Prólogo: Bruxas Existem?
Três Luas, 22 de julho de 2018
Domingo - 07h21min
O dia mal começou e minha mãe já estava gritando.
Eu ouvia o eco da sua voz pelo andar de baixo, e nem tampando meus ouvidos com o travesseiro o barulho cessava. Caso eu não levantasse da cama naquele exato momento, provavelmente acordaria com uma mãe zangada na frente da minha cama, segurando um chinelo nas mãos. Arma mortal contra filhos.
Bocejei e me espreguicei enquanto levantava da cama aos poucos e me arrastava até o banheiro, um pouco depois do meu quarto. Hoje é domingo, então qual a necessidade de acordar às sete e vinte da manhã? Só havia uma resposta.
Hoje é dia de feira.
Minha mãe adorava ir à feira aos domingos, de preferência, bem cedo, enquanto os legumes e verduras ainda estavam frescos. Dona Helena era cozinheira e confeiteira de mão cheia. Tínhamos um restaurante ativo perto de casa, era bem conhecido por lá, inclusive por turistas. Por incrível que pareça, muita gente de fora visitava Três Luas devido às cachoeiras, árvores, plantas raras e uma floresta muito extensa. Era o interior do Rio de Janeiro, o fim do mundo, e nem era tão famoso assim lá fora. Sempre foi uma cidade tranquila e sem problemas, com poucas pessoas e uma bela paisagem. O lado ruim era que todo mundo se conhecia, então a fofoca rolava muito rápido.
Três Luas nasceu em 1109, bem antes da colonização do Brasil. Tudo começou quando refugiados do país Bengala — que hoje não existe mais, o qual era localizado no Sul da Ásia, desembarcaram em Três Luas. A cidade que sempre foi isolada por montanhas e uma enorme floresta, fez com que esses refugiados construíssem uma civilização aqui. Então, sem mesmo o domínio indígena, e até a colonização, Três Luas fora a única cidade brasileira que existiu. Depois dos portugueses a cidade foi colonizada, abrindo espaço de Três Luas para o resto do país, sendo também usada para moradia de alguns navegantes que paravam na Costa Lunense.
Visto um vestido confortável de alça fina, com alguns girassóis decorando e um pequeno babado na ponta. Tentei arrumar o máximo que pude os meus cabelos cacheados, os quais fazia uma semana que eu havia os cortado até o ombro. Minha franja rala e ondulada batia na minha testa, mas como eram poucas mechas, não cobria muita coisa. Meu rosto tem algumas sardas, o que particularmente eu não gosto. Não gosto do que vejo no espelho.
Depois de pronta, caminho lentamente até a cozinha para pelo menos comer uma fruta antes de sair. Pretendo convencer minha mãe a comprar um pastel com caldo de cana para mim na feira.
— Bom dia, querida! Achei que eu fosse precisar ir até seu quarto te acordar. — Disse dona Helena sorrindo enquanto terminava de coar o café.
— Eu já estava acordada. — Minto, soltando uma risada fraca de nervosismo. — Cadê o Samuel?
— Está ajudando sua avó a limpar o restaurante. O Pedro também está lá, menino prestativo! — Comentou enquanto se apoiava na bancada e tomava seu café em uma xícara de porcelana.
— É, pode crer. — Digo com um tom de ironia quando ela se refere à Pedro e dou de ombros, pegando uma banana da fruteira e começando a descascar.
Minutos depois, começamos a caminhar até a feira, que ficava a uns dez minutos de casa. Felizmente não estava muito calor, apenas o suficiente para não passar mal na rua. Nem para fritar um ovo no asfalto.
— Vamos começar com os legumes. Olha, abriu uma tenda de temperos naturais! — Dona Helena diz empolgada, começando a andar rapidamente por toda a feira.
Algumas compras depois, eu já estava cansada de andar. Ia dar onze da manhã e eu já estava com fome de novo, apesar de ter ganhado o pastel com caldo de cana. O sol já estava mais forte e a feira estava lotada, sufocante!
— Ah, mãe! O que falta para acabar? — Pergunto chorosa e ofegante, segurando vários quilos de legumes, frutas e outras coisas na bolsa biodegradável que minha mãe sempre usava. — Quero ir embora.
— Estamos acabando, filha. Só vou comprar o fermento que ainda não achei por aqui. — Disse, também segurando duas bolsas cheias e olhando ao redor da feira, como se procurasse algo. — Me espere na loja da dona Neide. Toma, pode comprar um sorvete para você.
Dona Helena me deu algumas notas de dois reais e algumas moedas que haviam sobrado de troco das compras anteriores. Respirei fundo, completamente exausta, vendo minha mãe andar no meio da multidão e desaparecer entre eles. Caminho, quase como arrastando meu corpo, até a barraca da dona Neide. Lá vendia sorvete, açaí, balas, jornais e essas coisas. Era um ponto que já estava ali há mais de vinte anos.
