Capítulo 49: Ana Flora
— Desculpem novamente, gente.
Olívia diz preocupada.
— Não tem problema, isso acontece. Pelo menos ficou reservado, imagine se não e a gente reservasse para duas pessoas? E nem sabemos se foi um erro seu ou do aplicativo.
Estamos trabalhando com um novo aplicativo de reservas e por algum motivo, a reserva do 308 ficou sem o nome do responsável. Nós estamos lotados para o ano novo, dessa vez, convenci Charlene a ficar em minha casa. Eu não quero que ela pague sempre que vier visitar.
— Uma vez eu fiz isso. Reservei o mesmo quarto para duas pessoas - Zoé diz - Me senti horrível, mas pelo menos fui compensada com o fato de que os dois acabaram se apaixonando depois.
Eu sorrio lembrando dessa história, foi uma das vezes em que mais senti saudades de Erik porque eu tive certeza que nunca mais viveria um amor assim.
— Prometo que isso não vai mais acontecer. - Olívia afirma.
— Certo, apenas... quando o hóspede chegar, você renova a reserva. Combinado?
Tenho a impressão que ela troca um olhar com Zoé, mas é tão rápido que penso ser coisa da minha cabeça.
— Combinado.
— Então, vamos? - Charlene diz aparecendo com Elaíse e Violeta.
— Eu não acredito que você me convenceu a isso.
Hoje é 31 de dezembro e pensei que ficaria aqui observando tudo, não acho certo sair enquanto meus funcionários ficam trabalhando em um dos dias mais movimentados.
— Charlene tem razão. - Zoé diz. - Você precisa estar mais linda hoje, além de ano novo é sua grande inauguração. O salão é por conta do buffet e aqui na pousada, não tem nada que a gente não esteja acostumado.
— Além disso, o vestido que eu fiz, merece um cabelo hidratado e lindo. - Violeta completa.
— E você está precisando tirar as pontas desse cabelo também. - Charlene diz sincera e eu sorrio.
— Tente viver uma fossa, passar por uma enchente na cidade, uma obra e um novo emprego para ver se eu cabelo não vai pedir socorro.
— Mais um motivo para irmos.
Eu aceito e saímos, o salão fica em São Bento, estamos todas no carro de Charlene.
— Seu irmão não vai vir mesmo? - Pergunto para Violeta. Benício não apareceu aqui desde que eles voltaram da viagem de Natal.
— Não. Ele disse algo sobre não ser de ano novo e que eu não preciso ser como ele, então só preciso curtir com juízo.
— Ele está certo. Nada de álcool ou coisa do tipo. E nada de beber nada no copo de alguém que você não conhece.
— Você acha mesmo que se eu fosse beber escondido, faria isso aqui?
— Espero que você não faça em lugar algum.
Charlene me olha e eu prendo um sorriso porque óbvio que em nossa adolescência já dávamos algumas escapadas.
— Mas isso é sério. - Charlene diz. - Bernardo foi drogado em uma festa uma vez. Ele só tinha dezesseis anos.
— Sério? Eu não sabia disso. - Falo.
— Na época, Erik e ele guardaram segredos, ele me contou depois que nos aproximamos.
— Isso é horrível. - Violeta diz. - Flora sempre fala que pode acontecer, mas achei que era um exagero.
— Infelizmente não é. - Charlene diz. - É mais comum do que imaginamos.
Nós ficamos em silêncio um pouco, ouvimos a música infantil que Elaíse tenta acompanhar.
— Então... - Eu digo como quem não quer nada. — Você tem falado com Erik? - Pergunto para Charlene.
— Não, acho que ele está ocupado essa semana. Algo novo na empresa, não sei direito o que é.
Isso me alivia porque fiquei um pouco ansiosa depois da ligação do Natal. Ele não apareceu muito esses dias. Quer dizer, nos falamos, mas sinto que ele está um pouco distante. Talvez seja coisa da minha cabeça já que, aparentemente, ele também não tem falado com Charlene.
— Ele está trabalhando muito. - Digo preocupada.
— Ele está com algum projeto novo, pelo que me disse, essa correria é temporária. Ele realmente está se cuidando, Flora. Você está preocupada, não está?
— Estou. - Então, solto um suspiro. - Se eu falar algo, você guarda segredo? As duas. - Digo incluindo Violeta.
— Totalmente. - Violeta diz.
— Nem precisa perguntar. - Charlene responde.
— Quero ir vê-lo semana que vem.
— Hein? - Charlene pergunta.
— Quero ir até ele. Dizer tudo o que sinto e dizer que aceito a coisa da distância se ele também aceitar.
Violeta dá um sorrisinho debochado.
— Posso saber a graça, mocinha?
