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Capítulo 43: Ana Flora

Eu não vi outubro chegar e esse é um mês movimentado, nós temos um feriado prolongado e a pousada fica movimentada.

Nós espalhamos placas de "desculpe o transtorno, estamos em obras" por toda a parte. Estamos dando alguns descontos devido ao barulho da obra durante o dia, eu tinha a possibilidade de parar durante a semana do feriado, mas estou preocupada com as chuvas que podem começar novembro e nós precisamos que tudo esteja pronto no ano novo.

- Você está bem? - Zoé me pergunta. Ela está dirigindo para São Bento e eu estou no banco do carona.

- Sim. - Mas minha voz é tensa.

- Podemos voltar se quiser.

- Não, quero fazer isso hoje.

Ontem a minha sessão com a psicóloga foi daquelas arrebatadoras. Sei que ainda tenho muito caminho pelo que percorrer, mas hoje eu preciso dessa outra vitória.

- Nós podemos passar e tomar um café depois, o que acha? - Zoé pergunta.

- Acho excelente, a pousada só vai encher a partir de amanhã, então podemos nos dar esse luxo.

- Certo. Você quer que eu ligue o rádio?

- Se não for incômodo, prefiro conversar.

- Conversar é comigo mesmo. Como estão Charlene e Elaíse?

- Bem. Eles virão passar o Natal e já vão ficar para o baile.

- E Erik?

- Você arranca o band-aid com tudo, não é? - Pergunto sorrindo e ele sorri também.

- Eu perguntei delas primeira para disfarçar.

- Erik está nos Estados Unidos. Ele foi viajar com a mãe dele.

- Vocês têm se falado?

- Sim.

- E...

- E nada, nós somos amigos.

- Bobagem... Você está melhor. Quer dizer, nós estamos indo comprar um carro pra você, com seu dinheiro. O dinheiro dos seus pais!

- Nós não terminamos pelo dinheiro, quer dizer, isso fez a gente brigar, mas... Zoé, nós terminamos porque minha vida é aqui e a dele é lá.

E ele já tinha desistido de mim. Eu não contei para ninguém que escutei quando ele disse. O infarto, minha estadia em São Paulo, isso apenas adiou o que ele faria aquele dia: terminar comigo.

- Sabe, eu achei que a gente estivesse no terceiro ato do romance.

Eu franzo a testa em confusão.

- Como assim?

- Nos romances... o terceiro ato sempre tem uma briga final e algo que faz o mocinho ou a mocinha ir atrás do amor e aí eles se resolvem e vivem felizes. Geralmente, os que envolvem cidade pequena termina com o que está na cidade grande se mudando. Então, talvez ainda dê tempo dele aparecer correndo porque o carro quebrou na estrada e ele não aguenta esperar para te ver.

Eu acho graça.

- Eu não sabia que você lia romances. Você já conversou com Charlene sobre isso? Ela também adora.

Zoé sorri.

- Na verdade, descobri que nós estamos no mesmo grupo de leitura no Facebook e nós trocamos algumas figurinhas.

Eu sorrio.

- Eu gosto mais dos clássicos, sei que soa pedante, mas minha mãe passou isso para mim. Meu livro predileto é Orgulho e Preconceito.

- O bisavô de todos os romances contemporâneos, você não é tão diferente da gente...

- Talvez não seja, mas sou diferente em saber que a minha história com Erik terminou.

Eu digo, mas não revelo que eu também tinha esperança que as coisas mudassem entre nós. Já faz um mês que resolvemos ser amigos e Erik tem levado a sério esse papel. Nós conversamos online e às vezes por telefone, mas não há flerte, não há menção ao passado. Estamos apenas... conversando. Isso me deixa morrendo de medo porque tenho a impressão que a qualquer momento a conversa vai diminuir e a gente vai se afastar.

- Pena. Eu estava torcendo por vocês.

Dou um sorriso meio desanimado porque eu também queria que tivesse dado certo. Eu me vejo casando com Erik, me vejo sendo a mãe de seus filhos. Achei que com o tempo afastado, o sentimento diminuiria, nós dois sempre estivemos na vida um do outros e talvez isso forçasse esse sentimento... Mesmo quando parti, todos os assuntos inacabados, nos mantiveram unidos. Agora é a primeira vez que nos distanciamos em paz e nada mudou. Eu ainda amo cada parte de Erik. É, pai, esteja onde você estiver, saiba que você ganhou essa!

- E você?

- O que tem eu?

- Você nunca viveu um romance? Você não fala muito sobre isso.

- Não. Nunca.

Ela fala depressa e quase com raiva.

- Hum... não me convenceu.

