Capítulo 30: Erik
Quando chego em São Paulo, minha mãe está esperando por mim. Ela se aproxima e me abraça.
— Como você está?
— Preocupado, eu só quero ir até lá.
— Pelo menos não há vítimas, filho.
— Eu sei, mas poderia ter tido. E seríamos os culpados, nós somos os culpados por essas pessoas ficarem sem o local de trabalho. Vai demorar muito para reconstruir.
— Você não está pensando em romper os contratos, não é?
Eu fico bravo ao ouvir aquilo.
— Óbvio que não, mãe. Além de ser contra lei, eu nunca deixaria essas pessoas na rua. Mas muitos ali têm comissão, nossos montadores ganham adicional também, você sabe. Ainda não sei o que vou fazer.
— Você vai pensar em algo, tenho certeza.
— Eu preciso ir, mãe.
— Estou aqui por isso, querido. Vou com você.
Eu olho para minha mãe, Ágatha, ela tem cabelo grisalho liso até a altura da nuca. Seus olhos são castanhos. Está com um batom marrom e suas roupas são sempre elegantes.
— Você não precisava.
— Eu sei, mas também é minha loja.
Eu afirmo e dou um beijo em sua testa.
— Senhor, seu voo já está pronto.
Minha secretária surge e me informa.
— Obrigado. Desculpe te fazer trabalhar a noite.
— Não precisa se desculpar, espero que tudo fique bem.
Durante o voo, enquanto minha mãe descansa, eu começo a assimilar essa noite. Tomei um susto ao ver aquelas imagens e só pensei em vir rápido. Eu liguei o modo automático, sempre faço isso quando acontece algum imprevisto muito grande. Eu não relaxo até conseguir resolver e isso? Isso vai ser demorado demais.
Estou antecipando tudo. Investigações sobre a causa do incêndio, mídia me deixando louco, decisões sobre os funcionários. Acho que a melhor saída é alugar um lugar para funcionar a loja até que a gente reforme a antiga.
— Como está a Flora?
Minha mãe pergunta.
— Achei que você estivesse dormindo.
— Só de olhos fechados. E então?
— Ela está bem. Animada com a pousada.
— Onde isso deixa vocês?
— Mãe, eu não quero falar disso hoje.
— Por causa do incêndio ou por que você não quer encarar?
Ela diz e eu reviro meus olhos. Minha mãe sabe tocar na ferida e na maioria das vezes, ela não tem piedade de mim.
— Eu não sei onde isso nos deixa. Eu tinha esperança que Flora mudasse de ideia sobre ficar lá, mas agora não posso mais pedir isso. Então talvez, eu encare um relacionamento à distância.
— Para sempre?
— Mãe…
— Ou até você se aposentar? Ou vender a empresa porque se você não tiver filhos, é isso que vai ter que acontecer, certo? E se você tiver filhos com Flora, ela vai criá-los sem sua presença? Ela gostaria disso? Você viveria em paz em ver seus filhos só no verão?
Jesus! Ela simplesmente jogou tudo isso em cima de mim? Eu fico atordoado e não sei o que dizer.
— Você está me pedindo herdeiros? Achei que a única ideia arcaica que vocês tinham era arranjar meu casamento com Ana Flora.
— Não distorça o que eu disse, Erik. Eu te criei, mereço um crédito maior. Eu só disse o óbvio, se você não tiver filhos, um dia você vai ter que vender. Ou você vai trabalhar até morrer? E se você tiver com ela, ou você terá que as mudar, ou ela ou viver longe.
— Eu não penso muito nisso, mãe. - Digo cansado. Ela não responde, mas ela olha como se quisesse me dizer algo. — O que você quer me dizer, dona Ágatha?
— Estou saindo com alguém.
Eu estava esperando um sermão ou mais uma avalanche de perguntas das quais não tenho resposta. Estava esperando conselhos que eu não pedi, mas isso?
— Saindo com alguém? Um homem?
— Sim, filho, sou defensora do amor livre, mas infelizmente eu gosto de homens.
— Você não tinha hora melhor para me dizer? A gente se fala todos os dias. Quando isso começou?
— Há uns meses.
— Meses, mãe? Eu ainda estava aqui há meses atrás.
— Filho, que tal a gente conversar quando resolver tudo e voltar?
— Foi você que me jogou essa bomba agora.
— Só para dizer que eu amo seu pai, mas que estou apaixonada. E que você pode amar outras pessoas além da Ana Flora, mas se você não quer pensar nisso, se você quer viver o que sente por ela, esse sentimento não deve ser apenas metade.