Charlene lança um olhar para ela.
— A graça é vocês adultos complicando tudo.
— Estou tentando descomplicar.
Ela não me responde e Charlene também não.
— Você não vai dizer nada? - Pergunto para minha suposta amiga.
— Sinceramente? Só vou opinar quando vocês dois conversarem.
— Bom, não é como se ele estivesse correndo atrás de mim, né.
Eu digo porque essa é a verdade. Eu estou aqui planejando ir atrás do que quero e ele? Ele apenas está se afundando em trabalho. De novo. Ele não acha que eu balancei a bandeira quando eu tirei minha roupa em frente ao celular e gozei dizendo o nome dele? Porque era isso que eu estava fazendo - influenciada por minhas amigas bêbadas.
Eu posso culpá-las mesmo sendo a sóbria do rolê?
— Eu não imagino isso.
Violeta diz de repente.
— O que? - Charlene pergunta curiosa.
— Gostar de alguém por tanto tempo. Quer dizer, esses dois começaram a tr... - Ela olha para Elaíse e para - Esses dois começaram com minha idade. Eu não conheço ninguém que me faz imaginar que daqui a vinte anos ainda vou gostar.
— Pois é, Vi. - Charlene diz - Esses dois não aproveitam o que tem.
https://youtu.be/2Vv-BfVoq4g
Nota da autora: recomendo ler as próximas cenas com essa música rodando ;)
Eu me olho no espelho e nem acredito que sou eu. Não me entenda mal, eu nunca tive problemas com minha aparência. Gosto da maior parte de mim - tirando as sardas - mas me ver como agora, faz eu me sentir em um conto de fadas. Queria tanto que Erik estivesse aqui, que ele me visse assim. Sorrio e resolvo que ele pode isso, então faço uma chamada de vídeo. Estou empenhada em mostrar meu interesse. Deixo chamar e vejo que ele recusa minha ligação. Tento controlar a decepção, afinal, ele não é obrigado a me atender, certo?
Erik: Desculpe, não posso atender. Bernardo me convenceu a vir em uma festa de ano novo.
Meu peito aperta um pouquinho. Sei que Bernardo é festeiro e não devia me surpreender com isso, eles são melhores amigos.
Ana Flora: Tudo bem. Queria apenas dar feliz ano novo.
Erik: Feliz ano novo, Ana Flora. Espero que dê tudo certo em sua festa e que você termine a noite com uma nova vida.
Eu sorrio e fico um pouco insegura sobre meu plano de ir até ele. Espero que ele não tenha desistido de mim. Espero que não seja tarde para a gente e que a gente consiga colar nossos pedaços.
Ana Flora: Para você também! Que seu novo projeto seja um sucesso.
Ele não me responde mais e vou para o salão. Enquanto caminho, agradeço por tudo. Penso no início do ano, em como estava enlutada por Rosa, como eu ainda tinha medo de encarar minha história e em como eu me sentia infeliz. Agora tudo mudou. Sou a dona da pousada. Benício tem sido um bom amigo. Charlene está aqui comigo e Erik... A única coisa que não mudou é que amo Erik. Sempre o amei. Sempre vou amar. E aí está a diferença: agora quero lutar por esse amor.
Antes de chegar ao salão, pegou meu celular mais uma vez:
Ana Flora: O salão está lindo. Venha ver qualquer hora. Sua irmã me disse que você não gosta do ano novo, mas eu não posso deixar de agradecer. Graças a você, essa noite está acontecendo. Obrigada. Feliz ano novo, que seu novo ano seja com muitos recomeços e alegrias.
Benício: Não é graças a mim, é graças ao que você significou para minha mãe. Só você tem esse mérito. Feliz ano novo, Ana Flora.
Então, finalmente entro no salão. Quase perco o fôlego, eu não aguentei e vim assim que chegamos, mas agora de noite, as luzes acesas, os lustres brilhando, as pessoas vestidas a rigor... Pareço estar em um conto de fadas.
— Você é um sucesso, amiga!
Eu me viro para Charlene ao escutar isso. Ela está com um vestido longo verde e uma máscara do mesmo tom. Segura Elaíse nos braços que está vestida como a mãe.
— Vocês estão lindas.
— Você também e lembre-se, hoje não é apenas sobre trabalho. Tente se divertir e não se obrigue a ficar aqui.
Eu não entendo essa última parte, mas apenas afirmo com a cabeça.
— Vou dar uma circulada, depois vamos dançar?
— Claro! Uma pena que você não tenha pensado num karaokê.
Eu rio porque Charlene sempre teve histórico com karaokês, sempre que ela bebe um pouco, ela acha que é a Shakira ou coisa do tipo.
