Capítulo 35 - Desistir
Parece que acaba aqui.
Isso foi o máximo em que eu pude chegar.
Minha mão direita começou a se levantar em um movimento quase que involuntário. Eu fechei meus olhos, engoli meu orgulho e me preparei para desistir.
— Deseja desistir? — disse Titânia.
Parei o movimento de minha mão pela metade ao ver que o garoto alto de cabelos negros havia levantado a mão primeiro.
O rapaz tremia, provavelmente devido ao seu nervosismo. E eu não o julgaria por isso, já que eu seria o próximo a desistir. Ele engoliu em seco e finalmente puxou o ar para falar:
— Covardes! — Ele se virou para trás e encarou todos nós. Seu olhar não era de medo, ou de nervosismo. Não, ele não estava acovardado, pelo contrário. — Como podem desistir assim?
— Eles tomaram a decisão mais inteligente — respondeu titânia, soltando um risinho. — Por que não desiste também?
— Eu nunca irei desistir. — Suas palavras saíram como um brado. Sua determinação era incrível. — Se eu desistisse aqui, significaria que não estou à altura do que almejo. Quem não está disposto a arriscar tudo por seu sonho, não merece alcançá-lo.
Eu segurei minha mão e abaixei a cabeça, me sentindo envergonhado por pensar em desistir. Ele tinha razão, eu não estava disposto a correr riscos, estava fugindo como um covarde, e isso era algo que eu jurei nunca mais fazer.
As palavras daquele garoto atingiram a todos os quinze que sobraram naquele pátio, fazendo com que, de alguma forma, todos se sentissem determinados a continuar. Eu finalmente parei de tremer e levantei a cabeça.
Titânia esperou alguns minutos, olhou novamente nos olhos de cada um de nós, finalmente soltando um longo suspiro de alívio.
— Muito bem, pelo visto mais ninguém irá desistir.
Um silêncio súbito preencheu todo aquele pátio enquanto Titânia falava. Um pequeno sorriso se formou no canto de sua boca.
— Você, garoto. — Ela apontou para aquele rapaz dos cabelos negros. — Será o primeiro a beber dos frascos.
O garoto assentiu e escolheu um dos frascos sem hesitar. Ele o abriu e bebeu todinho, então me lançou um olhar desafiador. Um por um, formamos fila para bebermos a poção da morte. Quando finalmente chegou a minha vez, também não hesitei, escolhi um dos frascos e o bebi. Não tinha gosto algum, era como tomar água, mas não sabia se o veneno também era insípido. Todos ficaram em silêncio após bebermos. Estávamos apreensivos e esperávamos o pior acontecer.
— E então? Nada está acontecendo... — falou o garoto negro a minha frente, quebrando o silêncio lúgubre que pairava no ar. — Digo, já faz cinco minutos que bebemos dos frascos. Não era para alguém já começar a sentir mal? Não acho que todos escolheram a poção certa.
Todos começaram a falar ao mesmo tempo, fazendo com que uma pequena confusão se instaurasse. Titânia de repente começou a gargalhar, quase caindo para trás de tanto rir.
— Eu falhei. Pelo visto, passaram mais do que eu tinha previsto.
— Isso é algum tipo de brincadeira? — Um rapaz esguio, que se destacava por seu topete estranho, gritou inconformado.
— E por que seria? — disse Titânia, lançando-nos um olhar sério após enxugar suas lágrimas da longa gargalhada. — Qual o seu nome, garoto? — perguntou ao rapaz de cabelos negros.
— Eu me chamo Gredy — respondeu ele.
— Gosto de sua determinação — suspirou Titânia. — Gosto da determinação de todos vocês. O motivo real dessa prova não foi fazer uma brincadeira com vocês, muito pelo contrário. Eu queria saber quem realmente teria coragem para arriscar sua própria vida por nossa ordem. A verdade é que, haverá momentos em suas vidas que terão de arriscar tudo pelo o que almejam proteger, e é nesse momento que a sua integridade será posta à prova. Se tornar um cavaleiro, é mais do que apenas vestir uma armadura e usar uma espada. É mais do que um título. É mais do que um nome. Ser um cavaleiro branco, é dar a sua própria vida em favor de outra. É deixar tudo para trás, tudo que você é, tudo o que já foi, apenas por um único objetivo. — Ela finalmente deu uma pausa, e fez uma continência para todos nós. — Que meu escudo traga a paz e minha espada a justiça. Por Misalem.
Ficamos todos em silêncio, surpresos por recebermos continência de uma capitã. Aquilo era uma verdadeira honra.
— Obviamente, não havia veneno algum naqueles frascos. Tudo não passou de uma pequena mentirinha.
O cavaleiro de antes veio caminhando normalmente pelo pátio. Ele limpava seu rosto com um paninho. As veias pretas e o sangue não passavam de uma maquiagem. Mas não sabia como e quando ele as colocou sem que ninguém percebesse.
