Capítulo 01
Mark Alexander Fletcher, o quinto Marquês de Grinkle, caminhava em um passo mais acelerado pelas alamedas arborizadas do Hyde Park para se exercitar. Depois de um ano em terras mais quentes, a umidade de Londres o incomodava. Foram meses dedicados a encontrar sua vocação, a esquecer as regras de etiqueta e a se permitir viver, tal e qual Anderson Belfort havia sugerido na ocasião da famigerada caça à raposa organizada pelo Conde de Dixon.
No entanto, a leveza de uma vida de muitos prazeres mundanos não o ajudou a afastar a necessidade que sentia de casar-se. Talvez fosse reflexo da orfandade que lhe chegou quando não passava de um menino. Os tutores jamais conseguiram suprir a ausência do afeto paternal, mas o deixaram afoito para formar a própria família quando passou dos vinte.
Por óbvio que encontrar a esposa ideal requeria tempo e dedicação e algumas tentativas foram frustradas nos últimos oito anos. A última delas, um ano antes, aconteceu quando estava prestes a pedir a mão de Lady Justine LeBlanc em casamento; na ocasião foi impedido por Lorde Anderson Belfort, que deveria muito bem mudar seu título para Conde Fura-olho. Lady Justine seria a candidata perfeita por amar a ciência como ele, embora hoje diante da decisão de seguir a carreira diplomática, outras opções oferecidas pelo mercado matrimonial poderiam lhe ser mais úteis. Ou seja, a máxima de que Deus escreve certo por linhas tortas nunca fez tanto sentido quando seus planos de casamento foram interrompidos por um larápio de noivas. Razão suficiente para que não guardasse mágoa do casal e ainda pudesse celebrar união tão comentada pela rapidez em que aconteceu.
Mark ansiava por coisas cuja importância passava despercebida pela maioria das pessoas, como ver a mesa cheia na ceia de Natal, ou ainda mais banais como ter com quem jogar uma partida de xadrez depois do jantar. E como o destino lhe negou crescer cercado por afeto familiar, ele teria que iniciar a própria família.
E para conseguir isso, não importava a ele a paixão, apenas o companheirismo. Era, sim, um descrente no amor, porque apesar de todos os esforços em se apaixonar, até então não havia encontrado qualquer mulher que quebrasse o gelo de seu coração. Estava conformado que seu coração havia endurecido por ter crescido sozinho. Reconhecia, por outro lado, que tinha bondade de sobra para ser um bom marido.
E o ano sabático o fez meditar mais sobre isso, além de ter encontrado sua vocação, que não era o Parlamento, muito menos fumar charutos no White's como a maioria dos aristocratas. A certeza, no entanto, de queria seguir carreira diplomática apenas lhe veio quando foi acionado para intervir em nome da Coroa junto ao Reino de Nápoles e o êxito obtido com o vice-rei o habilitou para conseguir uma nomeação, um dos motivos para retornar à Inglaterra, além, é claro, de encontrar a esposa perfeita.
Mark encheu os pulmões de ar assim que parou a caminhada para contemplar os casais de cisnes que costumavam nada no lago artificial. O Lago Serpentine, construído para satisfazer um capricho da falecida Rainha Caroline poucas décadas antes, era o seu lugar favorito para passar o tempo quando estava em Londres, e o Rotten Row, o caminho preferido para chegar até ele, por ser mais largo para acomodar os carros puxados por cavalos puro sangue.
Era muito cedo para o alvoroço do desfile de carruagens e cabriolés abertos e damas e cavalheiros com suas perucas empoladas. Por isso, Mark tirou a peruca que o deixava com coceira e afrouxou o nó do lenço do pescoço, arriscando-se a se sentar no gramado para apreciar a belíssima vista. Esticou as pernas e fechou os olhos por alguns segundos com a cabeça erguida como se estivesse saudando o sol. Definitivamente, ele apreciava muito mais o sol das Ilhas Gregas do que o tempo instável de Londres. Mas na vida não se podia ter tudo, não por enquanto, pois, em breve, se um pouco de sorte lhe permitisse, poderia conseguir a nomeação de embaixador e fazer das viagens um motivo importante para seu país.
Não custava nenhum xelim sonhar e deixar-se motivar. Que mal haveria em fazer planos? A não ser atingido por um pedaço de tecido... Mark levou imediatamente a mão no rosto para tirar o lenço feminino que o vento jogara em cima dele. A seda bordada com um fio delicado era macia e cheirava baunilha. Doce e delicado, provavelmente como sua dona.
