Capítulo 4: Ladrão de Uno
Quando saímos da casa da Vitória, já estava de noite.
Caminhei ao lado de Denis enquanto conversávamos sobre o crush italiano dele. Viramos uma das ruas, para ser mais específica, a rua em que Pedro morava. Passei na calçada, bem em frente a sua casa, e ouvi um homem gritando. Sua voz era grossa e ele parecia irritado, brigando com alguém. E então, o som de vidro se quebrando.
Tentei ignorar aquilo e seguir em frente, mas era difícil esquecer. Eu sabia que Pedro tinha muitos problemas em casa, por isso vivia na minha, mas ele nunca disse quais eram. Nem mesmo a Samuel. O que eu sabia era que ele morava com sua mãe, suas duas irmãs pequenas e o padrasto, em uma casa de aluguel alguns metros perto da escola. Por isso ele ia facilmente de skate.
— Tá preocupada? — Denis pergunta ao meu lado, enquanto andávamos até minha casa.
— Com o Pedro? Não, não. — Nego com a cabeça, vendo Denis me olhar confuso.
— Eu estava falando desse negócio de bruxaria... espera, tá pensando no Pedro? — Denis me encara com um sorriso travesso no rosto, me fazendo revirar os olhos.
— É que acabamos de passar na frente da casa dele e eu ouvi gritos. Só isso. — Digo dando uma rápida olhada para trás, então ouço sons de trovões.
— Sei. — Ironiza ele. — Vai cair o céu hoje. — Diz Denis, quase pensando igual a mim.
— Vamos logo embora então.
• • •
O dia seguinte na escola foi um tédio. Mal havia voltado as aulas e os professores já falavam de trabalho. Eu pretendia estudar o ideal para fazer o ENEM no final do ano, não fazer um monte de trabalho só para ganhar ponto.
Meu sonho era fazer letras de língua estrangeira e morar em diversos lugares fora do Brasil, apenas para aperfeiçoar o idioma. Eu achava incrível as inúmeras maneiras de comunicação espalhadas ao redor do mundo e pretendia levar isso adiante.
Hoje, por incrível que pareça, Pedro não estava sentado com Samuel jogando free fire no fundo da sala. Ele estava na primeira mesa, fazendo todas as atividades e respondendo corretamente todas as perguntas. O que estava acontecendo com ele? Eu sabia que suas notas eram medianas, e diferente de Samuel e Davi, Pedro nunca precisou colar de mim. Mas também não sabia que seu nível intelectual havia aumentado tanto durante às férias, o que estranhei um pouco. Talvez estivesse apenas se preparando para o ENEM assim como eu.
Eduarda ainda estava distante. Não falava com ninguém, apesar de me olhar de relance algumas vezes. Na verdade, ela não olhava para mim, e sim para o amuleto que estava comigo. Talvez agora ela saiba que também sou uma bruxa. Apenas Nicolas falava com ela, o que despertou uma pontada irrelevante de ciúmes. Como se por algum motivo divino ele fosse me notar e querer algo comigo. Eu gostava de me iludir com as fanfics do Wattpad.
Em casa, fiz todas as lições da escola e fui arrumar meu quarto. Eu havia prometido uma festa do pijama com Luísa, e pretendia contar a ela sobre o que estava acontecendo comigo. Ela era minha melhor amiga desde quando éramos pequenas, mas também sentia que ela estava escondendo alguma coisa de mim.
A campainha toca, mas não havia ninguém para atender para mim.
Que inferno!
Imaginei que fosse Luísa, mas ela havia chegado mais cedo do que o combinado. Quando abri o portão, vi que era Pedro. Ele vestia um casaco azul marinho com o capuz cobrindo sua cabeça e estava encharcado pela chuva forte que caía lá fora.
Dei espaço para ele entrar e busquei uma toalha. Não quero que ninguém molhe minha casa. Quando volto para a sala, vejo que ele havia tirado o casaco, mas ainda assim estava coberto de água. Algumas gotas caíam do seu cabelo bagunçado e na sua pele bronzeada. Eu sabia que Pedro fazia natação, portanto pegava muito sol, o que o deixava sempre bronzeado. Seus ombros eram largos, mas não tão desproporcional ao seu corpo.
— Se apaixonou? Quer uma foto? — Ele pergunta, me fazendo sair dos meus pensamentos.
— Credo. Você é feio. Aliás, seu namorado Samuel não chegou em casa ainda, então pode ralar fora. — Digo jogando a toalha na direção dele, fazendo-o pegar no ar.