— Esse homem não é um cavaleiro, mas sim um mágico itinerante. Ele está acostumado a fazer peças de teatro e ilusionismo como essas. Vocês deviam se sentir especiais, já que foi bem difícil contratar alguém como ele exclusivamente para esse exame. — Titânia se gabava como se esperasse agradecimentos. — Mas não fiquem alegres ainda — continuou ela. — Vocês apenas passaram pela primeira fase. É agora que o jogo realmente começa.
— Como assim primeira fase? — Outro rapaz ao meu lado perguntou.
— Não acharam que seria fácil assim, não é? — Ao dizer aquelas palavras, os capitães desceram até o pátio. Outros cavaleiros, provavelmente de patentes altas também se juntaram a nós. Notei que o cavaleiro que havia dado uma surra em Erwin também estava lá.
Havia treze cavaleiros no total, provavelmente os mais importantes cavaleiros do reino. O maldito assassino estava entre eles e me encarava com aquele seu olhar medonho. Ele parecia calmo, mas devia estar desesperado para me matar, pois eu sabia seu segredo.
— A segunda fase será um teste de habilidades — gritou Titânia. — Cada cavaleiro escolherá um de vocês para testá-los em combate. Vocês deverão tentar derrotá-los.
— Com licença — Sylas novamente perguntava. — Não acho que conseguiríamos derrotar um cavaleiro em combate, muito menos um capitão.
— E não conseguirão — Titânia respondeu prontamente. — Por isso eu disse que deverão tentar. Durante o combate, eles decidirão se estão aptos ou não a serem escudeiros. Mas não achem que, por não conseguirem derrotá-los, não deverão dar tudo de si. Se em algum momento eles perceberem que não estão levando a sério, poderão desclassificá-los.
Dois cavaleiros trouxeram sacolas cheias de espadas de madeira até o pátio. Ela pegou duas espadas e andou até nós.
— As lutas serão feitas com essas espadas, afim de que nenhum de vocês corram o risco de morrer. Mas não achem que os golpes não irão doer por não serem lâminas. — Ela jogou uma espada na mão de um garoto loiro de barba escanhoada. — Você lutará comigo, será o primeiro.
O garoto parecia estar em pânico. Ele tremia de medo por enfrentar logo ela, e ainda mais, ser o primeiro. Mesmo assim, ele segurou firmemente a espada e se preparou para a luta.
Nós nos afastamos para que tivessem espaço para lutar. Um silêncio perpetuou por todo o pátio, apenas o soar do vento podia ser ouvido tocando a poeira do pátio. A postura ereta e imponente de Titânia, parecia intimidar seu adversário. Ele não ousava atacá-la.
— O que está esperando? — disse titânia, fazendo sinal com a mão para que ele viesse até ela.
O garoto correu em direção a capitã de forma afoita e desesperada. Ele descia a espada, em golpes afobados e sem nenhum ritmo. Era visível a feição de decepção de Titânia. Ela nem mesmo saía do lugar para defender os golpes do garoto. Ele, em contrapartida, suava e arfava. Seus golpes eram defendidos facilmente, fazendo com que tivesse que se movimentar mais, o deixando cada vez mais lento e cansado. Aquilo não era uma luta, era um show de horrores. Mas não duraria muito, pois Titânia parecia se irritar a cada segundo.
— Que decepção — murmurou Titânia.
Frustrado, ele atacou descendo sua espada com toda a força contra ela. Titânia simplesmente defendeu o golpe com sua própria mão esquerda segurando a espada. O garoto tentava puxá-la de volta desesperadamente. Ela então o soltou, fazendo com que ele se desequilibrasse e o golpeou com a sua espada na mão direita, bem no rosto. Aquilo soou alto, como se fosse um tapa de uma dama em um cafajeste. A espada de madeira quebrou com o golpe e o garoto voou longe, caindo desacordado no chão.
— Muito bem, esse aqui foi desclassificado. — Ela jogou o pedaço que sobrou da espada no chão e se voltou para nós. — Vocês ainda podem desistir, não há vergonha nisso. — Então voltou a dar seu sorriso sádico.
Olhei em volta, todos pareciam novamente receosos, mas não achava que alguém iria desistir depois de chegar tão longe. O garoto desacordado foi levado por outros cavaleiros afim de ser tratado.
O cavaleiro assassino era o próximo a pegar duas espadas e escolher um oponente. Eu sabia que ele me escolheria, afinal, aquela era a sua chance perfeita de me matar. Por ter assinado aquele documento, ele não seria culpado de crime algum. Poderia dizer que era apenas um acidente.
Ele andou calmamente até mim e me olhou nos olhos. Por um segundo, ele sorriu, então seguiu em frente e deu uma das espadas a outro garoto.
— Você — ele apontou.
Esse outro garoto não tremia, ao contrário do anterior, parecia mais confiante. Mas apenas confiança não vence batalhas. O rapaz era forte e já tinha uma barbicha longa, nem mesmo parecia ter nossa idade. Talvez tivesse mentido para participar do exame.
Ele deu o primeiro passo, ao contrário do anterior, não esperou um segundo para atacar. Mas parou subitamente logo em seguida, largando sua espada e caindo de cara no chão. Aquilo foi tão rápido que meus olhos quase não conseguiram acompanhar. O cavaleiro havia lançado a sua espada, acertando em cheio a testa do rapaz.
