Capítulo 6: Erik
É noite e eu resolvi ir até o bar do deck. Eu estava bravo comigo mesmo por ter permitido que Bernardo me manipulasse. Eu sou o que? Um adolescente de 13 anos que faz tudo o que é desafiado? Mas aí é que está, o filho da puta que eu chamo de melhor amigo sabe que eu não resisto a um desafio. Também estava bravo com Flora. Ana. Seja lá quem ela é agora.
Então, fui andar a cavalo. Isso sempre me acalmou e uma parte da raiva se foi, a outra está bem aqui e é por isso que estou me sentindo um idiota agora.
Porque faz dois dias que eu descobri que ela está aqui. Eu fugi dela feito um condenado como se eu fosse o bandido da história dela - ok, péssima metáfora. Resolvi que iria agir assim durante os 15 dias, voltar para casa e esfregar na cara de Bernardo que eu consegui ficar aqui. Sem me envolver. Sem surtar.
Então, por que, ao ir para o bar eu a enxerguei em uma área mais isolada sentada em uma rede e estou indo até ela? Por que meus pés não param? Por que continuo me aproximando mesmo percebendo que ela já me notou e parece surpresa e sem reação? Por que acabei de parar em frente a ela?
-Eu estou de folga essa noite, se você está precisando de algo posso falar com a Zoé e…
Eu bufo.
-Sério? Você acha que eu me aproximei para pedir algo?
Ela suspira e mesmo com a luz noturna, eu vejo seu cansaço.
-Eu não sei o que pensar. Você não tem ficado no meu caminho esses dias.
-Bom, você fugiu de mim. Imaginei que não quisesse me ver. Respeitei sua partida, você não fez tanto esforço para sumir, você sabe que se eu quisesse, eu teria descoberto onde você está.
Eu sei que essa escolha de palavras é totalmente errada. Eu só não descobri porque Bernardo o fez e jurou que me falaria se ela estivesse em perigo. E por mais que eu esteja achando que ele é um filho da puta enorme, eu confio minha vida a ele.
-Eu não vim te procurar agora. Estava vindo ao bar e te vi. E, droga, Flora!
-Ana…
-Ok. Ana! Você não acha que a gente merece uma conversa? Você mora aqui?
-Eu moro, mas Violeta mora comigo e não quero que ela nos escute.
Eu não sei quem é Violeta e nem que raios está acontecendo comigo, mas insisto.
-Então venha até o meu quarto.
-Eu não quero os funcionários comentando que entrei no seu quarto.
-Pare de dificultar!
Então eu penso. Eu sei que Flora estava traumatizada, provavelmente, a necessidade de fugir foi consequência do trauma. Ela me excluiu da vida dela e parece ter uma vida boa aqui. Eu fugi do caminho dela, mas não quer dizer que não a observei. Ela é boa com os hóspedes, os funcionários parecem gostar dela e eu percebi que ela não tem medo do chefe escroto. Ela não precisa de mim. O que me torna um idiota porque esses anos todos, eu senti que precisava dela.
-Quer saber, tudo bem. Eu entendo. - Digo antes dela me responder mal de novo. - Eu sou o intruso aqui. Amanhã vou embora. E dessa vez eu vou mesmo porque não é minha raiva falando, Flo… Ana, não é. Eu percebi que você está feliz assim e que foi a decisão certa.
Eu me viro e começo a andar em direção ao bar.
-Erik!
Ela me chama e todo meu corpo se arrepia. É a primeira vez desde o nosso reencontro que eu ouço ela dizer meu nome. Ela só disse o sobrenome e notei que deve ser um padrão por aqui porque todos os funcionários me chamam de Senhor Barbieri. Eu odeio. A formalidade não combina com esse lugar. Eu me viro.
-Sim?
-É raro, mas às vezes eu sou a guia do passeio a cavalo. Amanhã eu não posso, tenho um compromisso, peça um passeio guiado para depois de amanhã bem cedinho. Eu serei sua guia. Quer dizer, isso se você ficar.
