Capítulo 45: Ana Flora
Minha cabeça dói um pouquinho quando acordo. Não bebi muito ontem, mas as garotas quiseram comemorar, já que hoje a pousada começa a encher com o feriado prolongado e a gente não poderia fazer isso. O problema é que eu já estava há algum tempo sem beber e as poucas taças que tomei foram o bastante para eu ficar um pouco alta.
Pulo na cama ao lembrar da ligação de Erik, que vergonha! Eu o coloquei contra a parede e graças a Deus que eu dormi antes de ouvir sua resposta. Tudo o que eu não queria, era ouvir Erik dizer que me amava apenas como amiga. Penso em mandar uma mensagem para ele pedindo desculpas, mas evito a humilhação de bêbada e decido fingir que nada aconteceu. Acho que esse é o melhor caminho, pelo menos o que me deixa menos envergonhada.
Enquanto levanto, vou ao banheiro escovar os dentes e lavar o rosto, penso que fiquei feliz com a ligação dele. Eu cheguei a pensar que ele a faria, mas meu coração apaixonado tinha esperança de que ele aparecesse aqui. Como eu sou boba, eu disse que queria ser amiga dele e é isso que ele tem sido. Um bom amigo. Nossa situação nunca vai mudar porque fui eu quem a estabeleci e Erik é respeitoso o bastante para não me pressionar.
Quando saio do meu quarto, Violeta tem uma mesa de café inteira arrumada para mim, no centro dela, um bolo.
— Uau, isso é pra mim?
— Feliz aniversário, Flora, mas isso não é meu.
Eu arqueio a sobrancelha.
— E de quem é?
— Erik.
— Sério?
— Sim! - Violeta então, sorri. - Ele não sabe mesmo como funciona uma cidade pequena, não é? Ele queria contratar alguém para vir e arrumar tudo. Então eu disse que eu mesma faria. Mas ele precisou entrar em uma reunião urgente.
Claro que ele precisou, penso. Toda reunião urgente é mais importante do que o resto da vida dele.
— Então, ele mandou o Bernardo falar comigo e combinar tudo para nada atrasar. Ele não sabia que horas a reunião ia acabar, daí o Bernardo falou comigo, me mandou o dinheiro e bem... montei essa mesa pra você! E veja! O bolo é de nozes, seu preferido!
Eu sorrio e a abraço.
— Então também tem dedo seu.
Ela me abraça de volta e quando solta pega um pequeno embrulho.
— Esse é meu, parabéns!
Ela me entrega e eu pego com cuidado. Quando abro, vejo um caderno. Eu abro e percebo que Violeta montou um scrapbook para mim. Há fotos de todos esses anos nas folhas decoradas, a primeira é minha e de Rosa em um jogo de futebol que Violeta disputou quando era criança, algumas fotos trazem comentários espirituosos feitos por Vi, na penúltima folha vejo o desenho do meu vestido que ela está fazendo e a última foto é o dia do almoço que Benício anunciou que a pousada era minha, é a foto que tiramos todos juntos. Fico um pouco emocionada ao ver. Erik está atrás de mim, a mão em minha cintura mantém meu corpo junto ao dele. Jesus, que saudade desse calor, saudade desse conforto. Saudade da sua presença.
— Colei essa foto depois que Erik falou comigo sobre o café, achei que você não se importaria.
Eu olho para a foto mais uma vez e, para além da nosso linguagem corporal, vejo que ele e eu estamos felizes. Aquele é um dos meus dias mais felizes, mas também é um pouco amargo já que foi ali que as coisas começaram a ficar ruins com ele partindo por causa do incêndio.
— E não me importo mesmo, eu adoro essa foto. Obrigada, Vi.
— De nada! Assim, quando eu for morar com o Benício e você sentir saudade, vai poder matar rapidinho!
Eu sorrio.
— Com certeza, mas você vai vir me ver sempre, não é?
— Claro!
— Então, vamos comer logo?
Eu pergunto e ela concorda.
— Flora?
— Sim?
— Estou revendo Grey's Anatomy.
— E você alguma vez não está revendo Grey's Anatomy?
Ela sorri.
— Não, acho que não... Eu cheguei na parte que o Ben muda de profissão pela primeira vez e vai embora e ele e a Bailey estão em um relacionamento a distância.
— É uma boa temporada.
— Sim, você se lembra que ele volta porque ela está doente?
— Eu lembro.
Ela beberica seu café com leite como quem não quer nada.