Isso estava além de uma batalha justa. Todos eles estavam milhares de anos à frente de nós. Não tínhamos, se quer, um lampejo de chance de vencê-los. O cavaleiro me olhou de soslaio, me fazendo entender o porquê de não ter me escolhido. Ele queria me mostrar a diferença entre nós dois. O quão inútil seria eu tentar afrontá-lo. Desde o começo, eu não tinha chance alguma contra alguém como ele.
As batalhas seguintes, foram massacrantes. Os cavaleiros simplesmente acabaram com todos os seus adversários sem nenhuma dificuldade. Quase todos saíram desacordados, com exceção de um, que desistiu no meio da batalha depois de ver que era inútil continuar tentando.
Até que chegou a vez de Sylas. O capitão calvo, de aparência dura o escolheu. O cavaleiro parecia ser muito experiente em batalhas. Seu olhar analisava Sylas com cuidado. Sylas, por outro lado, parecia distraído com a espada de madeira em mãos.
O cavaleiro esperou e, vendo que Sylas não iria atacar, correu até ele. Sylas estava tão distraído, que quase gritei para avisá-lo sobre o cavaleiro. O cavaleiro desceu a espada, pronto para desacordá-lo com um golpe, como a maioria dos outros fizeram.
O olhar do cavaleiro se arregalou quando Sylas defendeu o golpe, apenas segurando a espada com uma das mãos. Um pequeno sorriso despontou no canto de sua boca. O cavaleiro se afastou e ficou em uma postura mais defensiva. A sua experiência em combate mostrava que ele sabia reconhecer um oponente de verdade.
Sylas andou calmamente na direção do cavaleiro, então começou a atacar. Os movimentos eram rápidos e fortes. Sua postura era a de um esgrimista experiente, mãos para trás e movimentos limpos de estocada. O cavaleiro ficava totalmente na defensiva naquela troca de golpes. Eu podia sentir a intensidade daquela luta só de observar ao longe. Nenhum dos lados cedia, ambos eram bons e antecipavam os movimentos um do outro. Até que uma brecha surgiu, o cavaleiro se desequilibrou por um segundo, e aquilo foi suficiente para que Sylas levasse a espada na direção do pescoço do cavaleiro.
Eu não acreditava no que estava vendo. Um capitão com muitos anos de experiência sendo derrotado por um garoto. O cavaleiro estava totalmente com a guarda baixa, não havia como desviar daquele golpe, mesmo assim, a espada passou do lado de seu pescoço.
Sylas tinha errado. Ele tropeçou e passou reto pelo cavaleiro. Aquilo foi a brecha derradeira que ele esperava. Sem tempo para hesitar, o cavaleiro desceu a espada nas costas de Sylas, o derrubando na mesma hora.
Eu fiquei estagnado. Sylas tinha chegado tão perto, mesmo assim, não conseguira. Minhas esperanças estavam se esgotando a cada batalha que eu assistia.
O capitão soltou uma gargalhada e estendeu a mão para Sylas, que se levantou com certa dificuldade.
— Gostei de você garoto, não vejo motivos para desclassificá-lo. Sou Sir Frederick Holgue e serei seu cavaleiro.
— Muito bem, parece que já temos nosso primeiro escudeiro de hoje! — exclamou Titânia, batendo palmas. — E talvez o único...
Seu olhar sádico pairou sobre todos nós novamente. Dos quinze, restavam apenas cinco, e eu estava entre eles.
— Sylas, isso foi incrível! Você luta muito bem. Onde aprendeu a lutar assim? — comentei a Sylas, que voltava do centro do pátio com um semblante contente.
— Há! Ser um nobre, tem suas vantagens. Uma delas, é ter diversos instrutores de esgrima. Mas enfim, isso já era esperado. — Ele me lançou um olhar determinado.
— Não vá achando que é grande coisa... — resmungou Gredy, ao escutar nossa conversa. — Vocês são patéticos, e aquilo foi mais sorte do que habilidade. Você pegou um velho.
— Mas ele passou, e você? — afrontei-o.
Gredy me encarou, enrubescendo de raiva. Eu me sentia desconfortável, pois tinha que olhar para cima para conseguir olhar em seus olhos. Ele era muito alto, chuto que deveria ter quase dois metros de altura.
De repente, uma agitação repentina tomou aquele pátio. Sir Amik Crowther caminhava até nós. Eu e Gredy, até mesmo esquecemos nossa desavença para observar. Ele continuou andando até a sacola de espadas e retirou três. O olhar apreensivo de todos pairavam sobre o cavaleiro.
Sir Amik se virou e jogou uma espada em minhas mãos. Eu a peguei de forma desajeitada, quase a derrubando. A outra espada, ele jogou para Gredy, que ao contrário de mim, não teve dificuldade para pegá-la.
— Vocês — apontou Sir Amik para nós dois. — Eu quero ver do que são capazes.
Eu encarei o olhar forte daquele cavaleiro, deium passo à frente e me preparei para enfrentar o líder dos Cavaleiros Brancos.
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