Capítulo 4 - A casa explode.
Caeme tentou esfriar o chá com uma baforada forte, o que fez com que o vapor se espalhasse por todo o seu rosto. Mas foi inútil, na primeira golada, sentiu a sua garganta queimando. Abriu os lábios na tentativa de diminuir a sensação.
Adelaide evitava, ao máximo, olhar diretamente para o sobrinho. Enterrou os olhos no liquido transparente e deixou que a fumaça tocasse diretamente o seu rosto. Abriu um pequeno sorriso, como se estivesse sentindo cócegas.
Daniel era o único inquieto na cozinha. Olhava todas as partes do livro verde, esperando que dali pulassem as respostas ou encontrar mais do que apenas as letras amarelas que enfeitavam a capa.
"Quem é o Alto Inquisidor?", Daniel perguntou as mulheres, encarando primeiro a sua tia.
Ele sabia que a mulher gorducha não resistia as suas perguntas, mesmo que fossem vistas como invasivas. Mas a tentativa da mulher de escapar do interrogatório, enfiando o seu rosto na fumaça, acabara dando certo.
"Ele costumava ser um grande amigo, do seu pai e meu. Estudamos todos juntos. Na Academia ele não era como é hoje."
"Academia?", Daniel interrompeu a mulher.
"Academia de Caça Venandi", disse Adelaide. Agora ela passava um dos seus dedos na borda da xícara.
"E o que aprendem nessa Academia? Lógico que estão lá para aprender, não é?", ele direcionou as perguntas para a mãe.
"Sim", disse ela em um intervalo entre uma nova golada no chá. "Aprendemos que monstros existem, o livro fala sobre isso", ela apontou para o livro que Daniel segurava.
Ele encarou mais uma vez a capa verde com as letras amarelas e repetiu mentalmente, "O livro das feras".
"Monstros, querido. Seu pai evitou ao máximo ferir alguma criatura que estava descrita nesse livro. Humberto, por outro lado, tentou ferir, o máximo que pôde, cada criatura que seu pai catalogou. E cá estamos, exilados desde que ele chegou ao posto de Alto Inquisidor.", disse, dando mais uma golada, dessa vez mais demorada, como se estivesse engolindo de volta todas as palavras que atravessaram a sua garganta.
"Humberto, Alto Inquisidor, Academia de Caça, monstros catalogados por meu pai, garota que quebra o anão de jardim e ameaça quebrar a minha cara. Esqueci de algo?", perguntou ele, olhando fixamente para a mãe.
"Quebrou o que?", perguntou Caeme, colocando a xícara na pia.
"O anão de jardim."
"Desgraçada! Nos deixou expostos.", Caeme voltou para a sala.
Os outros dois a seguiram. Adelaide, ainda segurando o chá e Daniel preocupado com a reação da mãe. Havia visto a mulher daquele jeito poucas vezes na vida, geralmente era quando os professores a chamavam na escola ou quando ele tirava nota baixa.
"Não me diga que ele realmente protege a casa, como tá no livro.", disse Daniel com um tom debochado.
"Seu pai descobriu que sim. Independente do artesão, o produto é sempre carregado de boas energias, então protege a casa."
Adelaide deu uma golada generosa no chá.
"Não temos muito tempo. Adelaide, proteja a entrada da cozinha. Protegerei a frente. Daniel, pegue tudo que vai precisar, mas não muita coisa.", ordenou.
"E o que faremos depois disso?", perguntou o garoto.
"Sem perguntas, vá!"
Daniel correu para o seu quarto. Primeiro corredor, perto da sala. A casa era minúscula, o corredor menor ainda. Ele entrou na primeira porta a direita. Seu quarto estava bagunçado. A cama não havia sido feita há alguns dias e as roupas sujas estavam espalhadas no chão. Nas paredes alguns pôsteres haviam sido colados e recolados, inclusive o dos Escaravelhos Inflamáveis, banda que seu pai havia apresentado, havia apenas um escaravelho em chamas, parecia ter saído de um livro de história qualquer que Daniel havia visto na biblioteca da escola.
Agarrou apenas algumas peças de roupas, o seu tênis preto e uma foto do seu pai, que estava na prateleira de brinquedos, que ele nunca havia retirado do quarto. Daniel encarou o rosto do homem, que tinha um sorriso largo no rosto, enquanto segurava um bebê no colo.
"Daniel, não temos o dia todo!"
O menino saiu do quarto e foi em direção a pequena sala, encarou os discos e pensou em pegar algum, mas na sua mochila não caberia mais nada além do que ele já havia pego. Retirou os livros e colocou tudo que havia agarrado.
"Para onde vamos?", perguntou Daniel, ainda ajeitando a mochila nas costas.
"Para onde deveríamos ter ido desde o começo. Lugar que eu nem deveria ter saído.", ela encarava a rua, como se esperasse por algo. "Academia de Caça."
Adelaide entrou na sala, ofegante. Carregava, mais uma vez, o colar que havia usado para ver se havia vestígios de presença de Atena na casa, desta vez, ele estava vermelho e piscando, como se fosse um sinal de alerta.
A mulher gorducha mal conseguia falar, se segurou um pouco na parede e expulsou uma grande quantidade de ar que havia prendido para dar mais fôlego na sua curta corrida.
"O que houve?", perguntou Caeme, olhando para a porta da cozinha.
Daniel encarou, mas anda viu além do amontoado de folhas que ele tinha feito no dia anterior quando voltou da escola.
"É um dos grandes.", ela finalmente disse.
Caeme empurrou Daniel com um tapa nas costas. Sua feição se transformou em preocupação, em questão de segundos.
"Todos para o carro. Agora!"
Adelaide correu para o carro e mais uma vez tentou descansar. Daniel foi o primeiro a entrar, não estava preparado para descobrir o que havia deixado a sua mãe com o olhar preocupado pela primeira vez.
Caeme foi a única que continuou fora do carro. Encarava a porta da casa. Depois saiu correndo, sentou no banco do motorista e pediu para que todos colocassem os cintos.
"O que você fez? Ficou parada por um tempo."
"Feitiço de explosão.", ela olhou pelo retrovisor.
Daniel olhou pelo vidro traseiro da caminhonete violeta. A casa parecia ainda normal. Mas não demorou muito para que aquela normalidade sumisse.
A casa ficou vermelha, tão vermelha quanto a chamado fogão. E explodiu. Daniel prendeu os olhos e tapou os ouvidos. A explosão não havia afetado as outras casas, como se tivesse uma redoma em volta dela.
Os vizinhos saíram para fora e olharam a cena, todos espantados, procurando defeitos em suas residências, mesmo sabendo que nem ao menos os escombros haviam saído daquele local.
Daniel continuou encarando. No local onde era a casa dos Abralin, agora só havia fumaça e escombros.
O garoto continuou olhando, esperando que aquilo fosse uma ilusão e que a sua casa, a pequena casinha, voltaria para o lugar. Mas nada feito.
Se distanciaram tanto que a fumaça já não era tão visível.
Passaram por um carro dos bombeiros, que provavelmente havia sido acionado pelos gêmeos Agamoto. Júlia e João, que ainda moravam juntos, mesmo depois da morte dos pais.
Viraram na mesma esquina que o carro havia vindo. A vila Flamboyant já não era mais parte da realidade de Daniel.
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