— Não vim falar com ele. — Disse enquanto se secava. — Vim falar com você.
— Não tenho dinheiro. — Cruzo os braços, respondendo antes que ele pergunte.
— Eu não quero dinheiro, maluca. Queria saber se você podia me ajudar em inglês. No inglês intermediário, já que você já fez curso, certo? — Levanto uma das sombrancelhas, curiosa com o pedido de Pedro. Ele nunca me pedia ajuda em nada.
— Eu não tenho tempo para isso, Pedro. — Nego, ainda perplexa com o pedido.
— Por favor, Mari... isso é importante. — Diz sério, me encarando com aqueles olhos verdes escuros, o que era raro por aqui.
— Por que você tá pedindo ajuda pra mim? — Questiono, ainda curiosa, então ele se aproxima. — A Ketlyn da nossa sala já viajou para fora. Ela é boa com inglês.
— Eu sei... mas você é a garota mais inteligente que eu conheço. Acho que ninguém ensinaria melhor que você. Além disso, eu sempre venho aqui, então não seria um problema tirarmos uma hora para estudar. — Explica, refletindo uma pequena esperança bem no fundo dos seus olhos. — Eu sei que a gente não se dá tão bem, você me irrita, eu te irrito, brigamos constantemente, mas não significa que eu te odeie e te ache um monstro, e acredito que você não ache o mesmo de mim. Estou errado?
— Está.
— Qual foi, Mari!
— Tá bom, tá bom. Eu ajudo, ok? Contanto que você me deixe em paz depois. — Suspiro, vendo ele comemorar silenciosamente. — Por que você está estudando tanto?
— Ah... eu não gosto muito de falar disso, mas venho tentando uma bolsa de estudos em uma escola de natação olímpica em San Francisco. Para isso tenho que ter notas extremamente boas, ser fluente em inglês e ter prestado serviço comunitário por pelo menos três meses. — Fico surpresa por um momento, mas então vejo o quão dedicado ele estava sendo. Por mais que eu o conhecesse há anos, quase não sabia sobre sua vida. Apenas o básico.
— Uau. — É a única coisa que sai da minha boca, e por sorte, a campainha toca novamente.
Pedro olha para mim e vai até a porta abrir, pois sabia que eu detestava abrir portas. Logo, vejo a imagem de Luísa chegando completamente encharcada.
— Cheguei, gatinha. Cheguei para alegrar sua noite! Ah, oi, Pedro. Quer fazer skin care com a gente? — Luísa pergunta, então vejo Pedro rir fraco enquanto eu a puxo para meu quarto.
— Para de ser doida! Bebeu quantos litros de Coca-Cola? — Pergunto fechando a porta do meu quarto atrás dela.
— Só seis. Ei, cadê sua mãe? E seu pai? Ele não ia chegar hoje? E sua avó? Aquela delícia.
— PARA! — Jogo um travesseiro nela quando ela fala da minha avó e dá gargalhadas. — Eles estão no restaurante, mas a chuva alagou as ruas então eles estão presos lá.
— Hmmm e o que você tava fazendo sozinha aqui com o Pedro, hein sua safadinha? — Pergunta provocativa enquanto se aproximava de mim. — Achei que seu coração só tivesse lugar para o Nicolas.
— Cara, se você continuar de palhaçada eu juro que te deixo presa lá fora!
— Calma, tá estressadinha? Só fiz uma pergunta. — Luísa caminha pelo meu quarto enquanto deslizava os dedos pelos meus livros. — Puts, esqueci minha mochila na sala. Vou lá buscar.
— Vou contigo.
Saímos do quarto e fomos até a sala, onde vejo que Samuel finalmente havia chegado. Como os outros, encharcado.
— OI SAMU! — Diz Luísa, pegando a mochila rosa que estava ao lado da mesinha de centro. — Quer fazer skin care com a gente?
— Ele não quer! — Respondo por ela e ouço a campainha tocar de novo. — NINGUÉM TEM CASA MAIS NÃO?
Samuel corre para abrir o portão, então vejo uma pessoa familiar entrar toda encharcada na sala.
— Eduarda? — Pergunto confusa, vendo ela pegar a toalha da mão de Samuel e se secar.
— Veio me ver, meu amor? — Ele pergunta olhando para ela feito um psicopata.
— Só no seu funeral. — Ela olha ao redor e fixa seu olhar em mim. — Eu preciso falar com você.
— Comigo? — Aponto para mim mesma, ainda sem entender o que ela queria ali. Vejo Eduarda olhar para os outros rapidamente, então entendo o recado.