Ele, então, começou a olhar em volta à procura da dama perfumada. Levantou-se em seguida, contrariado por não conseguir decifrar a direção da qual havia vindo o lenço. Caminhou alguns poucos metros e finalmente a encontrou. Mas ela não estava só, o que o deixou em estado de alerta. Apressou o passo quando percebeu que o cavalheiro estava impondo sua presença.
Mark jamais deixaria uma dama em perigo e não pensou duas vezes em intervir.
— O cavalheiro a está importunando, milady? – perguntou.
O perfume de baunilha o atingiu em cheio e a desconfiança de que era a dona do lenço se tornou uma feliz constatação quando ela girou a cabeça e um par de olhos azuis o fitaram. Era como olhar para dois lagos iluminados pelo sol de verão. Melhor, era como olhar para o sol, percebeu quando se deu conta da belíssima dama que estava à sua frente. Os fios loiros eram naturais, não da peruca, brilhavam tanto quanto os raios de sol da Grécia.
O riso sarcástico do cavalheiro parado ao lado dela o tirou da hipnose que ela o havia colocado.
— Milady? – soltou ele em tom de deboche.
Mark segurou o olhar dele e apertou as mãos em punho, um misto de fúria e decepção pelo infeliz comentário que questionava a reputação da dama. Que tipo de honra tinha aquele homem? Se é que tinha uma ao tratar uma dama de maneira tão grosseira.
— O cavalheiro já estava de partida – falou ela, deslizando entre os dois como uma pluma. Suave, macia, elegante. E novamente Mark entrava em estado hipnótico. Ela era alta, mas não tão alta, apenas o suficiente para se destacar em um baile, dedos longos e um pescoço fino que destacava os seios fartos. Seria ela de fora de Londres? Ou uma estrangeira?
O marquês ficou tão distraído com a beldade que havia aparecido por um feliz acaso do destino, embora não entendesse o que uma dama fazia em um parque sozinha e desprotegida, que sequer percebeu a partida do homem.
— Agradeço a preocupação, milorde – disse ela, curvando-se em uma reverência.
Mark ergueu a mão e ela, apesar de se sentir envergonhada, estendeu a sua e a posicionou na dele para que pudesse ser cumprimentada com cortesia. Sua luva de renda não a impediram de sentir a quentura da pele dele, deixando-a corada por reconhecer que se tratava de um aristocrata. Muitos deles costumavam frequentar o bordel da mãe em busca de diversão e prazer. Forçou a mente para reconhecê-lo, mas talvez fosse um que preferia manter uma amante fixa do que se aventurar na cama de uma casa de prazeres. Era claro que não vivera ali tempo suficiente para conhecer todos os clientes e talvez ele estivesse retornando de uma longa viagem pelo exterior e sequer houvesse encontrado tempo para saciar os prazeres da carne.
— Como devo chamá-la, milady? – Mark queria ouvir o nome dela e insistiu.
— Não sou uma lady, milorde. – Ela revelou e algumas coisas se encaixaram. Era a razão por estar sozinha. Talvez fosse a dama de companhia de uma aristocrata, tutora ou mesmo governanta de uma das mansões de Mayfair. Ela poderia ser tantas coisas, mas realmente não importava quando era tão bela e atraente. — Não é apropriado ser visto comigo.
Ele não fez caso das palavras ríspidas que tentavam impor um distanciamento emocional entre eles, embora pertinente para o momento.
— Sou dono do meu nariz e posso oferecer minha companhia à uma dama desprotegida. – Ofereceu o braço a ela. — Ao menos até o portão do parque.
Ela olhou para o lado a fim de se certificar que estavam sozinhos e sorriu para ele ao aceitar a oferta de ser pajeada. Mark explicou que precisava recuperar a peruca e ambos caminharam até as margens do lago para isso. Passou pela cabeça dele que ela poderia ser casada.
— Ainda não me disse seu nome – ele arriscou mais uma vez, achando-a ainda mais atraente e misteriosa. — Acredito que mereço saber seu nome. Considere um prêmio por salvá-la daquele homem asqueroso.
Ela riu com vontade.
— Me chamo Charlotte Louise Allen – disse finalmente o nome. — E aquele homem é o sócio de minha falecida mãe – falou ela motivada pelos olhos dele, que transmitiam, além de proteção, confiança e lealdade. Sua mãe a havia ensinado a desconfiar dos aristocratas; pena que não considerava que todos os homens mereciam tal desconfiança. Independentemente de sua classe social, homens poderiam ser aproveitadores.