Quando chegamos em Salvador, coloquei a mão no bolso para mandar uma mensagem para Flora. As palavras da minha mãe (e seu timing horrível) ainda martelando em minha mente.
— Droga.
— O que foi, querido?
— Acho que deixei meu celular no jatinho.
Nesse instante, minha secretária aparece, pela proximidade, ela ouviu o que eu disse.
— Acabaram de nos avisar. Seu celular ficou mesmo em São Paulo.
— Era mesmo isso que faltava.
— Você quer que eu te arrume um aparelho?
— Eu uso o da empresa para tratar das coisas de trabalho. Só preciso que você me faça um favor.
— Claro.
— Eu preciso que você entre em contato com a Ana Flora na Lago Encantado e diga que estou sem meu celular pessoal aqui. Diga que cheguei bem e que assim que eu retornar a São Paulo, mando notícias.
Eu não preciso explicar porque meus funcionários próximos sabem meu paradeiro e sobre Flora.
— Tudo bem.
— Atualizações sobre o incêndio?
— O fogo já foi contido, mas os bombeiros ainda estão no local. Vocês querem ir para o hotel?
— Não, nós vamos para a loja. Eu pelo menos, e você mãe?
— Vou com você.
Então, é para lá que seguimos.
Quando chegamos no hotel, já é quase fim de tarde. Minha mãe e eu ficamos em quartos separados, então, quando saio do banho, eu apenas me jogo na cama só de cueca.
Minha cabeça está explodindo. Tudo o que eu queria era voltar ao dia de ontem, no momento em que eu estava na varanda com Ana Flora. Na verdade, percebo que qualquer hora do dia de ontem seria boa para voltar, o almoço com os funcionários foi muito divertido e eu já me sinto parte daquela grande família.
Meu celular toca e eu penso em não atender porque deve ser coisa de trabalho já que quase ninguém tem esse número, mas ao ver o nome de Bernardo, eu atendo imediatamente.
— Ei, cara. - Eu digo.
— E aí? Está difícil falar com você. Só consegui porque mandei mensagem para a Myriam.
Myriam é minha secretária.
— Deixei o celular em São Paulo, acredita? Como se o dia já não estivesse ruim o bastante.
— Como foram as coisas? Quero a merda toda, não o que está passando na TV.
A versão da TV era que as investigações iriam começar e isso é verdade, mas nós já tínhamos uma ideia do que tinha acontecido.
— O fogo começou no depósito.
— A causa?
— Vão mesmo começar a investigar ainda, mas… Passei a tarde com um vigia aos prantos achando que ele deixou um cigarro aceso lá. Ele estava fumando, ouviu um barulho e foi investigar. Ele não se lembra de ter apagado ou jogado fora.
— Que merda, cara. Ele podia estar fumando lá?
— Não. - Digo desanimado
— O que você vai fazer se isso se confirmar?
— Eu não tenho ideia, Bernardo. Isso é justa causa na certa, mas é meu funcionário mais antigo e ele nunca fez nada de errado. E não sou inocente de achar que nenhum outro funcionário faz isso. O cara estava destruído quando veio falar comigo, eu estou até preocupado.
— Você não precisa decidir agora, não tem nada oficial da polícia. Tenta descansar, esfriar a cabeça. Que dia você volta?
— Por mim hoje mesmo, mas minha mãe insistiu em passar a noite para descansarmos. Amanhã cedo vou me reunir para decidir o que vamos fazer. Provavelmente vou ter que voltar aqui depois.
— Vai ficar tudo bem, cara. Pelo menos você tem uma empresa que está bem financeiramente e não corre riscos de consequências piores com esse incêndio.
— Sim, estou focando nisso. Então… Mudando de assunto, você sabia que minha mãe está namorando?
— Humm… Namorando? Eu…
— Você sabia? - Eu acuso. - E não pensou em me contar?
— Eu não tinha certeza, eu só… ouvi falar mais ou menos.
— Como assim? As pessoas estão fofocando sobre minha mãe?
— Eu acho que as pessoas estão querendo descobrir quem é sua mãe.
— Como assim? - Pergunto novamente.
— Eu não tenho certeza, mas acho que sua mãe é a namorada misteriosa do Antônio Piazza.
— O ator?
— Sim.