Ela diz e eu mordo a língua porque eu já estava pronto para dizer que eu iria embora. Não era uma ameaça ou chantagem. Estou prestes a dizer que não, que o melhor é que eu vá, mas mesmo no escuro eu vejo o pingente dela brilhar. Ela o tem, mesmo depois desses anos. Isso deve significar alguma coisa.
-Tudo bem.
Eu me viro novamente em direção ao bar.
-Você está bem?
Eu paro.
-Eu não sei como estou desde o dia que eu te vi de novo.
-Não é isso. A Margarida… Ela me disse que você estava aqui para um descanso porque teve um início de infarto.
Aqui está a coisa: nesses dois dias eu conversei com todos os funcionários dessa pousada, mas Margarida, talvez fosse o ar de vó. Ela me arrancou confidências e todos os dias, ela me manda um chá para eu dormir melhor. Dou de ombros.
-Acho que é o preço por querer cuidar de uma empresa como a minha sozinho. Eu sou o dono majoritário, tenho um conselho de diretores.
-Seu pai saiu?
-Meu pai morreu, Flora.
Digo isso e me viro para o bar. Dessa vez, ela não me chama de volta.
Baile de Inverno, 10 anos atrás.
Luciano e Charlene se beijando o tempo todo foi a desculpa perfeita para eu ficar próximo de Flora a noite inteira. Eu quase tive um ataque quando a observava e percebi que aquele cara estava tentando forçá-la a algo. Depois, a forma suja que ele falou. Eu senti o sangue ferver.
Então, meu sangue continuou fervendo, mas por outros motivos. Quando Flora me contou suas pequenas mentiras, eu não liguei. Eu disse a verdade. Que adolescente não faz isso? Meus amigos ainda acham que eu perdi a virgindade com uma mulher mais velha que vivia numa fazenda perto da nossa. Na verdade, foi anos depois com uma garota da faculdade que me dizia que eu era um fofo.
O problema é que agora, eu não conseguia deixar de imaginar nós dois juntos. Agora, eu penso em quantos verões desperdiçamos. Quer dizer, já nos beijamos muitas vezes, mas poderíamos ter feito mais, certo? Além disso, assim que passei para a faculdade, eu me mudei para meu próprio apartamento. Por que diabos eu não a convidei? Por que continuei mantendo distância física?
Agora que um funk começou a tocar e ela começou a rebolar em minha frente, eu tenho certeza que poderia ter mais. Jesus, pareço um adolescente inexperiente. Nós dois já nos beijamos antes, o que está me impedindo de iniciar um movimento agora? A bunda dela balançando em minha frente é a resposta: eu não quero só beijos. E a garota basicamente acabou de me confessar que é virgem. Não posso fazer isso com ela. Além disso, não sei se ela sabe que nossos pais querem que a gente seja um casal. Nunca tive coragem de contar e nem de perguntar.
Ela se vira para mim e se aproxima para dançar colada comigo. Nós somos amigos. Já fizemos isso antes, então por que estou tenso? Balanço meu corpo com o dela quando ela encaixa nossas coxas. Coloco a mão em sua cintura e foda-se… me aproximo do ouvido dela.
-Já faz um tempo, Flora, e tudo o que estou pensando agora é que eu quero te beijar de novo.
Ela me olha nos olhos. Passa seus braços em meus ombros.
-Você sabe que vão fofocar mais ainda da gente?
-Então vamos dar a eles uma boa fofoca.
Ela sorri e eu sei que isso é sua aceitação. Eu fecho os olhos e a beijo. Há algo diferente no beijo dela. Ela sempre foi receptiva a mim, mas essa noite, ela parece querer comandar. Ela morde meus lábios, continua dançando e me abraçando. Ao contrário de antes, ela não parece estar preocupada com as pessoas nos olhando. Ela é tão gostosa.
-Erik…
Ela diz baixinho.
-Sim?
