Duplos-planos
Então, aqui estou. Meu quarto agora tem um guarda roupa, logo, suponho que meu texto já não deva ser igual aos outros. A forma como eu vejo o mundo não mudou tanto, mas como me sinto nele oscila em ondas inconstantes. Às vezes, sou senhor de meu corpo, de minha percepção, nada me afeta; graças a Deus, ao universo, ou às maravilhosas contingências que nos inundam, este é o estado mais comum. Outras, volto a ser um garotinho tímido, apequenado, que se preocupa se a pessoa que me cumprimentou de cara fechada na rua estava só tendo um dia ruim, ou se por algum motivo eu a desagradei em um momento hipotético o qual eu não faço ideia de qual seja. De toda forma, amo andar pela cidade. Odeio o calor, sinto falta do frio de São João Del-rei que já não dá as caras aqui faz tempo. Às vezes estou só, às vezes rodeado de amigos. Às vezes escrevo na mente e esqueço de passar para o papel. Digo para os leitores que sentiram a falta desse nerd de óculos que ultimamente bebi muito, mudei relacionamentos, viajei, aprendi coisas novas, e, principalmente, tirei tempo pra mim. Estive hoje numa aula na qual a proposta é a reflexão sobre a morte. Que coisa seria mais pessoal do que esse fato que a todos acomete? E pensar sobre esse tema tão conturbado é também pensar sobre o seu contraponto - a tão amada e difamada vida.
Viemos na incrível luta entre o carpe diem, o smells like teen spirit e a responsabilidade, a filosofia dos economistas que pregam a vida longeva e prudente. Penso que podemos sim fazer planos, mas nunca em sequências únicas: nada de isso e depois isso e aquilo. O desamparo é muito provável. Também não devemos fazer simples cadeias longas de possibilidades distantes: não devemos pensar nas viagens que faremos daqui dez anos ou das pessoas que conheceremos daqui a cinco, enquanto esperamos, trabalhando pacatos em vidas que nos desagradam, que as possibilidades nos caiam nas mãos. Façamos, pois, aquilo que eu chamo de "duplos-planos". É, na minha cabeça também parecia mais legal. Um duplo-plano é algo que sustenta o meu futuro, a minha esperança, o meu Eu Ideal – e, ao mesmo tempo, me mantém satisfeito com o percurso. Devemos querer sim, portanto, nos casar com a pessoa amada. Mas ao mesmo tempo aproveitar as delícias do amor separado. Devemos, sim, no preocupar com o corpo ideal. Mas aprendendo a lidar com o que temos agora. Devemos lutar para nos graduar, viajar, trabalhar, comer, ler aquele livro que enrolamos desde 2006 – contanto que apreciemos aquele outro livro comprado na semana passada. Que a vida seja feita de presente, de sentimento, mas também de razão. Que sejamos humanos completos, e não pelas metades. Que não sejamos apenas animais que comem e fazem sexo, nem lordes ingleses vitorianos ou mulheres histéricas. Sejamos aquilo que viemos para ser e, que se não viemos, agora somos: pessoas.
Nota: este texto foi escrito no início da minha graduação em psicologia, alguns anos atrás. Eu devia ter por volta de 19 ou 20 anos.
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