Eu sinto meu estômago revirar. Antônio Piazza é um ator brasileiro que foi casado com uma atriz japonesa muito famosa mundialmente. Os dois eram um desses casais de atores que Hollywood ama. Ela morreu muito nova em um trágico acidente de carro. Dizem que Antônio a viu morrer nas ferragens, mas ele sempre viveu nos Estados Unidos porque seu filho Pedro Eiji também era um ator lá. Recentemente, ele veio para o Brasil e havia um boato que a causa era uma mulher. Obviamente, como tudo nesse país, isso viralizou, há memes sobre uma mulher misteriosa e tudo mais.
— Bernardo! O que você pensa da vida? - Eu pergunto bravo - Minha mãe virou a porra de um meme e você nem pensou em me dizer?
— Calma, cara! Eu não fiquei pensando sobre isso. Eu vi uma foto distante na internet e pensei "nossa, parece a Ágatha", mas não achei que fosse, só achei parecida. Agora você disse e eu juntei dois e dois, pode nem ser. Quais as chances?
Eu respiro fundo e tento me controlar, sei que estou só descontando a frustração em meu amigo.
— Certo, desculpe e… Ah, inferno!
— O que foi? — Ele pergunta.
— Eu acho que as chances são enormes, minha mãe viajou para os Estados Unidos, lembra?
Eu troco de roupa e sei que ambos estamos cansados, mas não quero adiar essa conversa com minha mãe. Quer dizer, eu não vejo problema no fato dela ter um relacionamento. Talvez eu estranhe no início, mas eu entendo que meu pai não está mais aqui. Mas preciso entender porque ela não me contou. Somos apenas nós. Precisamos confiar um no outro. Também preciso saber se ela entende o que é namorar uma pessoa famosa mundialmente. Mundialmente. Antônio Piazza foi o primeiro ator brasileiro a ganhar um Oscar. O filho dele estrelou um filme dos X-Men fazendo o Solaris, a porra do primeiro herói asiático do universo.
Eu bato na porta dela e ela me manda entrar. Nós estamos no hotel mais caro, e eu observo todo esse luxo, mas mais uma vez penso que preferia estar na Lago Encantado.
— Aconteceu alguma coisa? - Ela pergunta.
— Desculpa, sei que estamos cansados, mas mãe… você jogou uma bomba em mim, precisamos conversar.
— Erik, você precisa aprender a desligar!
— Eu consigo desligar, mas para isso preciso resolver as coisas.
Ela suspira.
— Acabou de chegar um café, por que você não me acompanha?
Nós vamos até a mesa, nos sentamos.
— Eu vou conhecê-lo?
— Claro, só não agora.
— Por quê?
— Ele não está no país. Ele estava, ele mora aqui, mas está visitando o filho agora.
— E ele sempre morou aqui?
Ela está passando uma geleia no pão e responde como se não fosse nada.
— Não.
— Mãe… Me diz que a senhora não é a porra de um meme de mulher misteriosa.
— Boca! Ainda sou sua mãe. De onde você tirou isso?
— Eu disse para o Bernardo que você está namorando. E ele se lembrou que viu uma foto e que a namorada do Antônio Piazza parecia você.
— Bernardo é mesmo observador. Aquele garoto é esperto.
— Mãe…
Ela beberica o café e sorri para mim.
— Nos conhecemos na minha última viagem aos Estados Unidos, Erik. Eu tentei evitar, querido, mas…
— Mãe… - Eu a interrompo porque posso estar meio doido hoje, mas eu ainda quero o bem da minha mãe. - Eu não me importo. Quer dizer, vai ser estranho te ver com outro homem no início, mas não é isso que me chateia.
— Então?
— É você não ter me contado, somos só nós dois. Você sabe tudo sobre minha vida. Além disso, estou preocupado se você saberá lidar com a exposição de namorar alguém tão famoso
— Erik, assim que começou, você ficou doente. Eu fiquei tão preocupada e não quis te chatear mais, depois você reencontrou a Flora e eu… Apenas achei que devia esperar. Sobre a exposição, eu acho que ninguém nunca está pronto para isso, mas eu já estou velha, nós dois sabemos muito bem o quanto a vida pode acabar do nada. Eu quero encarar.
— Desculpe, eu odeio que você tenha ficado tão assustada quando eu adoeci. Mas estou bem agora, mãe. - Ela pega minha mão e beija. - Sobre encarar, é o que ele quer também? Porque vocês estão se escondendo ainda, certo?
— Por minha causa. Eu precisava te contar primeiro
— Quando ele volta?
— Semana que vem. O Pedro deve vir junto.
— Então, que tal se eu ficar até ele chegar e aí nós todos podemos jantar e nos conhecer?
Ela sorri e eu sei que tomei a decisão certa.
— Você faria isso?
— Claro, mãe! Somos você e eu sempre.
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