Capítulo 14: Erik
—O senhor Bernardo está aqui. - minha secretária diz pelo telefone. Eu olho o meu relógio e vejo que ele está adiantado.
—Pode dizer para ele entrar.
Quando a porta de meu escritório se abre, Bernardo aparece.
—Que milagre. Você está adiantado.
—E você continua mal humorado.
—Não estou mal humorado. Pelo contrário.
Ele ergue a cabeça duvidoso.
—E por que você, de repente, depois de um mês, ficou bem humorado?
Eu reviro os olhos porque faz um mês que voltei e um mês que Bernardo não para de jogar em minha cara que voltei.
—Hoje foi a reunião do conselho e eles aprovaram que meu vice-presidente tenha um assessor.
—Isso é bom cara.
A preocupação não vai diminuir, mas os afazeres sim. Eu passarei algumas das atribuições para o meu vice-presidente, que por sua vez, passará algumas delas para seu assessor. Por enquanto é o máximo que eu consigo já que meus pais não tiveram outros filhos e eu não tenho outros parentes para dividir as funções.
—Você me oferece um café? - Bernardo diz.
—Claro!
Peço para minha secretária e em pouco tempo ela traz.
—Charlene vai nos encontrar no restaurante? - Eu pergunto porque nós almoçamos toda terça e ela sempre vem com ele.
—Não. Hoje seremos só nós dois, ela me mandou uma mensagem ontem a noite.
—Está tudo bem?
—Está. Eu não ia contar, mas acho melhor que você saiba logo. Ela foi para Serra Dourada.
Meu coração dispara ao ouvir o nome da cidade que deixei há um mês. Minha estadia foi rápida, mas deixou marcas que eu ainda não encarei. Por um lado, invejo Charlene, por outro, eu queria apenas que eu não soubesse o que tem nessa cidade.
—E ela decidiu isso ontem a noite?
—Não. Ela já estava pensando há semanas, mas você não falou com a gente. Então não sabíamos se você queria escutar.
—Eu fico feliz que ela vá lá.
—E você? Erik, você não falou sobre isso. Você precisa por pra fora, irmão!
—É por isso que você veio antes? Você quer uma sessão de terapia? Não é antiético um psiquiatra atender o amigo?
—Sim, não gosto de conversas desagradáveis na hora da comida. - Ele responde e ignora minha provocação.
—Não tenho o que falar, Bernardo.
—Você ia ficar lá e voltou de repente. O que aconteceu?
Penso que o pior é que eu não sei. Nós estávamos bem, mas quando Flora me falou sobre seu chefe e sobre ficar, eu me senti horrível. Sei que fui egoísta e narcisista, mas eu senti que precisava de espaço. Eu não estava assimilando tudo aquilo. Além disso, assim que pisei em minha casa, eu me arrependi de ter partido. Eu quebrei todas as promessas que fiz a ela. Como eu iria querer que ela confiasse em mim e me visse como um lugar seguro se na primeira briga, eu parti? Eu a deixei sozinha. De novo.
—Seu silêncio está me dizendo muito, Erik. Eu chamo isso de uma porra de amizade de uma vida inteira!
—Estou fazendo terapia. - Eu digo.
—Isso é bom, cara.
—É bom, eu enxerguei muitas coisas, mas no fim, não consigo mudar nada. Então, qual o ponto?
—Talvez você precise desabafar com um amigo. Não estou dizendo que terapia é dispensável, mas acho que precisamos sempre dos dois. Conversar com o profissional e com o amigo. E eu digo isso sendo os dois. Eu sempre encaminho meus pacientes para um terapeuta e eu sempre digo que eles precisam de alguém para contar. Uma rede de apoio é sempre necessária.
E aí está algo que tem martelado em minha cabeça. Não em relação a mim. Em relação a Flora. Aquelas pessoas que estão lá foram sua rede de apoio em todos os anos. É por isso que ela acha que vale a pena aguentar o chefe idiota para proteger um dos seus. Isso é tão Flora e eu me perdi em ciúme e egoísmo. Eu não pude suportar que ela preferia ficar lá do que voltar para minha vida, mas seu pedido para eu ficar já não se tratou disso?
—Eu apenas senti que não podia. O que ela queria… eu não podia.
—O que ela queria?
—Ela quer ficar lá.
—Então, seria um relacionamento a distância?
—Não falamos sobre isso, a gente tratou tudo como se fosse casual, mas, porra, a bagagem é pesada demais para a gente ser casual. E eu ainda não entendo porque ela quer deixar quem ela é para trás. Quer dizer, eu daria para ela metade dessa empresa se ela quisesse. Eu daria, Bernardo! Porque isso é dela. Por que ela tem que se enfiar numa pousada que não é dela e sofrer com um chefe babaca se ela pode ter o lugar que quiser?
—Erik, ela passou por um trauma. Ela pode ter visto os pais morrerem. O fato dela não dizer ou não se lembrar, não significa que seu subconsciente não se lembre. O corpo tem memória. Mesmo que ela não tenha visto, tudo o que ela passou é o bastante para ela ter traumas a vida inteira. Talvez, ela assimile o dinheiro ao sequestro. O que faria sentido porque se eles fossem pobres, nada disso tinha acontecido.
