Capítulo 39: Espírito do Ragatanga
Acordamos quase meio dia do dia seguinte.
Pedro, Eduarda, Samuel e eu dormimos na sala, enquanto Denis, Luisa e Vitória dormiram no quarto. Para ser mais específica, Eduarda e Samuel dormiram bem apertados no sofá, e Pedro e eu no chão. Denis ficou com o colchonete de acampar da Vitória, que dormiu na cama com Luisa.
— Gente, eu tenho que estar no aeroporto do Galeão às três e quarenta. Até lá é uma viagem, preciso ir agora! — Denis diz ajeitando rapidamente suas coisas enquanto o resto de nós despertávamos.
— Não quer nem tomar um café? — Vitória pergunta enquanto colocava água no fogo para ferver.
— Não dá. Preciso ir para casa, trocar de roupa e chamar um uber para o aeroporto. — Ele responde, calçando o chinelo e indo até a porta. — Tchau, gente! No ano novo eu volto.
— Tchau, Denis. Boa viagem, se cuida. Vai nos avisando de tudo. — Me despeço com um abraço e sinto ele beijar minha cabeça.
— Tudo bem. Se cuidem vocês também. — Ele sorri e acena, por fim, saindo às pressas.
— Eu também vou para casa. Minha mãe já ligou umas vinte vezes. — Digo olhando para a tela do celular e vejo Luisa se aproximar com uma xícara de café e entregar para mim.
— Tua mãe tinha é que aproveitar com seu pai sozinhos em casa enquanto as crianças chatas não chegam. — Ela comenta, fazendo meu rosto arder de vergonha.
— Eu acho melhor ir. Se ela ligou várias vezes, coisa boa não é. — Coloco a xícara na boca e tomo um pouco do líquido quente e amargo. — Tá sem açúcar!
— Aqui também tem chamada perdida dela. — Samuel diz encarando a tela do seu telefone e se levanta do sofá. — Onde é o banheiro?
— Ali no corredor, na porta à direita. — Vitória explica e Samuel se levanta e vai até o lugar em que ela indicou.
Depois de tormarmos o café da manhã, Pedro, Eduarda e eu ajudamos Vitória a arrumar a a bagunça que fizemos, enquanto Samuel e Luisa discutiam para saber qual música colocariam no radinho.
Não demorou muito para terminarmos. Quando tudo estava em seu devido lugar, caminhamos até o portão. Hoje o tempo estava quente, porém, muitas nuvens escuras cobriam o céu. Estava abafado, então presumi que mais tarde fosse chover.
— Vamos caminhando com vocês. — Vitória diz calçando o chinelo e andando para fora com o resto de nós.
Estranhamente, dois carros de polícia passaram correndo ao nosso lado. Atrás dele, uma ambulância vinha com a sirene apitando, rumo à estrada principal que ligava Três Luas às outras cidades fora da região.
— Gente, será que aconteceu alguma coisa? — Luisa diz curiosa, olhando na direção em que os carros foram. — Vamos lá ver!
— Não. Para de ser fofoqueira! — Nego imediatamente. — Deixa a polícia resolver isso.
O som de helicópteros começa a preencher o lugar, e quando olho para o alto, vejo paraquedistas pulando um pouco distante de nós.
— O que o exército está fazendo aqui? — Pedro pergunta confuso, tão surpreso quanto os outros.
— Deve ter dado uma merda das grandes. — Samuel comenta olhando para o alto.
Olho rapidamente para Eduarda e percebo que não só eu, mas ela também notou que aquilo era coincidência demais para estar acontecendo. Na noite anterior sentimos a mesma energia caótica que havia presente na batalha contra Débora e Marinete. Sabíamos que isso envolvia, provavelmente, a Natália.
— Mariana e eu vamos ver o que está acontecendo. Vocês voltem para a casa e não saiam de lá! — Eduarda se pronuncia, mas Vitória nega e a segura pelo braço.
— O que foi, o que houve? — Ela pergunta alternando o olhar entre Eduarda e eu.
— É a Natália. Não sabemos o que ela está fazendo, mas sabemos que é ela e se não formos agora mesmo impedir, as coisas podem sair do controle. — Digo preocupada e Eduarda concorda.
— Nesse caso, nós vamos com vocês. — Luisa se manifesta, mas Vitória a impede.