-Me leva ao seu apartamento?
Sou o único hóspede no bar do deck. A paisagem é maravilhosa, mesmo de noite. A lua, o céu, as estrelas… Apenas enquanto eu tomo essa cerveja, eu me permito pensar que eu gostaria de estar aqui com ela.
-Posso sentar?
Eu olho para a pessoa que me perguntou. É a dona do bar. Ela é uma mulher muito bonita, mas eu não estou interessado. Também estou surpreso com seu movimento. Acho que ela percebe isso.
-É pra falar sobre a Flora.
Ela esclarece e o fato de dizer Flora me acerta em cheio.
-Pode se sentar, claro.
-Você se importa se eu também tomar uma cerveja?
-Claro que não.
-Certo, vou buscar. Sou Alane, a propósito.
-Erik.
Ela vai até o bar, pega uma lata e um copo e volta.
-Você é o cara que ela deixou pra trás, certo?
-Ela te falou sobre mim?
-Não. Na verdade, a Ana nem sabe que eu sei de toda a história dela. A Rosa me contou antes de morrer.
-Rosa?
-A dona da pousada. Eu não sei de detalhes, não sei como a Ana veio parar aqui, mas sei que Rosa a acolheu. Ela teve câncer. Quando descobriu que a quimio não estava mais ajudando, ela veio aqui e me contou a história da Ana. Ela disse que era importante que alguém daqui soubesse. A Rosa era assim, ela acolhia as pessoas. Ela me acolheu e me deixou abrir o bar separado da pousada. Ela nem me cobrava um aluguel, só aceitou depois de muita insistência minha. Não existia esse deck. A Ana que teve a ideia quando viu o lago.
-Parece que era uma boa pessoa.
-Você não faz ideia…
-Mas ainda não entendi o que você quer falar.
-Você veio atrás dela?
-Não. Eu não sabia que ela estava aqui. Fui pego de surpresa.
-Então, você está me dizendo que foi o destino?
-Não. Foi um filho da puta.
-O que?
-Promete guardar segredo? Eu não falei com a Flora sobre isso. Quando ela partiu eu meio que enlouqueci, fiquei muito dividido entre respeitar a decisão dela e procurar. Eu teria encontrado. Então, Bernardo…
- O filho da puta? - ela pergunta sorrindo.
-Isso. Ele é meu melhor amigo. Ele se prontificou a procurar por ela. Assim eu não estaria desrespeitando a vontade dela e nem teria risco de vir atrás. Ele me jurou que se um dia ela estivesse em perigo, me diria.
-E ele disse? Ele acha que ela está em perigo?
-Não. Eu tive um início de infarto há um mês e os médicos me mandaram tirar férias. Bernardo veio com uma história de que tinha lido sobre essa cidade pitoresca que muitos empresários vêm descansar e tinha uma pousada com ares de hotel fazenda que me faria bem.
Ela dá uma risada.
-E aí ele te mandou direto para a Ana?
-Sim, não sei como não tive outro ataque quando abri a porta do meu quarto e a gerente era ela.
Ela riu de novo.
-Se um dia eu conhecê-lo, tenho que dar parabéns.
-Eu só… Não sei o que fazer com isso. Todos os dias penso em ir embora. Ela escolheu virar as costas para a vida que tínhamos.
Que raios têm nesse lugar que faz com que eu me abra com estranhos sobre coisas que não admito nem para mim mesmo? O que essas pessoas têm?
-Eu não conheço a versão da Ana, mas a Rosa me disse que sabia que Ana não tinha se curado totalmente, mesmo depois de tantos anos e que ela ia construindo uma casa na areia. Um dia iria ruir. Por isso ela me contou, para eu estar por perto quando isso acontecesse. Eu não sei como você se sente, mas talvez seja bom você aproveitar esses dias aqui para ajudá-la a ir para a rocha. Mas vou defender minha amiga e te pedir, só faça isso se você realmente quiser encarar tudo o que vem junto.
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