Capítulo 3: Caça às Bruxas
Finalmente estávamos livres daquela prisão.
Quando bate o sinal, vejo os carcerários desesperados saindo da sala de aula. Era tão lindo a visão da liberdade. Guardo minhas coisas na mochila e caminho até o pátio junto com Luísa, notando que Samuel me esperava no portão para irmos para casa.
— Amanhã, festa do pijama. Certo? — Luísa pergunta mais uma vez e eu confirmo com a cabeça, me despedindo e indo até Samuel.
— E aí, tá melhor? — Ele pergunta enquanto andávamos para o ponto de ônibus, aproveitando que só estava caindo algumas gotas finas de chuva.
— De que? — Pergunto confusa, mas logo me recordando do teatrinho de hoje mais cedo. — Ah, sim. Estou melhor. Foi só uma tontura mesmo.
— Deve ter sido o estresse da volta às aulas.
— Provavelmente. — Minto, chegando ao ponto de ônibus e sentando em um banco vazio.
— Tá molhado. — Samuel avisa, começando a gargalhar me vendo levantar imediatamente.
Na nossa frente, Pedro passa e acena para Samuel e para mim, enquanto ia para casa em cima de um skate. Cerca de seis minutos depois, o ônibus finalmente chega. Entro primeiro e me espremo entre as pessoas, ficando em pé perto da porta. Parecia uma lata de sardinha.
Quando chegamos em casa, vejo minha mãe preparando o almoço junto com minha avó enquanto conversam sobre algo que eu não presto muita atenção. Vou até o banheiro do quarto da minha mãe, já que Samuel ocupou o principal, e tomo um banho rápido. Coloco uma blusa vermelha com um desenho da Minnie e um short jeans simples. Prendo o cabelo em um coque, apenas para não arrumá-lo novamente, e vou até a cozinha.
Pego o celular e mando mensagem para Denis, avisando que em meia hora estaria pronta para ir.
— Como foi a aula hoje? — Pergunta minha avó, enquanto mexia em uma das panelas no fogo.
— Mesmo saco de sempre. A crushzinha do Samuel voltou e ele tá desesperado, coitado. — Comento com sinceridade, enquanto rolava o dedo pela tela do celular.
— Você sabe o que aconteceu, filha? — Minha mãe fala, terminando de lavar a louça que havia sido formada na pia. — Acharam o corpo da neta do seu Josevaldo na floresta. Débora, o nome dela, se eu não me engano. Foi achada morta, brutalmente assassinada. Que descanse em paz!
Paro de mexer no celular e olho confusa para minha mãe. Era extremamente raro casos de assassinato aqui em Três Luas, ainda mais assassinato bruto. Isso significava que tinha um assassino à solta, mas esperava que a polícia o prendesse logo. Três Luas nunca foi um lugar perigoso, os crimes normalmente se resumiam em pequenos assaltos, furtos ou problemas entre família, mas ainda assim era difícil de se ver. Nem valia à pena ser policial em Três Luas.
— Pelo o que disseram, a morte dela foi parecida com a de uma mulher há quarenta e dois anos. Maria Aparecida, que assim como Débora, estava presa em um tronco de árvore quando foi encontrada. Os pulsos cortados, a boca amordaçada e um corte profundo na garganta. — Completou minha avó, fazendo minha mãe olhar perplexa.
— Credo. Isso parece um ritual demoníaco, feitiçaria, macumbaria. Tá amarrado! — Dona Helena faz um sinal de cruz após terminar a louça.
Ritual.
Essa era a palavra que mais me chamou a atenção. Não necessariamente precisava ser demoníaco, mas apenas um ritual. Um ritual motivado a qual propósito? Será que a mulher que vi na feira tinha algo envolvido nisso? Só de imaginar, já sentia um sentimento de apreensão passar pelo meu corpo.
Após o almoço, encontrei com Denis na esquina de casa. Falei com ele sobre a morte de Débora e sobre o que minha avó disse, mas ele não disse nada a respeito. Andamos alguns quarteirões até finalmente chegarmos à uma casa com um portão de madeira pequeno e a parede ao redor coberta de folhas. Na calçada havia dois arbustos com algumas flores, um em cada lado da entrada. Denis apertou a campainha e esperou alguns segundos até alguém abrir.