Ela suspira e balança a cabeça.

- Certo, você desnudou sua alma para mim, vou desnudar a minha para você. Crescer numa cidade pequena é horrível. Eu nunca disse para você, mas eu tenho dislexia.

- Sério?

- Sim, eu fiz tratamento, mas... Bom, demorei bastante para descobrir que era disléxica. Meus pais não tinham essa informação, meu pai também é disléxico e a vida inteira ele foi chamado de burro. Os dois só achavam que eu era burra também.

- Isso é horrível de se dizer, Zoé.

- Mas é a verdade, nenhum professor chamou meus pais para dizer que eu poderia ter algo. Eu fui empurrada em praticamente toda a escola. Só no ensino médio, na droga do ensino médio, uma professora notou e chamou meus pais. Foi uma virada de chave na minha vida, mas... Bom, isso fez com que eu aprendesse tudo tardiamente.

- Sinto muito, Zoé.

- Obrigada. Uma psicóloga disse que poderia ser hereditário e aí meu pai descobriu que tinha também. Ele voltou para a escola depois e todos ficamos bem. E veja, agora sou gerente de uma pousada excelente! - Ela diz sorrindo.

- Essa é a melhor parte. - digo brincando. - Mas ainda não entendi a parte do romance.

- Ninguém quer ser amigo ou ficar com a tonta da sala...

- Ah, Zoé... que droga!

- Pois é, você junta a isso o fato de que eu, definitivamente, não sabia cuidar desses cachos e eu tinha tanta espinha... Enfim, bullying não é besteira, sabe. Ele existe. E a história do cara que aposta sobre você, ela definitivamente não acaba com ele se apaixonando na vida real.

- Porra, sério? Fizeram isso com você?

Ela dá de ombros.

- Tá tudo bem. Eu superei.

- Não, não está tudo bem, isso é horrível.

- Eu realmente superei, apenas risquei romance da minha lista. Quer dizer, eu os leio, mas viver... não.

Continuo achando horrível, mas não respondo. Quem sou eu para insistir com ela?

- Eu achei que você ia me contar uma história de como você sempre foi apaixonada pelo Igor.

Zoé suspira e eu noto que ela aperta um pouco o volante.

- Igor era amigo dele, do Marcus. O garoto que apostou...

- Sério? Isso é horrível e eu aqui achando que ele era legal e... - ela me interrompe.

- Ele é, ele quem me contou tudo. Quer dizer, a gente nunca teve contato, então ele pode ser um escroto e eu não saber, mas na época, ele foi legal comigo.

- Fico feliz, quer dizer, com a parte dele ser legal.

- Eu morro de vergonha de falar com ele, quando ele me contou... tive uma crise de choro e eu tenho certeza que isso envolveu lágrimas e ranho no ombro dele.

Ela ri um pouco e eu rio também.

- Vocês eram adolescentes, você devia tentar se aproximar.

- Já disse, não quero um romance...

- Como amigos.

- Nah... estou bem assim. - ela não me dá tempo de responder e logo diz - Chegamos, vamos lá comprar sua carruagem!

Quando voltamos para a pousada, Olívia sorri para mim.

- Ei, tenho uma novidade! - Ela diz entusiasmada.

- Diga!

- A diretora do colégio Marquinis quer reservar o salão para uma festa de reencontro.

A escola Professora Fabiana Marquinis (para os serradouradenses apenas colégio Marquinis) é a única escola pública da cidade, além das creches.

- Sério? Isso é ótimo.

- Ela disse que sabe que o salão ainda não está pronto, mas que viu as projeções e gostaria de reservar a data que será no fim de janeiro. Ela perguntou se na sexta pode vir conversar com você para um orçamento.

- Caramba, eu não esperava que teríamos reservas antes de estar tudo pronto. Você marcou com ela, certo?

- Sim, ela vai vir às 15.

- Ótimo. - olho para Zoé que também está sorrindo com a notícia - Zoé, nós duas precisamos nos reunir para pensar em valores e tudo mais. Vou dar uma pesquisada sobre isso, eu realmente achei que não precisaria ver isso agora. Você pode pesquisar também?

- Claro!

- Talvez você possa pensar em um pequeno buffet. - Olívia diz. Zoé e eu olhamos para ela. - Desculpa, eu não queria me meter.

- Você não está se metendo.

- Na minha cidade tem um hotel que aluga um salão para festas, eles têm proposta de aluguel com e sem buffet.

Olívia é uma garota simpática, mas ela não costuma compartilhar. A única coisa que eu sei é que ela e sua mãe são do Espírito Santo, de uma cidade chamada Anchieta.

