Capítulo 11: A Filosofia da Decepção
Hoje é quarta-feira.
Dia de usar rosa.
Levanto da cama, ainda pensativa com o sonho que tive. Vou ao banheiro e faço minhas higienes matinais, prendendo meu cabelo em um coque — que está mais para um cotoquinho — e coloco o uniforme da escola. Pego minha mochila e vou para cozinha. Tomo um café da manhã rápido e vou ao ponto de ônibus ao lado de Samuel.
— Então, você está namorando o Nicolas? — Ele pergunta, mas de um modo que não estivesse zombando.
— Não, ainda não. — Respondo olhando o fim da rua, esperando ansiosamente o ônibus chegar. — Só estamos saindo, nos conhecendo melhor.
— Mas já fazem semanas, e você gosta dele. — Samuel comenta enquanto me olhava. — Você tem certeza disso?
— O que foi? Até você, Samuel? — Ele fica quieto e desvia o olhar de mim para o chão. — Você não pode ser um irmão direito e me apoiar uma vez na vida?
— É que... — Ele coloca as mãos no bolso e faz uma expressão de incômodo, voltando a me olhar. — O Nicolas sempre foi um cara bem de boa e tals, só que ele e a roda de amizade dele é completamente diferente da sua. Eles estão todo fim de semana em festas, bebendo, fumando maconha... e você não é assim.
— E qual o problema? Não é porque vou estar junto que farei igual. Eu conheço Nicolas, ele me levou para conhecer a família dele, certo? Está tudo indo bem! Não preciso de você, ou de Pedro, ou de Denis desejando que tudo dê errado apenas para eu levar uma "lição de moral" da a vida. — Digo irritada e vejo o ônibus virar a esquina, então dou um passo até o meio fio e estendo a mão para dar sinao ao ônibus.
— A questão é que te conhecemos melhor do que um garoto que você nem gosta de verdade. Você é nova, Mariana, e é normal que queira viver a vida e se entregar à paixões... o problema é que você é cabeça dura demais para entender que tudo na vida tem consequências. O que a mãe e o pai achariam de saber que você está saindo com o Nicolas e os amigos, indo a festas onde rolam orgias, bebendo até passar mal e fumando maconha, usando drogas? Isso não é ser legal, isso não é ser popular.
Entro no ônibus e me esforço para não ouvir o que Samuel estava dizendo. Já estava de saco cheio de todo mundo me dizendo a mesma coisa, como se eu não fosse responsável o suficiente para saber o que estou fazendo.
Seguimos a viagem em silêncio até chegarmos na escola. Desço do ônibus e caminho até o portão, entrando e indo até onde Luísa e Eduarda estavam. Aceno e sorrio para as duas enquanto me aproximo.
— Então, amiga. Você nao sabe da maior! — Luísa começa a falar e eu espero ela continuar. — O Davi e a Ketlyn estão namorando!
— Mentira? — Pergunto surpresa, mesmo sabendo que eles estavam saindo bastante.
— Pois é. Aliás, descobriu mais alguma coisa sobre... você sabe... bruxas? — Luísa questiona com leve empolgação na voz, fazendo Eduarda revirar os olhos.
— Não. Mas eu tive um sonho.
— Qual? — Eduarda pergunta.
— Eu estava na floresta, aonde a bruxa tinha levado você. Mas eu estava em outra época, tinha muita gente gritando com raiva e uma mulher presa em um tronco. Torturaram ela e a queimaram viva, e parecia que ela estava olhando para mim e soubesse que eu estava ali. — Explico baixo, mas o suficiente para que apenas as duas me ouvissem.
— Estranho... será que você viu algo que realmente aconteceu? Sabe, sonhos são presságios. — Diz Eduarda, mas eu não soube o que responder.
— Eu não faço ideia.
— OI MARI! — Vejo uma garota se aproximar de mim e cruzar os braços no meu. — Oi Luísa e Eduarda. Vou roubar a amiga de vocês um pouco.
Ketlyn me puxa para outro canto, então vejo que Eduarda e Luísa se entreolham confusas. Ketlyn estava empolgada contando sobre a festa que vai dar na casa dela, pedindo sugestões de comida e de tema.
— Eu acho que o tema festa à fantasia seria legal. Ou neon? — Ela pergunta, e duas figuras masculinas se aproximam.