— Acho que vim na hora errada. — Ela se vira para sair de novo, mas a chuva pareceu aumentar. Um trovão forte faz ela recuar frustrada.
— Melhor você esperar até a chuva passar. — Diz Pedro olhando pelo vidro da janela enquanto a chuva caía.
— É né, fazer o que? — Ela cruza os braços com raiva e se senta em uma cadeira.
— VOCÊ QUER FAZER SKIN CARE? — Luísa pergunta para Eduarda, que responde apenas com o olhar. O suficiente para não perguntar de novo.
— Podíamos jogar verdade ou desafio. — Propõe Samuel, fazendo todo o resto olhar apreensivo.
— Pra que? Verdade: todo mundo sabe que a Mari tem um crush no Nicolas, que você é meio gay mas não me deixa em paz, que o Pedro tem um crush na Mari e que a Luísa é sapatão. — Responde Eduarda, trazendo um enorme constrangimento para o ambiente. — Ops, foi sem querer! — Diz irônica.
Antes que todo mundo começasse a discutir, fui até o armário e peguei as cartas de Uno. Espera, o Pedro tem um crush em mim? ESPERA, A LUÍSA É LÉSBICA?
— Acho melhor jogarmos Uno. — Digo segurando as cartas com as mãos tremendo, enquanto Luísa estava pálida, Pedro constrangido e Samuel confuso.
— É, boa ideia. — Diz Pedro se sentando no chão da sala.
— Ok, vamos tirar zerinho ou um pra ver quem começa. — Digo me sentando na rodinha, vendo os outros sentarem também.
Separo as cartas e, pela sorte de cada um, quem começa é a Luísa. Ela joga um quatro amarelo, logo depois, eu. Jogo um quatro azul e um quatro vermelho. Na vez de Samuel, ele joga um +2 amarelo para Pedro, que completa com um +2 vermelho.
— Merda! — Diz Eduarda olhando para suas cartas e comprando mais uma. Logo jogando um nove vermelho e batendo.
Luísa foi a última que bateu e comprou mais uma carta na força do ódio. Ela joga um +4 e eu um +2 verde para que Samuel comprasse mais seis.
— Verde. — Luísa diz pedindo a cor, e Samuel coloca um sete verde logo depois de comprar as seis cartas.
O silêncio reina na sala por alguns segundos, até Pedro bloquear Eduarda com um azul.
— Você me odeia? — Ela pergunta olhando séria para Pedro, que apenas dá de ombros.
— Ok, vamos criar uma regra. — Diz Luísa colocando a carta branca no centro. — Deixa eu pensar... vocês estão proibidos de fazer descarte por três rodadas.
Jogo uma carta de reverso amarelo e Luísa joga novamente, dessa vez jogando um dois amarelo e mais três cartas de dois.
— Espera, não tava proibido descarte? — Questiona Eduarda perplexa.
— Sim, queridinha. No caso a regra foi feita por mim, então não vale para mim. — Luísa responde, esperando Eduarda continuar.
Algumas rodadas depois, após eu precisar comprar doze cartas e trocar de mão com Pedro, que estava com apenas uma, ouço Samuel gritar:
— BATI! — Olho para Eduarda confusa, já que sabíamos que Samuel ainda estava com trocentas cartas na mão.
— Você tá roubando, Samuel. Levanta, deixa eu ver se não escondeu nenhuma carta. — Falo estressada, mas ele me olha sínico.
— Eu não roubei, eu ganhei! Eu sou ótimo no Uno, não preciso roubar. — Samuel se defende, então Eduarda parte pra cima dele e o empurra, revelando mais oito cartas escondidas debaixo da sua bunda.
— EU FALEI QUE VOCÊ TAVA ROUBANDO, SEU LADRÃO DE UNO! — Diz gritando, mas Samuel a segura.
— EU NÃO ROUBO NO UNO! NEM SEI COMO AS CARTAS FORAM PARAR AÍ!
— SAMUEL VOCÊ É MUITO SONSO! ERA PRA EU TER BATIDO SE VOCÊ NÃO TIVESSE ESCONDIDO AS SUAS CARTAS E BATIDO, SUA MULA! — Grito com raiva, vendo todo mundo discutir ao mesmo tempo.
— EU SOU INOCENTE! DEUS TÁ VENDO QUE SOU INOCENTE!
A gritaria termina quando um relâmpago e um trovão forte surgem no céu e a luz acaba. Estávamos no escuro.
Continua...
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