Capítulo 10: Pedro Não Está
— E ele te chamou de superficial? — Denis pergunta em choque, enquanto eu contava toda a fofoca.
— Pois é. Ele está chateado porque Nicolas e eu estamos saindo. — Explico enquanto Denis terminava de arrumar meu cabelo e me olhava pelo reflexo do espelho.
Haviam se passado alguns dias desde quando Pedro e eu tivemos aquela discussão, e desde então não trocamos uma palavra. Eu sabia que tinha chateado ele e dito coisas nos quais me arrependia, mas Pedro deveria saber que agora eu estou com Nicolas e que nada vai mudar isso.
— Eu sabia que vocês tinham amor incubado um pelo outro!
— Eu não tenho nada incubado por ele. Nunca tive e nunca terei. — Nego instantaneamente, então Denis sorri.
— Como diz o grande astro do pop Justin Bieber: never say neveeer.
— É sério. Eu estou feliz com Nicolas, e daqui a pouco vou conhecer a família dele. Acha que se ele não quisesse nada sério comigo, me apresentaria para os pais?
— Acho. — Reviro os olhos com a resposta de Denis e me levanto da cadeira após ele terminar de me arrumar. — Ah, meu bem. Você não sabe do que um homem é capaz de fazer apenas para conseguir levar uma mulher para cama.
— Você está do lado do Pedro? — Cruzo os braços e encaro Denis, perplexa. — Nicolas não é nada disso o que vocês acham. Ele não é como os outros, ele não é como...
— O Pedro? Se for isso é uma péssima comparação, Mariana. — Denis me interrompe, mas eu estava cansada de ouvir sermão de todos a favor de Pedro.
Coloco uma rasteirinha e pego meu celular, vendo a mensagem de Nicolas avisando que estava chegando. Espero ele no portão, e quando ela chega, começa a caminhar comigo até sua casa. Conversamos sobre algumas coisas aleatórias durante o caminho, que me fazia rir e olhar apaixonada para ele. Eu estava cada vez me entregando mais a este sentimento, mas não podia deixar de pensar no que Pedro havia me dito.
— O Davi nos chamou para uma festa que vai ter na casa da Ketlyn no próximo sábado. Quer ir? — Ele pergunta e segura minha mão, fazendo meu coração acelerar e eu concordo com a cabeça.
Entrelaço nossos dedos e sorrio para ele, que sorri de volta. Eu estava vivendo um sonho e definitivamente não queria acordar. Só que isso me faz lembrar que ainda tinha problemas com a tal bruxa que assombrava Três Luas. O tempo que estava saindo com Nicolas me fazia esquecer do meu objetivo, mas eu não ligava. Apenas queria viver minha adolescência normal.
Passo na rua de Pedro e o vejo de longe, andando de costas no skate enquanto saía de casa e falava algo em sinal de libras para uma garotinha no portão. Ela era parecida com ele, com a diferença que seus olhos eram castanhos. Aquela era Isabela, uma das irmãs de Pedro. Devia ter onze ou doze anos, assim como a outra, Esther.
O sinal que Pedro havia feito era de "eu te amo", isso eu soube porque tive algumas aulas de libra na igreja. Pedro sorri para ela e volta a seguir seu caminho no skate. Ele passa por Nicolas e eu, mas parece que nem estávamos ali. Era como se não nos visse, ou simplesmente nos ignorou. Mas não ligo. Não queria falar com ele agora.
Eu nunca imaginei passar por uma situação dessas com Pedro. Sempre o vi como um inquilino que ia almoçar lá em casa e assistir futebol com meu irmão, não como alguém que gostasse de mim. Aliás, esse "sentimento" deve ter se expandido depois do feitiço, o qual eu precisava dar um jeito de reverter antes que a situação piorasse.
Quando chegamos na casa de Nicolas, ele me guiou até o terraço em que estivemos na última vez. Estava tendo churrasco e uma caixinha de música tocando pagode. Diferente do que eu imaginava, não seria um almoço casual com apenas o pai e a mãe da Nicolas, mas sim um churrasco envolvendo a família TODA.
— Por que você não me disse que iria me apresentar a esse tanto de gente? — Questiono constrangida ao seu lado, e ele só sorri e me puxa para o meio do pessoal.
— Estão todos doidos para te conhecer. — Ele se aproxima de uma mulher, o qual supus ser sua mãe, e um homem barrigudinho. — Mãe, pai. Esta é Mariana, minha amiga do colégio.
