outro golpe em seu estômago, por isso, eu corri para investir contra ele. Suas duas mãos estavam ocupadas, essa era a chance perfeita de conseguir tocar no pingente.
Eu estiquei a mão em direção ao pingente, mas o cavaleiro foi mais rápido e girou o corpo, jogando Gredy na minha frente. Antes de Gredy cair, ele o chutou bem na costela, derrubando-o em cima de mim. Aquilo tudo foi em fração de segundos. Seus movimentos eram incrivelmente rápidos, fazendo ser impossível chegar perto de tocá-lo.
— Gredy, não vamos conseguir derrotá-lo assim — sussurrei. Ele se levantava com mais dificuldade agora. Depois de tantos golpes recebidos, era incrível ainda conseguir se manter em pé.
— Se quiser desistir, desista de uma vez! — Gredy continuou a me lançar o mesmo olhar. — Eu não sou fraco igual a você.
— Você não entende, não podemos derrotá-lo desse jeito. Nós precisamos juntar forças ou nós dois vamos perder — apontei para o cavaleiro.
— Juntar forças com você? — Gredy soltou um riso sarcástico de forma incomodada com a sugestão. — Prefiro mil vezes ser derrotado por ele.
Ele nem me deu chance de resposta e foi para cima de Sir Amik, e novamente foi ao chão. Eu tentava seguir seu ritmo, mas também acabava sendo golpeado. A cada queda, cada vez mais, o silêncio se estendia pelas pessoas que assistiam, a tensão pairava no ar. Aquela luta era mais um teste de resistência do que de habilidade. Eu e Gredy já estávamos no nosso limite, principalmente ele, que mal conseguia se levantar.
— É melhor desistirem — sugeriu Amik. —, ou não irei me responsabilizar pelo o que acontecerá daqui para frente.
— Desistir... — Gredy se levantou novamente, mas era nítido que mal podia se aguentar em pé. — Não brinca comigo... Como se eu fosse desistir agora.
Antes que Gredy corresse em direção a Amik como um cavalo arisco, me coloquei à sua frente e olhei fundo em seus olhos negros.
— Olha, eu sei que você não quer juntar forças comigo, mas se não fizermos isso, nós perderemos essa batalha. Você disse que está disposto a arriscar tudo pelo seu sonho, pois eu também estou disposto a tudo, até mesmo a juntar forças com alguém como você. Por isso preciso que você me escute. Eu tenho um plano!
Gredy cerrou os punhos de forma como se fosse me atacar, mas não o fez. Até que finalmente cedeu, com relutância, acenou positivamente com a cabeça.
— Muito bem, qual o plano?
— O que estão cochichando aí? — Sir Amik levou a mão atrás da orelha. — Saibam que nada do que fizerem irá adiantar. Vocês não têm a mínima chance contra mim.
— Isso foi a coisa mais idiota que já ouvi — resmungou Gredy após escutar meu plano. — Mas pode ser que funcione...
Eu mesmo não sabia se o plano iria funcionar. Era uma ideia maluca, mas se desse certo, poderíamos derrotá-lo. Só precisávamos confiar um no outro.
Corremos juntos até Sir Amik, atacando-o ao mesmo tempo. Mesmo lutando contra três espadas, ele não abria nenhuma brecha. Defendia todos os nossos golpes, sem nem mesmo suar.
Gredy focou em golpear as pernas do cavaleiro enquanto eu focava em pegar seu pingente. Se atacássemos ao mesmo tempo, não importava o quão rápido ele fosse, não poderia se defender de tantos golpes.
Durante a troca de golpes, sentia como se os movimentos do cavaleiro ficassem mais lentos, mas não só ele, era como se eu me acostumasse ao ritmo frenético da luta. Meus olhos conseguiram acompanhar a espada de Sir Amik vindo em minha direção. Quase não tive tempo de reação, mas consegui defender. Senti meu braço estalar com a força daquele golpe e quase perdi meu equilíbrio. Gredy atacou suas pernas logo em seguida. Sir Amik pulou para se esquivar do golpe, como eu havia calculado. Ele não poderia se defender de mim no ar.
Estiquei minhas mãos. O pingente agora estava na mesma trajetória, meus dedos estavam prestes a tocá-lo, quando Sir Amik segurou meu pulso, me jogando para longe. Então caiu com os dois pés em cima das espadas de Gredy, fazendo com que ele não tivesse escolha a não ser soltá-las. Gredy o encarava boquiaberto. Mesmo com a venda, era possível sentir a intensidade do olhar do cavaleiro.
