Capítulo 1 - A garota no jardim.
"Alguém pode me dizer como se chamava a mulher que foi amaldiçoada por Atena?", perguntou a figura feminina.
Adelaide era uma mulher baixinha, e gorducha. Estava sempre com um vestido florido, o que dava a impressão de que sempre vestia a mesma peça de roupa. Seus cabelos grisalhos, presos em uma polpa, denunciavam a idade que a mulher não fazia muita questão de esconder.
"Daniel?", ela chamou, logo após o silêncio total que a turma havia feito.
"Medusa, a dama com os cabelos em forma de cobras", ele disse.
Apesar de sempre ser o convidado a falar, Daniel sentia uma grande empatia por Adelaide. Provavelmente por ser a única lembrança mais próxima que o garoto tinha do pai. A admiração também se dava ao fato de que a mulher tinha uma longa pesquisa em mitologia, o que deixava Daniel eufórico só de pensar.
"Exatamente, Daniel. Ela seria capaz de petrificar qualquer um que ousasse olhar diretamente em seus olhos", Adelaide completou, enquanto rabiscava no quadro o nome da mulher. O sinal tocou assim que a mulher fechou os lábios. "Para a próxima aula eu quero uma pesquisa longa sobre a Medusa. Eu disse longa, okay, Johnson? Nada de cópia do coleguinha."
Johnson foi um dos últimos a deixar a sala, parecia um armário de tão grande. Havia sido escolhido para ser o capitão do time de futebol da escola.
Daniel sempre era o último a deixar a sala de história. Ainda estava montando a sua mochila. Os livros eram os últimos a ser colocados, logo depois do caderno para que não amassassem.
"Aqui, esse é especial, quero que leia todo."
Adelaide colocou um livro verde em cima da mesa dele. A capa, verde musgo e com alguns desenhos fantasiosos estava um pouco desgastada, mas as letras, em amarelo ouro, ainda eram legíveis.
"O livro das feras, tia?"
"O preferido do seu pai, lembro até hoje quando ele chegou com esse livro em casa e jogou na mesa... Papai dizia ser perca de tempo. Imagine se ele soubesse que suas duas crias amavam mitologia?"
A voz da mulher embargou e ela logo virou-se. Sua bochecha rosada inchou um pouco mais e um sorriso se formou no rosto.
Daniel encarou o livro por alguns segundos e então o guardou.
Sua tia já não estava nos corredores, pelo menos não até onde a visão do garoto alcançava. Apenas uma grande porção de alunos deixando a escola.
O caminho para casa era sempre um pouco mais parado. Alguns pés de flamboyant decoravam as passagens. A ruas pareciam tapetes intermináveis de lavas florais. O outono batia na porta.
Daniel parou em frente uma pequena casa de número quinze. A residência era a menor de toda a vizinhança. A vila Flamboyant. Só não era menor que o anão de jardim que sua mãe havia colocado alguns dias atrás, quando chegou do trabalho. O garoto sentia arrepios com ele.
"Cheguei!"
Ele saiu procurando em todos os cômodos, da pequena casa, se havia existência humana. Apenas um bilhete, preso com alguns imãs, na porta da geladeira, que estava um pouco enferrujada. "Tive que sair mais cedo, estarei em casa mais cedo também, mamãe te ama".
O garoto arrancou o bilhete e deixou à mostra uma foto. Os três juntos. Ele, ainda com os cachos grandes e um pouco maior que sua mãe. Caeme, ainda igual, com seus cabelos dourados, um vestido vermelho e um sorriso enorme, sem aquele uniforme que ele odiava. E seu pai, um homem alto, com os cabelos escondidos debaixo de um chapéu estilo Indiana Jones e a pele queimada do sol, usava um terno creme, o que dava a ele um ar de professor universitário que jamais saia do posto.
O garoto abriu a geladeira enferrujada e percebeu que estava tão vazia quanto a casa. Pegou apenas a vasilha de água, encheu um copo e voltou para a sala, onde havia largado sua mochila assim que chegou da escola.
O livro que sua tia havia lhe dado foi o primeiro a sair. "O livro das feras", ele repetiu. Abriu e folheou apenas as primeiras frases:
"Não continue a leitura se não tiver a proteção de um anão no jardim de casa."
"Desnecessário", ele pensou.
Fechou o livro novamente e deu um gole no copo d'água. Levantou-se para colocar uma música, apesar de ter apenas ele no local, o clima havia ficado pesado com a frase.
As letras brilharam, o amarelo ouro parecia neon. Daniel não percebeu tão claramente a mudança no ambiente, enquanto revirava a coleção de CDs da sua mãe, mas se virou quando ouviu um barulho de porcelana quebrada.
"Astolfo? Gatinho?"
Obviamente não haveria uma resposta, um gato sendo chamado. "Com toda certeza o susto seria maior se ele respondesse", ele pensou. Voltou a vasculhar os CDs e encontrou o perfeito. "Fleetwood Mac". Aumentou o volume e foi verificar se Astolfo realmente estava na casa. "Rhiannon" começou a tocar, a missão de encontrar o gato havia falhado.
Na volta, Daniel descobriu de onde estava vindo o barulho de porcelana quebrada. Da janela da sala, a que ficava perto do sofá, dava pra ver uma garota do lado de fora com um bastão de madeira na mão, um capuz negro na cabeça, o sol escaldante logo acima e o anão aos seus pés, todo despedaçado.
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