Então, olhei no horizonte da floresta que estava poucos quilômetros da cidade. Haviam algumas montanhas rodeando o lugar, era como se protegesse Três Luas. Ainda estava de dia, então... por que a lua já estava aparecendo? Estava bem fraca, em sua fase Crescente e bem longe do Sol para ser um eclipse.
Antes de poder ter tempo de pegar meu celular e tirar uma foto, vi uma mulher de capuz passar ao meu lado. Por que diabos ela estava com um capuz escuro, cobrindo quase seu corpo inteiro, em plenos 34°C? Observei uma espécie de amuleto com um símbolo no chão, o qual caiu assim que a mulher passou. Presumi ser dela, então me abaixei e peguei o objeto, começando a andar e procurar a mulher pela direção que a mesma havia ido. Pedi licença a algumas pessoas enquanto passava, vendo a mulher de longe. Por um instante ela se virou para mim e então pude ver seu rosto. Era jovem, delicado e iluminado. Parecia tão natural, mas uma estranha sensação penetrava meu corpo naquele momento.
— Ei, moça! — Chamei e comecei a correr na sua direção, mas cada vez parecia que ela estava mais longe.
As pessoas se afastavam de mim enquanto eu passava, me olhavam confusas e curiosas. Não era normal uma doida ficar correndo cheia de bolsa em uma feira, a não ser que ela estivesse roubando alguém.
Uma energia diferente pairava sobre o lugar. Eu sentia, conseguia sentir cada vibração que ela transmitia. Parecia que algo de mim sabia o que estava acontecendo, queria despertar e reviver. Algo que já existia antes mesmo de eu existir. Parei de andar um pouco em choque quando vi que a lua crescente no céu havia se transformado para a lua cheia. A mulher que andava rapidamente a frente de mim se virou novamente, dessa vez, revelando um aspecto mais maduro e adulto. Senti seus olhos sobre mim e um sorriso na minha direção, mas ela desapareceu quando pisquei os olhos.
O cérebro estava fritando meu sol, só pode!
Ou melhor dizendo, o sol que estava fritando meu cérebro!
— Para, Mariana! São só delírios, só... — Antes que eu continuasse surtando, vi com meus próprios olhos a lua mudando novamente, dessa vez, para a fase minguante.
Um clarão surgiu na minha mente.
Apanhei o amuleto que a mulher havia deixado cair e o observei. Ele tinha o formato de três luas, o símbolo cujas luas estavam simetricamente encaixadas como uma meia lua em cada lado, e no centro, a lua cheia. Exatamente como estava acontecendo no céu.
— Moço, você está vendo aquilo? No céu, a lua! — Falei nervosa, cutucando um feirante desconhecido e apontando para o céu.
— Que? Que lua, minha filha? Está de dia. Onde está sua mãe? — Ele perguntou confuso, obviamente não vendo o que eu via.
Olhei novamente para o amuleto nas minhas mãos e saí correndo a procura daquela mulher, mas ela havia evaporado. Tentei controlar minha respiração, estava ofegante e cansada.
— Mariana? Que susto! Achei que estivesse na Neide! — Minha mãe diz surgindo atrás de mim, fazendo com que eu me assustasse.
— Mãe... eu... nossa que calor... calma... — Dona Helena me olha preocupada e começa a me abanar com as mãos, me puxando para um lugar com sombra e que eu pudesse sentar.
— Está tudo bem? Você está pálida, Mari!
— Está, eu só... só estava procurando você. — Invento qualquer desculpa na hora e sinto minha mãe me abraçar, mas aquela sensação ainda estava ali.
— Vamos embora. Vou pedir para a sua avó nos buscar.
Ela pega o celular e começa a ligar para minha avó, enquanto eu ainda tentava recuperar minha consciência.
De longe, ouço alguns latidos e imagino ser de alguns cachorros que ficavam na rua. Mas não havia nenhum ao redor, e os latidos ficavam cada vez mais próximos. Eu assisti muito Supernatural para saber que quando cães invisíveis latem, significa que eles irão te levar para o inferno. Porém eu não havia feito pacto algum, e além do mais, aquilo nem existia.
Entre a brecha do espaço entre minha mãe e as outras pessoas, vi, pela última vez, aquela mulher. Ela me encarou com aqueles olhos flamejantes e com a aparência de uma idosa, mas sempre o mesmo olhar. Ela não era normal, isso eu sabia, mas não sabia o porquê disso estar acontecendo comigo.
Então, ela desapareceu, e a intuição que vibrava dentro de mim também.
Continua...
Espero que tenham gostado dessa pequena introdução. Ainda é o começo, muita coisa está para acontecer nos próximos capítulos!
O que acharam da Mariana? Comentem suas opiniões sobre o capítulo e até o próximo. Blessed! ♡
- Ey
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