Capítulo 32: Shakira Ladra de Pão
— Então quer dizer que qualquer pessoa com o nosso sobrenome pode ser uma bruxa? — Perguntei ainda sem entender, mas Rafaela negou.
— É algo que está no nosso sangue, mas não que necessariamente todos vão seguir.
— Você também tem superpoderes?
— O quê? Como assim? — Rafaela questiona e ri fraco, então a olho confusa. — Poderes?
— Sim, do tipo de recitar um feitiço e algo mágico acontecer. — Explico, mas agora quem estava confusa era ela.
— Não. Eu pratico a bruxaria natural, prefiro me conectar com os elementos da natureza. Sou uma bruxa solitária, não tenho um coven. Gosto assim. — Ela tira o corpo do apoio que estava fazendo no muro e se afasta. — Você tem?
— Tenho o quê?
— Poderes. Essas coisas. Eu sei que existe, na verdade eu desconfiava. Mas nunca conheci alguém que... realmente tivesse um. Ainda mais alguém tão próximo quanto minha prima.
— Ah. Claro. Minha amiga Vitória, que também é uma bruxa, disse que foi o legado da Deusa Hécate para deter a Cassandra. — Conto, tentando ir bem ao ponto e não dar tantos detalhes.
— Cassandra... — Rafaela sussurra e olha para o lado, como se conhecesse esse nome.
— Você a conhece?
— Já tive um encontro com ela uma vez. Não foi muito agradável. — Rafaela pareceu não querer falar muito sobre aquilo, mas a curiosidade gritava dentro de mim.
Não consigo dizer mais nada porque Stefany aparece na escada e avisa que tia Ione estava nos chamando para jantar. Concordamos e descemos juntas, caminhando até a cozinha e ajudando a colocar a mesa.
— Ô Mari. Aquele amigo do Samuel ainda vai lá? Ele é um gato... — Stefany diz pensativa, sentada na mesa.
— Que amigo? O Pedro? — Pergunto confusa, lembrando algumas poucas vezes que eles foram lá no restaurante e o Pedro estava. Provavelmente ele se referia a isso. — Ah, sim. Ele praticamente mora lá em casa.
— Será que um dia eu vou ter chance? — Ela suspira apaixonada, com a cabeça apoiada na mão.
— Sai das fraldas primeiro, fedelha. — Diz Lucas com uma cara de nojo.
— Aquieta a bundinha porque você ainda não tem idade para essas coisas. Eu hein, vê se pode! — Ione reclama enquanto colocava a comida no prato e eu seguro o riso.
Após o jantar, ajudei Rafaela a lavar a louça e fui tomar um banho. Coloquei um pijama e fui para a sala, vendo Ione no telefone falando com alguém.
— Mari, sua mãe quer falar com você! — Me aproximo e pego o telefone da mulher, colocando-o no ouvido e ouvindo minha mãe do outro lado da linha.
— Oi mãe.
— Oi minha filha! Como você está? Chegou direitinho? — Pergunta.
— Sim, sim. Está tudo bem. Já jantamos, agora vou deitar e amanhã vou ao centro com a Rafaela comprar algumas coisas para o almoço. — Cruzo os braços e me apoio na parede enquanto falo. — Alguma novidade?
— Não, nenhuma. Só liguei para saber se você estava bem. — Ela diz e fica quieta por alguns instantes. — Bom, vou desligar agora. Se cuida, te amo!
— Também te amo. — Desligo.
Devolvo o telefone para tia Ione e vou até a varanda, vendo Stefany mexendo em um celular mil vezes melhor que o meu.
— Ah, Mari. Segura aqui para eu gravar um Tik Tok? — Ela se aproxima e coloca o celular nas minhas mãos, poucos segundos antes de começar a fazer uma dancinha conforme a música que tocava de forma irritante.
Essa é a nossa geração?
— Pronto, obrigada! — Quando ela termina, a vejo pegar o celular de volta e sorrir de felicidade. — Aiiiii bati sete mil seguidores!
— Meus... parabéns. — Parabenizo sem entender muito como aquilo funcionava, mas dou de ombros e volto para dentro.
Antes de dormir, dou uma olhada no grimório e a vejo se aproximar. Achava meio perigoso mais alguém saber sobre meu segredo, mas acreditava que Rafaela era confiável. Aliás, ela era uma de nós.
— Me mostra? — Ela pede ao se aproximar e se apoiar na cama.
— O grimório? — Pergunto confusa.