Uma garota levemente conhecida abre o portão. Sua pele era negra com a tonalidade avermelhada, os cabelos lisos e médios, de cor castanho e repicado na ponta. Ela era magra e vestia uma calça jeans com uma blusa preta com frases de fonte metálica que não consegui entender o que estava escrito. Ela tinha algumas tatuagens no pulso e um pircing na orelha e no nariz.
— Denis! Quanto tempo! Não sabia que tinha voltado da Itália! — Disse, exatamente como eu havia dito quando ele chegou, abraçando-o.
Senti uma pontada de ciúmes mesmo sem querer. Era inevitável, já que eu tinha poucos amigos e esquecia que diferente de mim, eles tinham outros.
— Eu quis fazer surpresa. Essa é minha amiga Mariana. Mari, essa é a Vitória. — Sorrio fraco e aceno para a garota, que apenas me cumprimenta e dá espaço para entrarmos.
— Muito prazer.
Entro na casa dela após Denis, então vejo dois gatinhos saírem correndo. Sinto o cheiro forte de incenso e dou de cara com uma sala de estar completamente bagunçada. Imediatamente, Vitória pega algumas roupas que estavam jogadas no sofá e junta tudo em um bolo, jogando-as em um cômodo com porta. Ela junta os copos sujos na mesa de centro e os leva para a cozinha, tudo em menos de dois minutos.
— Eu não sabia que tinha visitas, então nem arrumei a casa. — Diz voltando para a sala. — Podem se sentar. Fiquem a vontade.
Me sento ao lado de Denis enquanto notava a decoração do ambiente. Era tudo bem natureza vibes, Vitória tinha alguns vasos de planta em uma janela que levava a um pequeno corredor na parte de trás da casa. Era bem pequena, mas mesmo assim aconchegante. Haviam alguns quadros na parede e portas-retratos com fotos dela, viagens, amigos e animais. Vitória não tinha família?
— Eu sei que você não arruma a casa nem quando tem visita. Mas me diz, como foi a viagem de volta? — Denis pergunta, enquanto Vitória ia até a cozinha novamente.
Apenas uma bancada dividia a sala da cozinha. Era o estilo cozinha americana, só queria bem menor do que o habitual.
— Chá ou café? — Ela pergunta da cozinha, pouco depois de ouvir a pergunta de Denis. — Ah, foi ótima! Fui a um festival de comida holandesa antes de voltar e conheci uma garota. Ela era incrível e linda, ficamos, pena que esqueci de pedir o número dela. Nem o nome eu lembro.
— Perdeu a oportunidade, hein. — Denis comenta rindo. — Café. E você, Mari?
— Pode ser café também. — Respondo timidamente, vendo a garota colocar água para ferver. Tiro o amuleto do bolso e entrego para Denis, esperando ele começar a falar por mim. Me sentia retraída quando estava com alguém que não conhecia.
— Ahn... a Mari tem uma dúvida. Ontem ela disse que foi à feira e que viu uma mulher que deixou cair isso. — Denis levanta a mão com o amuleto, para que Vitória pudesse enxergar. — E que a mulher parecia que ia envelhecendo conforme o tempo.
— E também tinha a lua. — Sussurro para Denis, esperando ele terminar de falar.
— Ah, é. A lua mudava de fase no céu, só que estava de manhã. Mari diz ter ouvido latidos antes da mulher desaparecer no ar. Você sabe do que se trata?
Vitória me olha confusa por algum segundos. Ela se aproxima de nós, em silêncio, e segura o talismã como se estivesse familiarizada com ele.
— Tem um garota na minha escola que tem um colar com o mesmo símbolo que isso. Significa alguma coisa? — Pergunto baixo enquanto tentava decifrar o que se passava na cabeça dela.
Provavelmente me recomendaria um psiquiatra.
— As fases da Deusa. Donzela, quando a lua está em sua fase crescente, representando a pureza. Mãe, quando a lua está cheia, significando a proteção. Anciã, quando a lua está na fase minguinate, representando a sabedoria. Exatamente como você as viu. — Vitória explica, ainda pensativa. — Você viu a Deusa...
— Deusa? Existe? — Pergunto curiosa.
— O símbolo é uma lua tríplice, a representação da Deusa. Essa crença é de bruxaria neopagã, chamada de Wicca. Três Luas é uma das poucas cidades praticantes. — Ela parou por alguns segundos e me olhou. — Não achei que fosse possível...