Confesso que a palavra "amiga" me incomodou um pouco, mas era isso que éramos. Eu torcia para sermos algo mais, mas não podia simplesmente acelerar as coisas. Nicolas estava certo em dar pequenos passos.
— Oi, Mariana! Tudo bom? — A mãe dele me cumprimenta com dois beijinhos sem encostar no rosto. — Muito prazer, viu. Você é bonita mesmo, como disse o Nicolas.
— Fique a vontade. Já já sai carne, Ô FABRÍCIO, TIRA TEUS FILHOS DA ESCADA! — O pai de Nicolas grita para um homem atrás da gente, que corre para pegar duas crianças na escada sem corrimão. — Essa família é muito unidaaa.
— Vou te apresentar ao resto da família. — Nicolas sussurra para mim, me arrastando para conhecer mais um monte de gente.
• • •
Estava anoitecendo quando Nicolas me levou para casa. Eu tinha me divertido bastante, interagi com a família de Nicolas e gostei deles. Me trataram bem, o mínimo que eu esperava.
— Obrigado por ir. Você não sabe o quanto isso me deixa feliz. — Nicolas esboça um sorriso bobo no rosto e se aproxima, colocando levemente as mãos na minha cintura e se aproximando.
Agora vai.
— Espero vê-los mais vezes. Sua família é engraçada. — Sorrio, mas me segurando para não ter um ataque cardíaco ali mesmo.
Nicolas encosta sua boca na minha e inicia um beijo suave. Foi menos pior do que eu imaginei, pois não envolveu língua nem nada do tipo. Coloco as mãos na sua nuca durante o beijo e sinto ele se afastar poucos segundos depois.
— Bom, é isso. — Ele diz, ainda sorrindo, e levemente vermelho.
— Ei, quinta vai ter uma comemoração do aniversário do Samuel lá no restaurante. Quer ir? — Pergunto mudando de assunto e me lembrando de fazer o convite.
— Claro. Agora quem vai conhecer sua família sou eu. — Ele sorri levemente empolgado e se aproxima novamente, depositando um beijo na minha bochecha. — Até amanhã, Mari.
— Até. — Me despeço e o vejo se afastar, mesmo querendo que ele ainda estivesse aqui comigo.
Entro em casa dando pequenos pulinhos de alegria, e vejo Samuel parado na cozinha enquanto conversava com minha mãe.
— Oi, filha! Como foi? — Minha mãe pergunta de longe e Samuel me encara.
— Perdeu o BV, maninha? — Samuel pergunta para me provocar, mas não respondo sua pergunta.
— Foi legal. Teve churrasco, a família dele me tratou bem. — Respondo minha mãe e caminho na direção do meu quarto. — Agora vou dormir. Boa noite, mãe. E tenha pesadelos, Samuel.
— Também te amo! — Ele grita antes de eu finalmente me trancar no meu quarto.
Me apoio na cama e paro o olhar na mesinha de estudos, onde o grimório que Vitória me deu estava. Estico meu braço e seguro o objeto nas mãos, abrindo e vendo algumas páginas preenchidas com minha letra. Eu escrevi sobre como funcionavam alguns rituais, feitiços caseiros como assoprar canela no primeiro dia do mês e banhos de limpeza espiritual. Além disso, também tinha anotado os feitiços mágicos que pronunciava pouco a pouco. Estava começando apenas com manipulação elemental, mas logo irei variar para transmutações, encantamentos, invocações e outras habilidades.
Suspiro cansada e vou até o banheiro, tomando um banho quente e demorado e vestindo meu pijama roxo de estrelinhas. Deitei na cama e vi se tinha alguma mensagem no meu celular, mas havia apenas do meu pai falando que estava com saudades, minha avó mandando imagens de boa noite com o Faustão no fundo e a Luísa me mandando memes. Tudo nos conformes.
Aos poucos, o sono tomou conta do meu corpo até que eu adormecesse.
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[Atenção! A partir desse parte o capítulo conterá gatilhos. Caso seja sensível, recomendo pular para o próximo.]
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Sonhei que estava no meio da floresta. Por algum motivo, eu sabia que estava em um sonho, mas a floresta e tudo ao redor parecia diferente. Ouvi sons de gritos e euforia em algum lugar daquele espaço, então tentei me direcionar até encontrar de onde esse som vinha.