— Não. Os poderes.
Concordo e respiro fundo. De um modo único, faço com que parte da minha magia apareça na minha mão como a bolha de plasma que eu usava para atacar os meus alvos diretamente com o poder de Hécate. Era a parte mais poderosa de mim.
— Eu ainda estou praticando, mas sei de algumas coisas... bom, eu preciso praticar mais. Minhas amigas Vitória e Eduarda me ajudavam bastante. Elas são do meu coven.
— Uau... — Rafaela diz com os olhos brilhando. — Como elas não estão aqui... eu posso te ajudar!
— Como? — Questiono intrigada.
— Eu estudo isso há anos. Não diretamente a magia, mas a bruxaria. Você precisa de métodos de concentração e prática física. Só poder não vai te fazer vencer Cassandra. A magia que ela usa é infernal, é muito mais forte do que qualquer um já viu.
— Você vai contar como conheceu ela? — A expressão de Rafaela muda para uma de pensativa. Eu estava curiosa, mas também não queria pressioná-la.
— Antes de ir para Três Luas, Cassandra estava procurando pelo sobrenome Lobos, mais especificamente por uma bruxa Lobos. Ela veio até mim, tentou usar sua magia sobre mim mas eu a impedi. Até ela descobrir que não era eu quem ela estava procurando, mas eu não sabia que era você. — Ela explica olhando para mim, mas eu estava surpresa o bastante para não esboçar reação alguma.
— Então você a deteve? Como?
— Eu disse, Mari. Poder não é nada se você não estiver preparada. — Rafaela sorri e se deita na cama. — Bora dormir que amanhã é outro dia.
• • •
Acordei com a tia Ione gritando pela casa.
Igualzinha minha mãe.
O motivo era que a Shakira tinha roubado o pão da mesa e corrido para fora com a boca cheia. Por um momento achei que estava presa dentro de um sonho super estranho, mas me dei conta de que Shakira era a cachorra. Minha tia xingava horrores a Shakira, o que fez com que todos da casa acordassem no susto.
— Lucas, vai na padaria comprar mais pão antes que a Luísa Mel mande me prender por dar uns tapas nessa cachorra abusada!
Me levanto da cama e vejo que Rafaela também havia levantado, mas estava no banheiro. Stefany ainda estava no quarto e Lucas ido na rua comprar mais pão.
— Bom dia. — Cumprimento tia Ione e a vejo se virar para mim.
— Bom dia, querida. Eu te acordei? Me desculpa, é que essa peste comeu o pão todo!
— Tudo bem, eu já estava acordada. — Sorrio.
Eu estava quase desmaiando de calor. Eu achava Três Luas quentes, apesar da média ser 27°C. O mais quente chega a 32°C, mas aqui no Méier esse número pareceu ter dobrado. Parecia que eu estava no inferno!
Quando Rafaela sai do banheiro, entro e fecho a porta. Faço minhas necessidades básicas e aproveito para tomar um banho gelado rápido, para ver se aquele calor aliviava. Tirei o pijama e coloquei um short jeans e uma blusa fina de alcinha, de cor salmão. Prendi meu cabelo em um coque ralo, que parecia mais um cotoco, e fui para a cozinha.
Lucas já havia voltado e o pão estava na mesa. Me sentei com eles e comecei a cortar meu pão francês e passei margarina. Coloquei uma fatia de mortadela e joguei um pouco de leite dentro do meu café. Estava perfeito.
Depois que terminamos de comer, Rafaela e eu saímos de casa e fomos andando até o centro, que não era muito longe daqui. Fomos primeiro à feira, mas eu estava traumatizada. Tinha medo de Hécate esbarrar em mim de novo, mesmo sabendo que ela era do bem, mas o fato de saber que ela é uma deusa me deixava tensa. Eu não tinha a mesma ousadia do Percy quando ela chegou no Olimpo pela primeira vez. Eu sou tímida.
— Nossa, o tomate está caro e feio. — Rafaela diz observando a fila de tomates e segurando um, enquanto analisava.
— Vamos ver se o do mercado está melhor. — Sugiro e ela concorda, andando para fora da feira.
Rafaela para de andar e eu vejo um homem atrás dela, tampar seus olhos com as mão. Olho confusa, e Rafaela sorri. Só então me dou conta de que era o Walace, namorado dela.
— Oi amor! — Rafaela se vira e o cumprimenta com um selinho. — Não sabia que já estava aqui. Não ia ter treino hoje?