— Neon. — Escolho, vendo Nicolas e Davi se aproximarem.
— Oi princesa. — Davi cumprimenta Ketlyn com um selinho e Nicolas passa o braço pelo meu ombro. — O que está rolando?
— Ah, eu e Mari estamos escolhendo o tema da minha festa. — Ketlyn pega seu iPhone e abre umas fotos que estavam no Twitter. — Olhem quanta gente comentou da festa na casa do Nicolas.
— Estourou. — Nicolas diz sorrindo. — Mas a sua vai ainda mais.
— Será? Eu só chamei o mesmo pessoal de sempre. Ah, eles estão ansiosos para conhecerem a Mari. — Diz Ketlyn olhando para mim.
— Eu? — Questiono confusa.
— Sim, bobinha. Você é uma de nós agora, então é normal que queiram te conhecer. — Ela sorri para mim. — Seu Instagram é aberto? Eles provavelmente vão querer te seguir.
Eles conversavam animados até o sinal tocar. Fomos para a sala de aula ainda conversando e rindo. Ketlyn disse que eu precisava de uma geral, e eu não entendi o que ela quis dizer com isso. Ketlyn se senta e me chama para sentar com ela no fundão, pouco atrás de onde Nicolas e Davi estavam. Olho para o lugar que sempre sentava, ao lado de Luísa, e a vejo sentada me esperando.
Ela me encara com um olhar ameaçador, mas Ketlyn continuava falando. Por fim, tomo a decisão de sentar com Ketlyn e vejo Luísa me encarar perplexa. Sussurro para ela um "desculpa" sem emitir som, então apenas a vejo se virar. Eduarda olha aquela cena e se aproxima de Luísa, sentando no lugar que eu costumava sentar. Ela sussurra algo para Luísa, que apenas confirma com a cabeça.
Pedro estava lá na frente junto com Samuel. Samuel me olhou de relance, confuso por eu não estar sentado com Luísa. Ele faz um sinal de negação com a cabeça e vira de volta.
Agora estavam todos contra mim? Eu não posso mais ter a liberdade de sentar com outra pessoa? Eu nasci grudada com Luísa? Que saco!
— Bom dia, adoráveis florezinhas! Vamos começar a aula de filosofia falando sobre alguns filósofos contemporâneos. — O professor João entra na sala e coloca seu material na mesa, olhando para a sala. — Vamos fazer uma atividade valendo três pontos do trabalho. Cada um escolherá um filósofo contemporâneo e dirá suas principais ideias, ou alguma frase, e dirá como isso impacta sobre a sociedade atual.
Ouço a sala reclamar e João começa a escrever algo no quadro. Começamos a fazer aquele trabalho e eu escolhi falar sobre Auguste Comte. Ketlyn pediu ajuda com o dela, pois não entendia nada de filosofia, então a ajudei. Não custava nada, porém ela apenas copiou o que eu dizia.
Algumas horas depois, os alunos tentavam terminar antes que o tempo de entrega acabasse. Ainda teríamos que apresentar sobre o filósofo que escolhemos, então o professor começou a escolher cada um aleatoriamente para começar. Pelo menos não teríamos que ir lá na frente, podíamos apresentar onde estávamos.
— Pode começar, Luísa. — Luísa pega um papel e começa a ler. — Qual filósofo você escolheu?
— Arthur Schopenhauer defendeu a ideia de que o homem não é um ser unificado e racional, que age conforme os interesses, mas um ser fragmentado e passional, que age influenciado por forças que fogem de seu controle. — Luísa citou alguns pontos referentes e análogos à sociedade atual, e por fim, olhou para mim e a turma aplaudiu. Seu olhar era mortal.
— Muito bem. Pedro, pode ir. — João olha para Pedro, que diferente de Luísa, não leu de lugar nenhuma. — Quem você escolheu?
— Friedrich Nietzsche. Bom, uma frase dele que eu acho bastante interessante e que pode ser adaptada em diversos casos na atualidade, é: "Jamais alguém fez algo totalmente para os outros. Todo amor é amor próprio. Pense naqueles que você ama: cave profundamente e verá que não ama à eles; ama as sensações agradáveis que esse amor produz em você." — Ele dá uma pausa, e logo continua. — "Você ama o desejo, não o desejado." Meu ponto de vista é que as pessoas se entregam a amores rasos sem saber que o raso, depois de uma longa distância, pode ser fundo e te afogar.