Começo a circular pela festa, vejo muita gente da cidade e fico satisfeita com isso, quem sabe eu esteja começando uma tradição. Converso com alguns conhecidos, até que vejo Alane. Vou até ela. Ela está com um vestido azul marinho, sua máscara é vermelha com pequenas pedrinhas imitando rubi.
— Uau! Você está maravilhosa.
— Obrigada, Flora, você também. Preciso parabenizar a Vi pelo vestido.
— Ficou perfeito, não é? Você pode acreditar que ela só tem dezesseis anos?
— Não... Não posso. - Ela diz e parece emocionada. Nós todos estamos sensíveis em relação a Vi porque sabemos que ela já vai se mudar.
— Nós vamos estranhar ficar sem ela o tempo todo, mas estou tão feliz que ela e o Benício estão bem.
— Sim, ele mudou mesmo, né? Também fico fe... - Algo faz Alane se calar, ela está olhando fixamente para um lugar, mas antes que eu descubra o que houve, eu olho para a entrada.
Dois homens acabaram de chegar e... Fico sem fôlego porque um deles... Um deles é Erik. Ele está com um smoking azul marinho quase preto, o tecido molda o seu corpo e eu não consigo respirar. Ele está com uma máscara no mesmo tom, mas mesmo assim sei que é ele. Poderia ser meus olhos me enganando, mas homem nenhum faz meu corpo formigar como ele.
Sei que devia pelo menos me despedir de Alane, mas tudo o que eu faço é caminhar até ele. Minhas pernas e pés têm vida própria. Todo o baile deixou de existir e eu só estou vendo o homem que amo em minha frente.
Ele também veio andando até mim e nos encontramos na metade do caminho. Assim que isso acontece, Erik me beija. Ele não diz nada e nem eu. Apenas me beija e me abraça e eu retribuo.
— Surpresa! - Ele diz.
— Você está aqui.
— Estou. Finalmente.
Ele me beija de novo, tenho consciência que estamos no meio do salão e todos devem estar olhando, mas quem se importa?
— Hum... se você puder em algum momento, ir ao meu quarto, tem algo que eu quero te mostrar. Uau, isso soou sujo, mas não é nesse sentido. - Mas seus olhos percorrem meu corpo - Embora esse decote...
Eu sorrio, mas aí assimilo suas palavras.
— Espera aí... Seu quarto? Você está na pousada?
— Sim, no quarto 308 e Bernardo está no 204.
Eu junto as peças.
— Olívia não cadastrou errado, né? Era você o tempo todo?
— Sim, faz tempo que eu decidi vir, alguns meses... Eu apenas não pude antes.
— Por quê?
— Que tal se eu te contar sobre isso quando a gente for conversar?
Sorrio envergonhada.
— Claro, desculpe, estou ansiosa.
Ele pega minha mão, leva a seus lábios e beija.
— Não fique, tudo vai dar certo.
Eu pego meu celular e olho a hora. Ainda são dez e quinze.
— Você acha que voltamos antes de meia-noite se formos agora?
— Sim, mas... eu não vim para você perder sua festa. Posso esperar, é ano novo. A noite é uma criança.
Eu circulo meu braço em torno de seu pescoço e ele segura minha cintura. Dou um selinho nele.
— Vamos conversar e depois voltamos para a festa.
Sussurro, ele sorri para mim, pega minha mão e vamos em direção aos quartos. Nós não falamos nada no caminho, apenas estamos indo de mãos dadas, mas não é um silêncio ruim. Meu coração ainda parece que vai sair pela boca, então uso esses poucos minutos para assimilar que Erik está aqui. Ele está aqui. Veio por mim.
Quando entramos no quarto, eu entro primeiro, ele fecha a porta, e me puxa, me deixando presa entre ele e a parede.
— Agora posso te beijar do jeito que eu quero.
Ele devora minha boca, suas mãos percorrem meu corpo e eu me agarro a ele sentindo cada parte dele sobre mim. Não sei precisar quanto tempo ficamos nos beijando, mas sei que em determinado momento, ele descansou sua testa na minha e acariciou minha bochecha. Fechei meus olhos e respirei fundo.
— Quando você chegou? - Pergunto.
Ele olha para mim e me leva até o sofá, nos sentamos de frente para o outro sem soltar nossas mãos. Acho que precisamos nos tocar.
— Na hora do almoço. Viemos no carro do Bernardo.
— Por isso fizeram tanta questão que eu saísse? Todo mundo sabia que você vinha?
Ele sorriu maroto.
— Sim. Queria te fazer uma surpresa.
— Eu amo que você esteja aqui.
— Preciso que você me perdoe.
— Por quê?
— Pela forma com que nos forcei a conversar e pela forma que me despedi de você.