- Você acha que a gente conseguiria? Quer dizer, nossa equipe é reduzida.

Eu pergunto interessada. A ideia não é ruim, mas Margarida e Angélica não dariam conta, além disso... eu nem sei se Margarida ainda estará aqui em janeiro. Futuramente, precisarei aumentar minha equipe, mas nós ainda temos a mesma quantidade de quartos, então ainda não preciso pensar nisso.

- Talvez você possa contratar pessoas apenas para isso, de início. Talvez Alane possa ajudar? Eu sei que sou apenas uma recepcionista, mas também posso ajudar.

- Você cozinha? - Zoé pergunta interessada e Olívia e sorri.

- Sim! Meu sonho é ter um café.

- Uau, você está escondendo o jogo, então. - Eu digo. - Preciso pensar, tenho uns dias até sexta.

- Flora, posso sugerir uma coisa? - Zoé pergunta.

- Claro, você é minha gerente.

- Eu conheço a Michele, a diretora do Marquinis. Ela foi minha professora e posso dizer que somos próximas até hoje, eu sei que se você explicar que ainda não teremos um preço até sexta-feira, ela vai entender.

- Você não acha que ela pode desistir?

- Pede mais uma semana, em uma semana nós duas conseguimos pesquisar valores e pensar na ideia da Olívia, se você quiser, eu posso reforçar com a Michele depois.

- Certo, vou fazer isso e remarcar para a outra semana.

- Você quer que eu ligue? Eu peguei o contato dela. - Olívia pergunta.

- Não. Eu mesma faço isso, acho melhor.

- Flora! Que bom que você está aqui, você pode vir comigo? Lá em casa, rapidinho.

Violeta pergunta entrando na recepção.

- Claro!

Eu pego o número com Olívia e vou com Violeta.

- Então, você já está motorizada? - Ela me pergunta enquanto vamos para nossa casa, que em breve será apenas minha.

- Vou buscar na semana que vem.

Ela sorri e bate palmas, eu sorrio de volta e tento controlar a emoção que estou sentindo desde que fechei o negócio. Violeta não sabe o que significa eu ter comprado um carro, então, seria estranho se eu começasse a chorar aqui.

- Que dia você vai? Posso ir também?

- Na quarta, claro que sim.

- Quarta? Isso que é um bom presente de aniversário, hein?

Foi uma grande coincidência, a compra foi um presente para mim mesma - graças a minha psicóloga - e quis o destino que o dia de buscar fosse esse. Nós duas chegamos em casa e Violeta pega seu caderno.

- Então... Eu quero te mostrar uma coisa.

- O que?

- Desenhei seu vestido do ano novo. Ele é simples porque você sabe que só tenho essa máquina e dezesseis anos.

Ela diz um pouco envergonhada e eu apenas sorrio para ela. Eu nunca me importaria com isso, estou tão orgulhosa que ela está mesmo empenhada em fazer meu vestido.

- Tenho certeza que vou amar. Que tal me mostrar agora?

Ela me entrega o caderno ansiosa e eu me surpreendo. O vestido é com um corpete tomara que caia, ele é longo com uma saia de tecido e por cima um véu que parece ser tule. Estou maravilhada quando Violeta começa a falar.

- Pensei em fazer o corpete prateado, com glitter, aqui, na saia, eu pensei em branco porque... Ano Novo, certo? A minha ideia era não deixar o corte do tule reto, eu queria deixar em tiras na bainha para dar uma ideia de pena.

- Pena?

- Sim... Eu me inspirei num cisne. Pesquisei algumas máscaras e acho que essa seria perfeita.

Ela pega o celular e me mostra, é uma máscara toda branca, suas bordas são enfeitadas com pérolas, na lateral duas penas brancas são unidas por mais algumas pérolas.

- É de tirar o fôlego, Vi. Eu amei.

Ela sorri aliviada.

- Então, posso mesmo fazer?

- Claro! Que tal se semana que vem a gente sair para comprar os tecidos e tudo o que você for precisar? Podemos ir na quinta, você vai ser a primeira a dar um passeio comigo, que tal?

- Combinado!

Ela me abraça e então, eu penso em algo.

- Vi? Por que você se inspirou num cisne?

- Eu pensei na sua aquarela.

- Na minha aquarela?

- Sim, eu adorava aquele quadro. Fiquei um pouco chateada do Erik ter levado, mas tudo bem, nem era meu quarto mesmo.

- Ei, você quer que eu pinte algo para o seu novo quarto?

- Você faria isso?

- Claro! O que você quer que eu pinte?

- O lago.

Ela responde sem hesitar.

- Temos um combinado!

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