Começo o dia assistindo O Gambito da Rainha. Entendo a melancolia daqueles velhos casarões. Aquela sensação de que o tempo é uma coisa palpável, meio melequenta, meio oleosa. Parece escorrer nos dedos e não nos ponteiros dos relógios. Entendo que a série fique mais rápida quando a menina é adotada. Os relógios parecem fazer muito mais sentido quando o mundo em volta anda rápido. E a série nos entrega jogadas rápidas, mesmo que o tempo dito seja de noventa minutos: eles sabem que não esperaremos noventa minutos. E não nos julgam! Isso é fantástico – o bom positivista que há em todos nós não negará que somos motores de uma engrenagem que anda veloz. Pode-se dizer que a comandamos, mas, convenhamos, comandamos muito pouco. Os aristocratas que movem a burocracia, tomam primeiro as vacinas e vivem no topo das praias mais belas são quem, de fato, mais exercem controle deste vagão de trem.

Nós, entretanto, achamos nossos meios de nos esgueirar. Como funcionários que lancham um pouquinho mais que o tempo esperado, como oficiais que se sentam quando o superior não está olhando, como professores que deixam os cachorrinhos ficarem na sala e fingem que não veem tamanha fofura brincando com os alunos. A protagonista aprende a jogar xadrez num porão. E consegue um pouco de apoio ao menstruar em seu primeiro torneio, cercada por homens.

Nobres somos nós, ratos. Arrastamos nossas gordinhas barrigas pelos canos de canto das paredes dos poderosos e comemos deliciosas carnes desarmando suas ratoeiras.

Como quem canta ao fim do dia que venceu, sem dizer a quem venceu. É prazeroso roer as cordas que nos controlam os corpos. É necessário viver: mesmo que nos tenham dito apenas para não morrer.

A existência sentida é o maior ato de rebeldia. A liberdade é a coisa mais linda do mundo.