— Não. Isso não é problema de vocês. Não queremos que mais ninguém se machuque!
Enquanto discutíamos sobre quem ia ou não ver o que estava acontecendo, vejo duas pessoas correrem desesperadas e passarem por nós. Logo depois delas, outra pessoa que parecia estar em estado psicótico, começa a correr enquanto segurava um facão sujo de sangue nas mãos.
— Mas que... — Antes de conseguirmos formular alguma frase, outra dezena de pessoas saíram raivosas e começaram a correr até nós. Umas pulavam tão forte em cima dos carros que chegavam a amassar.
Todos pareciam estar com sangue nos olhos, uma raiva extrema além do normal. Além disso, pareciam estar fortes demais para seres humanos, e não poupariam esforços para nos matar.
Parecia um apocalipse zumbi.
— Corre! — Grito e começo a me virar, correndo para a direção oposta de onde eles vieram, sabendo que muitos deles corriam atrás de nós.
Viro uma das ruas correndo e olho rapidamente para trás, para me certificar que ainda estavam nos perseguindo. Como a resposta era sim, fiz um rápido encantamento da natureza e conjurei algumas raízes do chão para segurar aquelas "pessoas", para pelo menos dar tempo de corrermos.
— Precisamos ir para um lugar seguro! — Vitória grita ao meu lado e eu confirmo com a cabeça.
— Vão para a casa da minha avó que é o mais perto daqui. Eduarda e eu vamos ver o que... — Paro de correr e apoio as mãos no joelho, tentando respirar. Olho ao redor e vejo que nem Eduarda e nem Samuel estavam perto de nós. — Cadê eles?
Vitória, Luisa e Pedro param de correr e olham ao redor, vendo que de todo lado aparecia mais e mais pessoas surtando, quebrando as coisas e matando pessoas inocentes. Aquela cidade estava um verdadeiro caos.
— Não dá tempo de parar! Eles devem ter virado outra rua, sei lá. Mas se não sairmos daqui agora mesmo, vamos morrer! — Luisa diz desesperada e me puxa pelo braço quando começa a correr novamente. — Mata eles!
— Não posso! Ainda são pessoas, não posso sair matando todo mundo! — Grito em meio a correria e vejo uma bomba de gás cair no meio de um aglomerado de pessoas que tentavam vir até nós, fazendo-as recuarem por um instante.
— Presta a atenção, ô Madre Tereza de Calcutá! — Luisa segura firmemente os meus ombros e me encara. — Isso não são pessoas normais nem aqui nem na China! Isso nem sequer são pessoas mais, são seres corrompidos que querem matar tudo o que vêem pela frente!
— Ela está certa. Não podemos ficar parados aqui esperando que eles nos matem. — Pedro tira levemente as mãos de Luisa do meu ombro, que apertavam um pouco, e segura minha mão. — Vamos para um lugar seguro.
— A Avenida Soares Barcelos fica aqui perto. É para lá que os carros da polícia estavam indo, não seria lógico corrermos para lá? — Vitória sugere, apontando para a rua vazia que em uns metros levava para a estrada indicada.
Olho para trás e vejo mais das pessoas correndo até nós. Estava tudo destruído, lojas quebradas, pessoas mortas por toda a parte, carros abandonados e apenas gritos de desespero. Era um verdadeiro cenário de filme de terror, mas eu não queria ser um dos personagens.
— Só espero que a Eduarda e o Sam estejam bem. — Sussurro sozinha antes de me virar e correr logo atrás de Vitória, até chegarmos na Avenida.
O lugar era extenso e muitos carros estavam parados em um trânsito infinito. Lá estava igualmente danificado, só que ainda haviam mais pessoas vivas do que mortas.
Os dois carros da polícia estavam virados mais a frente, como se tivesse sido batido, ou até mesmo jogado longe. As pessoas normais saíam dos seus carros e andavam até mais a frente para ver o que estava acontecendo, mas acabavam sendo vítimas dos seres que os atacavam por todo o lado.
Crio uma barreira de plasma na frente da rua de que viemos, a fim de evitar que os outros passassem. Pela primeira vez eu não sabia o que fazer, pois aquilo envolvia centenas de pessoas.
— Caos.