— O que?
— Hécate aparecer a olho nu para alguém. — Ela me analisa ainda mais e caminha até uma estante próxima, abrindo um porta-joias e tirando uma corrente de lá. Vitória coloca o amuleto na corrente e se aproxima de mim, colocando o colar no meu pescoço. — Se ela deixou isso para você... significa que quer que você use.
— Por que eu? — Questiono, intrigada com aquela história, olhando nos olhos de Vitória.
— Ninguém nunca sabe o porquê. Tem uma lenda curiosa que rola na Wicca, que diz que Hécate sempre escolhe três garotas para cumprirem um propósito. Tríade, o nome delas. Cada uma representando uma fase da Deusa, uma fase da lua. Mas você não é uma.
— Como você sabe?
— Você já precisou matar um homem? — Nego com a cabeça. — Então pronto.
— Ainda não entendo.
— Vitória, a água vai evaporar. — Denis a lembra, fazendo Vitória correr de volta para a cozinha e desligar o fogo. — Então... Mari é uma bruxa?
— Digamos que sim. Eu posso tentar ler as cartas, se ela quiser. — Diz enquanto fazia o café. — Débora era uma de nós.
— Débora, a neta do seu Josivaldo? — Pergunto curiosa. — Espera, você é uma bruxa?
— E choca um total de zero pessoas. — Denis sussurra ao meu lado.
— Sou devota da Deusa e do Deus. Provavelmente a garota que você diz ter visto na escola também. O sabbat está se aproximando, isso significa que um número de bruxas do mesmo coven irá se juntar para um ritual em homenagem aos deuses. Você deveria ir. Talvez tire algumas dúvidas.
Vitória então chega na sala com três xícaras de café. Ela entrega uma a mim e uma a Denis, se sentando em seguida na poltrona a nossa frente.
— E Débora? Você sabe de alguma coisa?
— Não... mas pelo o que parece, ela foi usada em uma espécie de ritual satânico. Não é algo que as bruxas fazem, mas também não é a primeira vez que acontece.
— Maria Aparecida? — Pergunto.
— E diversas outras.
— Isso parece uma caça às bruxas... — Denis comenta, levando a xícara de café até a boca.
— E é. Isso me deixa preocupada, deixa o coven em perigo. Devemos estar atentas, pois outras de nós podem ser vítimas assim como Débora. Creio que dessa vez não seja como a inquisição, envolvendo a religião cristã como principal culpada. Mas sim, alguém que também esteja ligado à magia. Magia do mal.
— No que fui me meter... — Comento comigo mesma de e tomo um gole do café. — Eu aceito que você leia as cartas para mim. Não sei o que isso significa, mas se for igual aos filmes, então aceito.
• • •
Eu estava sentada em uma mesa de madeira na frente de Vitória. Ela mexia em algumas cartas de tarô, em silêncio, enquanto separava algumas. Eram desenhos específicos no qual eu não fazia ideia do que se tratava, mas esperava não ser nada de ruim.
— Bem, aqui diz que você possui um grande propósito. Diz que há algo muito ruim se aproximando da cidade... algo das trevas. — Ela dá uma pausa e continua. — Você está na frente. Você carrega um legado... um legado muito forte. Aqui diz que você irá impedir com que as trevas se aproximem de Três Luas, mas que perderá muita coisa nesse caminho.
— Alguém vai morrer? — Pergunto preocupada, sentindo meu coração bater aceleradamente.
— Talvez... — Ela mexe nas cartas novamente. — Tem uma barreira te protegendo. Uma energia muito forte saindo de dentro de você... quase como se fosse....
— Magia? — Denis pergunta de longe, em pé, encostado na parede.
— Isso é muito estranho. — Vitória confessa confusa, reordenando as cartas. — Nunca vi algo assim antes.
— Assim como? — Pergunto.
— Tão poderoso...
— Você diz do mal que está por vir? Uma pessoa que está fazendo rituais com bruxas com alguma finalidade?
— Não. — Vitória para e me olha. — Você.
— Eu?
— Sim. A Deusa te deu isso esperando com que você cumpra o propósito. Você é o legado dela. Você é o Legado de Hécate.
Continua...
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