Andando aos poucos por dentro da mata, vi uma multidão no exato lugar em que Eduarda quase foi sacrificada pela bruxa. As pessoas usavam roupas longas, antigas e seguravam tochas nas mãos. Elas gritavam com raiva, e no centro estava uma mulher presa em um tronco.
— QUEIME! QUEIME A BRUXA! — Eles diziam, e todas redor gritavam em concordância. — HEREGE!
A lua no céu estava escura. Era dia trinta e um de outubro de um ano bem longe de onde estamos. Eu estava no passado, e não fazia ideia de como eu estava situada no tempo, mesmo em um sonho.
Um homem com uma máscara no rosto se aproximou da mulher, que estava amordaçada e com as mãos presas para trás do corpo. Ela chorava e seu olhar implorava por misericórdia, mas ninguém ligava. Estavam todos furiosos. Outros dois homens se aproximaram e arrancaram o longo vestido marrom, feito de trapos velhos, que a mulher usava. Com um chicote, um deles disparou bem nas suas costas, diversas vezes até que uma grande quantidade de sangue jorrasse pela mulher. Ela urrava de dor, mas a mordaça em sua boca impedia que um som muito alto saísse.
O povo parecia estar satisfeito com aquilo, mas queriam mais. Eram homens, mulheres e até mesmo crianças olhando aquele show do horrores. A mulher, nua enquanto é torturada, tem sua região genitália invadida por diversos objetos de tortura, os quais faziam-na sangrar ainda mais.
Então, o homem tomou uma das tochas na mão e ateou fogo na palha que cercava o chão da mulher. O fogo começou a subir pelas suas pernas, e enfim, chegando ao seu corpo inteiro.
Era o fim para ela.
Seus olhos, em meio ao fogo, me encaram fixamente. Era como se ela soubesse que eu estava ali, observando-a por outro plano, em outro século.
Sou levada para para outro sonho. Dessa vez eu estava em uma espécie de cachoeira rodeada por mato. Alguns vagalumes passavam pelo lugar e iluminavam o ambiente, assim como a majestosa lua cheia que brilhava no topo do céu. O som da correnteza trazia certo alívio para mim e o cheiro de terra molhada me dava a sensação de liberdade.
— Gostou?
Uma voz atrás de mim me surpreende, então quando me viro, vejo Pedro em pé me encarando com um sorriso no rosto. O brilho da lua fazia com que seus olhos verdes tomassem outra cor, uma cor mais viva, e sua pele bronzeada refletia uma cor ouro na direção que a faixa de luz lunar tocava. Seus cabelos estavam molhados e bagunçados, dando a entender que ele havia estado dentro da água há pouco tempo.
— O que você faz aqui? — Pergunto confusa, então o vejo se aproximar aos poucos.
— Eu? O sonho é seu, não meu. Você está sonhando comigo. — Ele segura minhas mãos e me olha nos olhos. — Não deixa eles mudarem você, Mari. Não deixe.
— Eles quem? — Pergunto confusa, mas ele não responde.
— Se você prometer ficar bem, eu prometo que volto.
— Volta? Da onde?
— Do abismo. — Então, Pedro desaparece e tudo torna-se caótico novamente.
Gritos de desespero invadem minha cabeça, choro desesperado, angústia, agonia. "Queime a bruxa! Enforquem-na!" era o que as vozes diziam, e ao redor, a floresta pegava fogo. Mas era um fogo diferente...
Era o fogo do inferno.
— MÃE! — Tento chamá-la e correr até sua direção, mas o fogo a consome.
De outro lado, o mesmo acontecia com meu pai. Minha avó, Luísa, Denis, Eduarda, Samuel e todos que estavam perto de mim. Eu não conseguia salvar ninguém e aquela sensação de luto destruía cada célula do meu corpo, e cada vibração da minha alma.
— O QUE VOCÊ QUER DE MIM? — Grito desesperadamente, fechando os olhos e me agachando. Senti o pânico passar pelo meu corpo e as lágrimas descerem pelo meu rosto.
— Vai ficar tudo bem. Eu confio em você. Pode chorar o quanto quiser, pois estarei aqui contigo mesmo se você não estiver comigo também. — Pedro estava lá novamente, e dessa vez senti seu abraço esquentar meu corpo.
Quando acordei, haviam lágrimas no meu rosto.
No entanto, Pedro não estava aqui.
Continua...
Preguiça de botar a imagem.
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