— Sabe do que eu lembro?
— Só vou saber se você me disser.
Sua resposta é casual:
— O quanto você vive reclamando que nenhum relacionamento à distância dá certo em Grey's.
Ela continua tomando seu café como se não estivesse me dizendo algo importante. Eu suspiro.
— É complicado, Vi.
— Por quê? O Erik está nos Estados Unidos e deu um jeito de te dar um presente. Isso não significa algo?
— Significa que somos amigos.
— Fala sério, eu sei que quando vocês tinham minha idade provavelmente vocês dois já faziam sexo.
— VI!!! - Eu falo surpresa e assustada. Também um pouco envergonhada, me sinto na obrigação de dizer:
— Para seu governo, eu não tinha exatamente a sua idade, era um pouco mais velha - Digo e a obrigação volta a me bater - E foi cedo demais! Você deve esperar, viu? Mas se você achar que está na hora você deve se cuidar, então...
— Flora! Eu não estou pensando em fazer sexo. - Ela diz - Se eu estiver, você com certeza vai saber.
— Certo! Espero que seja um combinado.
— Mas vocês já tinham se beijado, certo? - Ela ignora o que eu digo e continua com suas teorias sobre Erik e eu.
— Sim, a gente já tinha se beijado.
— E depois que tudo que você passou, vocês se reencontrarem por acaso, não devia significar alguma coisa?
— A gente não se reencontrou por acaso.
Ela franze a testa.
— Ele sabia que você estava aqui?
— Não, mas o Bernardo sim e ele arquitetou tudo.
Ela sorriu.
— Eu gosto do Bernardo, ele foi muito legal no dia que veio buscar as coisas do Erik e ele faz comentários engraçados sobre o Evaristo na minha página. Ele deve estar puto, né?
— Linguagem, Vi, por favor!
Eu peço, embora ela vá morar com Benício e bem... não sei se isso vai importar daqui pra frente.
— Olha... - Eu digo querendo encerrar o assunto. - Tudo é muito romântico quando se tem 16 anos, mas Erik e eu estamos em caminhos diferentes e isso não pode ser consertado.
Ela revira os olhos. A garota parece ser a maior defensora de Erik por aqui.
— É por isso que eu prefiro os livros de terror aos romances, as mocinhas nos romances são teimosas que nem você. Tudo se resolveria com uma conversa, mas temos capítulos e mais capítulos dos dois separados por teimosia.
Ela se levanta, me dá um beijo e diz que precisa ir para a aula. Eu devo estar mesmo muito ferrada para uma adolescente de dezesseis anos achar que sabe me dar conselhos. De qualquer forma, preciso ser educada com Erik, sei que estou quatro horas na frente, mas resolvo mandar mensagem mesmo assim.
Ana Flora: Adorei a surpresa, você não precisava se incomodar. Obrigada!
Repasso mentalmente a nossa conversa de ontem e volto a achar que o melhor é ignorar que eu perguntei o que perguntei. Óbvio que a necessidade da resposta dele está me queimando, mas eu já ouvi de sua boca que ele ia desistir da gente, por que preciso sofrer mais?
Termino meu café, deixo a mesa posta e vou trocar de roupa, aviso a todos na pousada que eles podem fazer um lanchinho por lá. Enquanto vou ao bar do Deck chamar Alane, encontro com Benício.
— Ei, parabéns! - Ele diz.
Eu sorrio, ele estava em São Paulo.
— Obrigada!
Ele me entrega um pequeno embrulho e eu fico surpresa.
— Hum, não precisava se preocupar, Benício.
Ele dá de ombros.
— É coisa genérica, apenas para não passar em branco.
Eu noto pelo embrulho que é um livro e vindo dele faz sentido - algo que só reparei depois que ele abriu a livraria: Benício está sempre lendo.
— Vi já foi para a escola, né?
— Sim.
— Vou buscá-la na saída e ver se quer almoçar comigo. Eu fui para lá pegar o resultado do seu mapeamento genético, eu não quis que ela fosse comigo, tive medo de ela ter um gene de algo grave.
Fico apreensiva.
— E tinha?
— Não, quer dizer, apenas uma pré-disposição à diabetes. O doutor me explicou que provavelmente um dos pais dela ou alguma parte da família é diabética porque só assim para ser identificado no mapeamento, não é algo que começou com ela.
— Bom, pelo menos diabetes se cuidado, dá pra ter uma vida normal. Benício, você tem notícias sobre a mãe dela?