Sir Amik não hesitou em levar o punho novamente no estomago de Gredy. Dessa vez, o golpe tinha sido forte demais. Gredy permanecia imóvel no chão do pátio, totalmente inconsciente.
— Gredy! — gritei. — Essa não, levanta Gredy.
— Agora você entende? — gargalhou Sir Amik. — Você não passa de uma pequena pedra, tão pequena que nem mesmo pode me incomodar. Vamos, desista!
Minhas pernas tremiam muito, já mal conseguia me manter em pé. Tudo em mim dizia para que eu desistisse. Olhei em volta, os olhares de todos naquele pátio diziam o mesmo. O cavaleiro andava em minha direção. Sua presença era esmagadora, era como se eu enfrentasse muito mais do que um homem.
— Depois de tudo aquilo que Gredy disse... — Mesmo sem forças restantes e sem esperança alguma de vitória, levantei minha voz e bradei em alto e bom som: — Eu estaria o desonrando se desistisse assim.
Amik soltou um sorriso. Provavelmente, se eu pudesse ver seus olhos, seria um olhar divertido.
— Eu disse que iria mostrar o que uma pequena pedra pode fazer, e eu irei. — Apontei a minha espada em sua direção.
Avancei contra Amik com a mesma fúria de Gredy. Aquilo era muito mais intenso do que o treino com Sarah. Seus golpes tinham uma pressão muito maior. A cada golpe que eu defendia, era como se uma rocha tentasse me esmagar. Senti minha espada de madeira se rachar ao defender um de seus golpes. O impacto foi tão forte que minha espada quebrou ao meio, me fazendo cair de costas no chão. Sir Amik colocou o pé sobre meu abdome e apontou a espada em meu pescoço.
— Desista filho, você não tem força para me vencer sozinho — exclamou Sir Amik.
— Você está certo — soltei um sorriso. —, mas eu ainda não estou só.
— Agora, Jack! — gritou Gredy.
Gredy se levantou por de trás do cavaleiro e agarrou suas pernas. O plano funcionou, o cavaleiro realmente pensara que Gredy estava inconsciente. Aquela era a minha melhor e última chance.
Eu pulei em direção a Amik naquele mesmo momento, não dando tempo de sobra para que ele se defendesse. Pude perceber que o cavaleiro hesitava pela primeira vez ao ver que eu iria tocar no pingente. Sir Amik levou o corpo para trás, tentando escapar de minha investida, mas Gredy o impediu que desviasse. A ponta do meu dedo estava prestes a tocar o pingente quando senti algo me tocar.
Por um momento, uma energia a qual nunca senti antes, percorreu por minhas veias. Meu corpo estremeceu. Tudo em minha volta congelou, como se o tempo houvesse parado ao meu redor. Em um rastro, ela tomou meu corpo como as chamas daquela noite, ardendo em meu peito e consumindo minha alma.
Não havia tempo para pensar ou se quer fraquejar. Ao sentir que o medo batia à porta, não deixei que entrasse. Cerrei meu punhos, fechei meus olhos e me concentrei como fizera na floresta. Deixei que toda aquela energia que me consumia continuasse a fluir. Eu a conduzi, como se controlasse o fluxo de um rio, em direção as minhas mãos. Uma dor descomunal veio junto com a enorme pressão que tomava conta de minha mão, como se meus ossos fossem ser estilhaçados. Mas eu sabia que não era o caso, era diferente.
Meu punho continuou a trajetória, ignorando o pingente, indo em direção a face surpresa do cavaleiro. Senti minha mão afundar em seu rosto. Eu soltei um brado, enquanto dava o golpe derradeiro. O cavaleiro rodopiou no ar e foi jogado contra a parede.
A energia então se dispersou, como se tudo fosse liberado de uma só vez com aquele golpe. Aos poucos, o calor que queimava meu corpo deu lugar a um calafrio sinistro e uma sensação de vazio, como se uma pequena parte de mim houvesse ido embora.
Eu caí de joelhos, inteiramente esgotado. Pude perceber os olhares pasmos e as faces boquiabertas. Ao meu lado, Gredy apenas sorriu e desabou em seguida. Eu também sorri, mal podia acreditar, mas nós havíamos derrotado o lorde comandante dos cavaleiros brancos, o grande Sir Amik Crowther.
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