— Seu pai é um burguês, presumo. – Mark arriscou mais uma informação, considerando que nos últimos anos alguns deles se tornaram tão ricos que estavam comprando propriedades em Mayfair. E a dúvida pela existência de um marido começava a se dissipar de sua mente.
— Não conheci meu pai, milorde – ela revelou —, mas digamos que minha mãe assumiu seu lugar nos negócios. – Ele não precisava saber que tipo de comércio ela praticava e tratou de mudar de assunto. — Já sabe meu nome, enquanto eu sequer posso me dirigir corretamente ao senhor.
— Sou Mark Alexander Fletcher, Marquês de Grinkle – apresentou-se finalmente.
Charlotte engoliu em seco e o coração acelerou no peito. Jamais havia sido apresentada a um marquês. Bem, ela jamais havia sido apresentada a qualquer um dos clientes do bordel, porque crescera em uma escola para donzelas no interior da Escócia, mas conhecera alguns deles como o Conde de Richmond e mais recentemente o Duque de Melrose, não como clientes do bordel, devia esclarecer. Mesmo que tivesse assumido parte da administração do bordel, vinha evitando se encontrar com os clientes. Seus assuntos se restringiam ao conforto das mulheres e às questões contábeis.
A conversa girou em torno de amenidades, como o tempo que dava indícios de que seria uma primavera chuvosa, ou ao último inverno que foi rigoroso e do qual Mark havia se livrado por estar em estadia nas Ilhas Gregas. Ele falou a ela maravilhas sobre Creta e sobre sua visita ao Egito. Charlotte estava encantava e um tanto invejosa quanto à liberdade que os homens tinham de ir e vir, de viver de acordo com suas vontades, enquanto ela foi confinada a maior parte do tempo à rígida educação de um internato que a preparou para tudo que ela jamais seria.
— E eis que retornei para acertar o meu futuro de uma vez por todas – finalizou a exposição dos seus últimos meses em viagem.
— Será um grande embaixador, com certeza – afirmou ela.
— Chegamos ao destino em que prometi pajeá-la – ele a olhou com o canto dos olhos —, mas se me permitir posso acompanhá-la até sua casa.
— Fico grata pela oferta – ela agradeceu, preparando-se para dispensá-lo —, mas não quero ocupá-lo mais. – Desenganchou-se então do braço dele e, após piscar algumas vezes atordoada por se sentir tão ligada emocionalmente ao marquês, apesar dos poucos minutos que puderam conversar, despediu-se de maneira educada. — Foi um prazer conhecê-lo, milorde.
Mark levou as mãos dentro do bolso da casaca e apertou o lenço dela entre os dedos. Ele a queria, não sabia dizer o porquê, mas ele a queria muito para deixá-la ir sem a oportunidade de reencontrá-la.
— O prazer foi todo meu, Senhorita Allen – disse ele, o sorriso lhe vindo fácil, sem esforço ou fingimento. Ela era especial de um jeito que o fazia se sentir em casa. E tal sentimento nunca fez parte da vida do Marquês de Grinkle, um menino órfão que crescera para se tornar um homem importante. — Um último pedido – arriscou.
A dama piscou algumas vezes, ao voltar sua atenção para o marquês. Os cílios longos e bem arqueados emolduravam os olhos para valorizar ainda mais a sua beleza. Ela tinha um nariz pequeno, tão pequeno e perfeito, praticamente uma obra de arte, as narinas eram estreitas, com a ponta levemente para cima e o dorso ligeiramente côncavo. E que, para sua surpresa, combinava com a boca grande, de lábios cheios e arqueados em formato de coração. Era como se a boca tivesse sido projetada para acolher com cuidado e carinho o nariz.
Charlotte Allen era pura harmonia.
— Para o nosso bem, é melhor não. – Foi categórica e partiu, levando consigo a agradável lembrança daquele momento que talvez não viesse a se repetir tão cedo e que não permitia a ela sonhar com o impossível. E ela já tinha tanto com que se preocupar desde que a mãe morrera...
Cortesãs apenas dividiam a cama com aristocratas, dizia Madame Dafne Allen, que forçava o sotaque francês exagerando do biquinho para encantar os clientes do mais elitizado bordel de Londres. Assim era sua mãe, sedutora, charmosa e coquete, mas realista e objetiva apesar dos pesares.
Mark não a impediu que partisse porque não pretendia importuná-la. Mas decidiu que o lenço serviria de desculpa para revê-la, mesmo que não soubesse como. Ele tinha o suficiente: um lenço que cheirava baunilha e um nome.
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