— Nenhuma, se Margarida pelo menos me desse uma pista.
— É injusto colocá-la nessa sinuca.
— Eu sei, por isso não insisto e...
Benício é interrompido por um barulho de... Bode. Então, nós olhamos para o lado e um Evaristo correndo em direção ao lago com Charles e Vicente atrás dele.
— Seu guardião do inferno está solto de novo. - Benício diz e eu estranho porque nesse instante Evaristo vira em nossa direção e começa a vir até nós. Ele simplesmente para quando chega na frente de Benício e o olha. Benício franze a testa e eu começo a rir. Ele olha para mim.
— O que?
Eu vejo que Charles e Vicente se aproximam e param divertidos. Evaristo abaixa um pouco a cabeça.
— Ele está te pedindo carinho.
O olhar de Benício é meio horrorizado.
— Eu não vou fazer carinho nesse bicho. Pelo amor de Deus, você tem que controlar essa coisa! Ele diz e se vira indo em direção à saída. Eu me abaixo e acaricio a cabeça de Evaristo.
— Você é uma coisa lindinha! Não liga para aquele rabugento. Mas você precisa parar de fugir, Evaristo, o que vou fazer com você?
Festa de 15 anos, 13 anos atrás.
Depois que dancei minha valsa, todos cantaram parabéns e uma banda começou a cantar. Eu disse para Charlene que ia ao banheiro, mas vim tomar um ar escondido na parte de trás. Meu pai alugou o salão de um hotel maravilhoso e estou em um jardim de inverno na parte externa do salão. O teto é de vidro e por isso, posso ver o céu. Eu sei que não é certo fugir da minha própria festa, mas desde que Erik entrou no salão e foi meu príncipe, meu coração não parou de disparar.
Ele entrou elegante no smoking, sua gravata borboleta era da cor do meu vestido e eu me perguntei quem disse para ele que a cor era essa. Quando ele ficou de frente para mim, sorriu de tirar o fôlego, deu um beijo em minha testa e nós começamos a dançar. Era a valsa da Bela Adormecida e talvez isso, ou a mão dele em minha cintura, ou ainda sua respiração tão perto de mim seja o grande responsável por essas batidas. Quer dizer! É o Erik! Nós dois somos amigos desde sempre. Meu coração não pode bater assim por ele.
— Ei, você fugiu da sua própria festa?
Eu dou um salto quando a personificação dos meus pensamentos entra aqui. Nós estamos iluminados só pela luz da lua e eu só penso que eu queria beijá-lo.
— Só vim descansar um pouco, já tô voltando.
Eu digo passando por ele, mas ele segura meu braço levemente.
— Ei, tá tudo bem?
Não. Não está. Eu quero que você me beije. Por que você está mais lindo do que o normal? Por que você foi se oferecer para ser meu príncipe? Por que estou sentindo que você sempre foi meu príncipe?
— Sim. Só emocionada, a festa foi do jeito que sonhei!
Ele sorri, aí está, esse sorriso do paraíso.
— Ei, eu... quer dizer, óbvio que meus pais compraram um presente para você, mas eu trouxe algo e queria entregar para você. Eu não quis deixar na mesa de presentes.
Eu fico surpresa. Por que hoje ele resolveu ser o cara perfeito? Não posso ser injusta, porém, ele sempre é o cara bom.
— O que?
— Aqui!
Então, ele tira uma caixinha do bolso. Quando abro é um tsuru de cristal. Lindo! Tão lindo quanto ele à luz do luar.
— Uau, Erik, é lindo!
Ele sorri.
— Queria te dar algo nosso, se quiser, posso deixar no meu bolso e você pega depois, para não quebrar!
— Eu quero! Não tem um bolso nesse vestido.
Então, coloco na palma da mão e estendo para ele pegar. Ele deposita sua mão em cima da minha e em vez de fechá-la em torno do objeto, ele apenas a deixa parada ali. Ele me olha nos olhos e as estrelas que vi no céu quando entrei, parecem estar brilhando nos olhos dele.
— Erik...
Ele não responde e parece estar hipnotizado, da mesma forma que eu. Esperança nasce em meu coração, acho que ele também quer me beijar. Até acho que nossos rostos estão se aproximando, até que Erik parece sair do transe que nos envolve.
— Feliz aniversário, Flora!
Ele diz isso e beija minha testa de novo. Então, ele pega o tsuru de minha mão e sai. Fico apenas com beijos imaginários.
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