Ouço uma voz se aproximar por trás de mim e vejo a figura de uma criatura alta, com os olhos completamente pretos e sangue jorrado por toda a sua roupa. Ela tinha unhas grandes e flutuava, mas suas duas pernas estavam tortas, como se tivessem sido quebradas.
Só de olhar aquele ser, senti um medo que nunca tinha sentido antes. Natália levantou a mão e apontou para as pessoas no carro, lançando uma maldição em um idioma que eu não reconheci. Só soube que era o mesmo que Cassandra usava em seus feitiços.
— Ajudem as pessoas, eu consigo detê-la! — Aviso os outros e olho desafiadora para Natália. — Sit vis quaestum celeritatis.
Lanço uma rajada de energia na sua direção e a vejo desviar. Crio o mesmo machado que usei quando matei Marinete e corro na direção do demônio, tentando atingi-la de alguma forma. Ela desvia de alguns golpes, então me impulsiono para frente e lanço uma onda de mana na sua direção, virando meu corpo e enfiando a lâmina do machado bem no seu pescoço.
Ela me empurra e joga o machado longe. Quando tento correr para pegá-lo novamente, Natália me segura pelo pescoço e o aperta, me fazendo ficar sem ar. Ela olha nos meus olhos, e por um momento sinto um cansaço extremo percorrer pelo meu corpo.
— Ei, Espírito do Ragatanga! Solta a minha amiga! — Luisa grita e joga uma latinha vazia de coca cola na direção de Natália, fazendo-a me soltar e correr até a loira. — Ops, ferrou.
— Mariana! — Ouço uma voz familiar vindo de um dos carros e vejo que era Denis. — O que está acontecendo?
— Denis! — Corro até o carro e o vejo em total desespero. — Olha, me promete que você não vai sair daqui!
— Me diz que merda é essa! Cadê a Eduarda? Cadê o seu irmão? — Ele questiona apavorado.
— Não sei! — Olho para trás e vejo que Natália estava prestes a atacar Luisa. — LUISA!
Corro para tentar ajudá-la e tento pensar em um feitiço, mas não consigo lembrar de nenhum. Droga! Espera... eu não consigo lembrar dos meus feitiços, não consigo usar meus poderes! O desespero toma conta do meu corpo e eu tento inifintas vezes conjurar a magia, mas simplesmente nada funciona. Era o fim da linha.
— Mari... o que está acontecendo? — Olho para trás e vejo uma garota caída no chão.
Arregalo os olhos quando me aproximo e vejo que era Ketlyn. Seguro sua mão e percebo que estava extremamente fria, e ela estava pálida.
Por mais que eu a odiasse, eu não queria que ninguém morresse. Não queria que ninguém se envolvesse em algo que apenas eu estou destinada a enfrentar.
— Ketlyn. — A chamo e vejo que a ponta dos seus dedos estavam ficando estranhamente cinzas.
— Frio... tá muito frio aqui. — Ela diz com dificuldades e começa a tossir.
Por mais que estivesse calor, eu não iria contestar o que ela estava sentido. Ajudo a garota a se virar e de repente, ela vomita muito sangue. Olho ao redor e vejo que muitas outras pessoas estavam assim, tendo os mesmos efeitos. Me viro para Natália e percebo que seu poder ia além do que eu esperava. Primeiro fez com que as pessoas virassem raivosas, depois deu um jeito de apagar os meus poderes. Agora, amaldiçoou as pessoas. Não dava para detê-la sozinha.
Como eu queria que a Eduarda estivesse ali.
— Vou te levar para a ambulância, vem. — Ajudo-a a se levantar e coloco um dos seus braços ao redor do meu ombro, andando o mais rápido que conseguia até chegar na ambulância.
Vejo que os paramédicos eram poucos para atender a todos que estavam com o mesmo sintoma, então coloquei Ketlyn sentada perto de um dos carros. Antes de sair, ela segurou meus braços, me impedindo de ir.
— Desculpa... desculpa... não me deixa aqui... eu não quero morrer, Mari. Eu prometo que... nunca mais... nunca mais vou... — Ela diz com extrema dificuldade, me olhando fixamente enquanto chorava.
— Ketlyn, não dorme! Não dorme, entendeu? — Peço, mas ela olhava fixamente para o nada.
Então, ela parou de me responder e sua pele ficou completamente acinzentada.
Continua...
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