— Eu saí mais cedo para encontrar você. Mais tarde vai ter o campeonato regional de capoeira, você vai? — Ele questiona e ela concorda.
— Claro! Aliás, essa é a minha prima Mariana. Eu te disse que ela viria ontem. Mari, esse é o Walace. — Sorrio fraco e o cumprimento com um aperto de mão rápido.
— Muito prazer. — Ele diz e nos ajudo com as bolsas cheias de legumes e frutas. — Então, vocês duas podem colar lá hoje. O que acham?
— Ah, sim. Ela também vai, com certeza. — Rafaela responde por mim e começamos a andar até o mercado.
Walace era alto, deveria ter no mínimo um metro e oitenta e cinco de altura. Ele era musculoso, mas não tanto como um maromba de academia. Seu corpo era definido, provavelmente pela luta. Ele usava uma regata e uma calça branca daquelas que os caras usam na capoeira mesmo. Seu cabelo possuía um corte ralo e sua pele era negra com algumas marcas. Walace parecia ser um cara bem forte.
— Eita, esqueci de comprar a ração da Shakira! — Rafaela diz antes de entrarmos no mercado.
— Deixa que eu vou lá. Vai no mercado e compra logo tudo o que tiver que comprar. — Walace diz e se vira, indo até uma casa de ração próxima.
— Minha mãe adora ele! Parece até que o Walace que é o filho dela e eu a inquilina que mora lá. — Rafaela ri e eu rio junto enquanto entrávamos no mercado. — Ei, você já leu aquele livro que a alienígena aparece na cidade e é viciada em olhos? É muito estranho, mas eu achei muito bom!
— A Lacuna? Claro! É um dos meus livros preferidos! — Digo empolgada é pego um carrinho pequeno. — A melhor parte é quando a Sarah finalmente conseguir fugir do cativeiro. Achei as cenas agonizantes, principalmente pela Lilith não querer fugir com ela. Esse livro me deu pesadelo por dias, mas valeu a pena.
— Final do mês vou a uma festa fantasiada da Lacuna. Ainda não sei como fazer, mas quero que seja assustador! — Rafaela pega alguns sachês de extrato e tomar e joga denteo do carrinho, caminhando até o corredor das bebidas. — O quê você vai fazer no Halloween? Podia vir comigo.
— Não dá. Vai ser o último dia que terei para impedir Cassandra de cumprir o ritual da lua sagrada. Já não consegui detê-la nos rituais de sangue... preciso de um ponto pelo menos. Nem que seja o final. — Explico e a vejo me olhar preocupada, enquanto pegava uma garrafa quente de refrigerante, um Sukita de Laranja.
— Ah... — Ela fica em silêncio constrangedor por alguns segundos.
— Relaxa, vai dar tudo certo. E eu tenho um leve trauma de festas, então não sei se iria. — Solto uma risada constrangedora enquanto falo.
— Trauma?
— É. Meu castigo é justamente por ir a uma festa. Mas é uma longa história. Digamos que Cassandra usou um feitiço de manipulação de emoções, então fez com que eu fizesse um monte de coisa que eu não queria, incluindo festa, amigos, namorado, popularidade... Felizmente me livrei disso.
— Você precisa me atualizar mais dessa parte da sua vida. — Ela termina de pegar o que deveria e caminha até uma das enormes filas. — Pelo visto vamos mofar aqui.
— O que nos resta é esperar. — Suspiro e me apoio no carrinho, sabendo que isso demoraria para acabar.
Imagens invadem minha mente, como se fossem flashbacks. Era uma visão de hospitais lotados e pessoas doentes por todo o canto. O céu de Três Luas estava coberto de nuvens escuras, mas não chovia. O corpo de Débora flutuava com a expressão vazia, enquanto toda aquela fumaça saía de dentro dela.
Eu sentia como se estivesse sem ar. Meu corpo estava fraquejando aos poucos e uma sensação de perigo invadia meu corpo. Voltei a realidade e vi que Rafaela tentava falar comigo, mas não conseguia escutar o que ela dizia. Estava tudo distante, ecoando, e então, três borboletas marrons passaram ao meu lado.
Aquilo era um sinal muito próximo de que a visão que tive não iria demorar muito para acontecer, e que Três Luas estava muito mais vulnerável sem mim lá.
Continua...
O que estão achando da saga da Mari fora do Três Luas? O que acharam da Rafaela?
Vou tentar postar mais um capítulo essa semana, mas não prometo nada. ♡
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