— Somos amigos, Erik, estamos bem, se eu ainda estivesse chateada com isso, não teríamos conversado.
Ele suspira irritado.
— Amigos?
— Não é o que estamos sendo desde que conversamos? Não é o que sempre fomos?
— Nós fomos noivos.
— Porque eu engravidei.
Ele solta outro suspiro irritado e eu espero que isso não seja sinal de briga.
— Odeio quando você fala assim. - Ele se levanta e começa a andar de um lado para o outro. — Nós só fomos amigos até o dia que eu olhei para você e descobri que você era a garota mais linda que eu conhecia e, confesso, não me orgulho disso porque você devia ter uns treze anos e eu só conseguia pensar nos seus peitos.
— Erik...
— Não. - Ele diz firme, com um pouco de raiva até - Você vai me ouvir. Faz tempo que não somos só amigos, Ana Flora. Ninguém vive celibatário por anos por causa de uma amiga. Ninguém vende uma empresa de milhões porque precisa viver perto de uma amiga. Ninguém deixa tudo de lado porque essa amiga está doente. E certamente ninguém acha que o Natal só está completo depois de ver a amiga gozando dizendo seu nome. Você faz muita questão de dizer que somos só amigos e isso me deixa tão puto porque sei que somos muito mais que isso, mas eu não te culpo porque sei que você só acha isso porque eu nunca disse meus sentimentos. Quer dizer, sempre achei que estivesse demonstrando, mas hoje eu sei o quanto as palavras importam.
Então, ele respira fundo e volta a sentar do meu lado. Ele pega meu rosto em suas mãos. Meus olhos estão um pouco mareados e sinto que ele está trêmulo.
— Me pergunte de novo.
Eu estranho. Tento repassar minhas palavras, mas não sei do que ele está falando...
— O quê?
— Porque eu te chamo de Flor.
Eu devia estar envergonhada porque sei que perguntei isso no dia que eu estava bêbada. Acho que perguntei e dormi logo em seguida, eu não me recordo de ter ouvido a resposta. Porém, não me envergonho... Há algo na voz dele, algo em seu olhar...
— Por que você me chama de Flor?
Então ele sorri para mim e sem deixar de olhar fundo em meus olhos, ele diz:
— Porque eu te amo incondicionalmente, Flor. Eu sempre amei. Eu te amei sim como amiga, mas há anos que te amo como mulher. Eu pertenço a você, meu coração é seu. Eu estou vivo por você. Eu tenho certeza, do fundo da minha alma, que a parte de mim que lutou para sobreviver é a parte que sabe que muito tempo foi roubado de nós e eu não poderia morrer sem ter compartilhado uma vida com você.
As minhas lágrimas só não caem porque Erik as limpa antes que desçam pelo meu rosto.
— Me perdoa... - Eu sussurro - Deixei a culpa dominar minha vida, preciso... tem algo que eu quero te contar.
— Você pode me falar o que quiser, sabe disso.
— Eu estava desesperada no sequestro, eles estavam machucando meus pais e me ameaçando, então eu gritei de propósito porque não queria ver aquilo. Sabia que eles iam ou me desmaiar ou me matar. Então gritei e me bateram. Eu desmaiei e quando acordei... Eles estavam mortos, meus pais.
— Flor...
— Eu me sentia culpada. Eu lidei com muita culpa em tudo, e acho que deixei as coisas acumularem, eu ter ido embora, a forma com que fiz tudo, depois percebi que se não fosse Bernardo, eu teria colocado você em risco também... Enfim, eu não estava sabendo lidar com as coisas. Acho que descontei tudo em nós.
— Eu entendo você se sentir assim, mas foi seu instinto de sobrevivência. A forma que você encontrou para sobreviver. Você me diz que eu não devo imaginar o que aconteceria se eu tivesse ido ao baile, o mesmo vale para você.
Eu concordo com a cabeça.
— Estou trabalhando nisso.
— E agora?
— Estou indo na terapia e já uso meu dinheiro. Estou me curando, Erik.
— Estou tão orgulhoso de você.
Ele diz isso e me beija novamente. Quando encerramos o beijo, é minha vez de dizer a verdade.
— Eu também amo você, Erik. Eu te peço perdão porque sei que minhas atitudes às vezes não mostram isso, mas eu prometo que vai ser diferente agora. Todos os dias eu vou tentar te mostrar o quanto eu te amo e compensar nossos momentos longe um do outro. Nunca mais vou menosprezar o que temos. - Então, eu assimilo algo que ele disse antes. - Espera... o que você quis dizer sobre vender uma empresa que vale milhões.
E como quem não quer nada, ele apenas diz:
— Eu vendi a empresa.
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