Eu senti uma pontada com essa frase, mas eu simplesmente queria acreditar que tinha sido uma indireta para mim. Nem a frase de Pedro e nem a de Luísa. Todos estavam chateados comigo, isso era visível, mas eu não estava fazendo nada de errado.
Quando o sinal toca para o intervalo, espero todos saírem da sala e arrumo minhas coisas para ninguém roubar nada. Vou até a parte de fora e vejo Luísa e Eduarda em um canto conversando. Me aproximo aos poucos e Eduarda cruza os braços, parando de falar assim que eu chego perto delas.
— Oi. — Sorrio, mas elas não respondem. — Estão boladas comigo?
— O que você acha? Você basicamente me deixou sozinha para sentar com a jararaca da Ketlyn. Agora que está no grupinho deles está nos esnobando. — Luísa diz me encarando.
— Isso era previsível. Todos sabem que a Mari Mariana é a típica adolescente excluída que só quer ser aceita em algum lugar, contanto que esse lugar tenha um garoto bonito e pessoas populares. — Eduarda me encara com desdém e logo olha para Luísa. — Deixa ela. Todo mundo avisou, mas ela se acha o alecrim dourado que não erra. Se ela quer assim, deixe ser assim.
— Eu não me acho o alecrim dourado, eu só não consigo entender porque isso se tornou um problema tão grande! — Digo frustrada, quase chorando. — Vocês são minhas amigas! Não podem me apoiar? Temos o segredo da bruxaria juntas! Eu nunca trocaria vocês por nada.
— A gente te apoia, Mari. E eu realmente não vejo problema nenhum de você estar sendo amiga da Ketlyn e daqueles amigos dela. Nem de você estar saindo com Nicolas, já que você sempre gostou dele. Sinceramente? Fico feliz por você. Mas não haja como se estivesse tudo bem para nós, porque não está. — Luísa diz pacientemente e puxa Eduarda para longe de mim, caminhando juntas até onde Pedro e Samuel estavam.
Era só o que me faltava.
Meu almoço foi com Nicolas, Ketlyn, Davi e alguns outros de outra turma. Eles conversavam e riam alegremente, mas eu estava sem ânimo. Olhei para outra mesa mais distante e vi Luísa, Pedro, Samuel e Eduarda jogando Uno e rindo. Sorri de lado ao lembrar de quando jogamos Uno na minha casa e descobrimos que Samuel tinha oito cartas escondidas debaixo da bunda. E o quanto rimos depois.
Pedro olha rapidamente para mim e logo volta a olhar para seu jogo. Então, me recordo do sonho.
"Estarei aqui contigo mesmo se você não estiver comigo também"
Que diabos de sonho foi aquele? Me lembrei também da discussão que tivemos na sala da minha casa. Então Pedro, em algum momento já gostou de mim. Por que ele não me disse antes? Se ele tivesse dito, o que eu teria feito?
E se... tivesse sido diferente?
Não, não! Que ideia estúpida, Mariana!
Rápidas lembranças de quando ele me empurrou dentro da cerca das vacas surgem na minha cabeça. Tínhamos quatorze anos e eu havia o puxado comigo, e brigamos naquele dia. Mas então uma vaca correu atrás de nós e tivemos que sair correndo. Estávamos rindo e cobertos de lama, apesar do que havia acontecido.
Também teve o aniversário de quinze anos do Samuel que fomos para o parque de diversões. Eu estava com medo de ir na montanha russa, mas Pedro apostou com Samuel que eu vomitaria e eu fui para provar o contrário.
Mas eu vomitei.
Eu nunca imaginaria que Pedro sentiria tais coisas por mim. Talvez fosse porque eu era a garota mais próxima dele, mas ainda assim tinha a Luísa. Não, isso não faz sentido algum. Talvez eu estivesse imaginando coisas, talvez eu não odiasse tanto Pedro assim...
— Ô, lindeza! Não ouviu o sinal tocar não? — Davi me cutuca, então volto a realidade e vejo que todos já estavam saindo do refeitório e que a Tang gritava pelos corredores para voltarmos para a sala.
Me levanto e os sigo. Meus novos amigos.
Continua...
Preguiça de botar a imagem de novo, então fiquem com um cachorro caramelo.
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