—Eu sei. Eu sei tudo isso e já tinha pensado em algo assim antes, mas quando eu estava lá com ela e ouvia dela sobre a vida, sobre suas escolhas... Eu não estava controlando minha raiva. Eu não conseguia me conter.
—E aí você fugiu?
—Eu não fugi. Eu me despedi e nesse mês inteiro, tudo o que fiz é sentar e olhar para aquele maldito quadro.
É insuportável. Parece que ele está berrando para mim que fiz a escolha errada.
—Que quadro? Esse?
Ele aponta para uma aquarela que Flora fez para mim. Eu sempre a mantive em meu escritório.
—Não. Outra aquarela. Está em minha casa. Ela fez e eu comprei.
—Você … Comprou?
—Eu não podia só trazer a porra do quadro. O que o dono da pousada ia dizer?
—Cara, você realmente achou que uma conversa faria tudo se resolver? São anos de separação, Erik. É óbvio que vocês discutiriam e é por isso que você precisava ficar lá porque aí vocês se resolveriam. Vocês resolveram algo com você aqui? Você se acalmou?
Eu não respondo porque não quero admitir que ele está certo. Além de não ter me acalmado, as coisas estão piores. A gente não se fala e eu ainda fico imaginando se ela está indo mais a cidade e se aquele cara está feliz com isso. Além disso, estou preocupado se o chefe dela está sendo mais abusivo ou coisa do tipo.
—Mais uma vez seu silêncio me diz muito.
—Sabe, talvez eu esteja quieto pra você ficar também.
—Certo. Eu vou falar uma última coisa e aí encerramos o assunto e vamos almoçar e falar de outras coisas.
—Manda.
—Você é o presidente dessa empresa, é a porra do século XXI. Você virou bilionário depois de transformar a A&B numa empresa de varejo com uma base digital revolucionária.
—E o que isso tem a ver?
Ele revira os olhos.
—Você é mais burro do que eu pensava.
— Talvez minha bola de cristal esteja com defeito. - Falo irritado.
—Estou querendo dizer que você não precisa morar aqui.
As palavras de Bernardo se repetiram em minha cabeça durante nosso almoço. Ele cumpriu o que disse e não falamos mais no assunto, mas eu fiquei pensando em logística. Serra Dourada fica a três horas de carro aqui de São Paulo, mas, a coisa toda do bilionário me permite ter um jatinho para quando as coisas ficarem corridas. Óbvio, não estou pensando em me mudar para Serra Dourada como Bernardo disse, mas talvez eu pudesse ir e passar mais tempo?
Talvez eu pudesse ir sem um número certo de dias e semanas. Preciso pensar mais a respeito, mas meu coração queimando é sinal que preciso fazer algo. Eu não aguento mais. Pensei que minha vida voltaria ao normal, mas é impossível. Sem pensar, pego meu celular. Fico com vergonha ao ver que a última mensagem trocada com Flora foi dizendo que eu tinha chegado bem. Porra. Eu disse que não era um adeus, mas estava sendo. Outra promessa quebrada da minha lista infinita.
Erik: Você está bem?
Ana Flora: Nervosa com a vinda da Charlene. Ela já está quase chegando.
Eu queria estar com Flora nesse momento. Não para intermediar, Charlene não sente raiva, mas eu queria ser o ombro que ela iria chorar depois desse reencontro. Eu a conheço. Sei que vai. Mesmo que seja de alívio.
Ana Flora: E você? Está se cuidando?
Erik: Saudável. Prometo.
Ela não me responde mais, mas quem a condenaria? Se ela me excluiu anos atrás, eu a excluí agora.
Ana Flora: Estou feliz que Charlene vem e vou conhecer a Elaíse. Mas ainda um pouco sem graça com as circunstâncias.
Erik: Como assim?
Ana Flora: Parece que estou me aproveitando, mas ela insistiu e além disso, ninguém da pousada pode ficar cuidando de mim depois da cirurgia.
Minha cabeça começa a girar. Cirurgia? Flora vai fazer uma cirurgia? Meu melhor amigo ficou minutos preciosos falando na minha cabeça e opinando como se minha vida fosse uma novela interativa e ele não me contou?
Eu pego meu telefone e ligo para Charlene.
—Oi, Erik, viva voz com uma criança bem acordada no carro!
Ela atende e diz de imediato. Acho que no fundo, ela sabe que eu xingaria.
—Oi, Char, oi Ela!
—Oi, Tio Rik.
Eu ouço a vozinha fina de Elaíse e quase me acalmo.
—Então… Serra Dourada?
—Sim, era o momento. - Ela diz.
—Você não me contou.
—Eu não sabia se você iria querer saber.
Eu suspiro e conto de um até dez pensando em Elaíse no carro.
—Considerando que sua ida está relacionada a uma cirurgia… Bernardo também não achou que eu fosse querer saber.
—Ele não sabe. Eu não contei a ele o motivo. Além disso, Erik, estou usando isso descaradamente de desculpa. Eu queria ir e me faltava coragem.
—Mas que cirurgia é essa? É perigoso? Eu devo ir também?
Eu pergunto perdendo a paciência e só então percebendo que eu não dou uma foda se Charlene e ela estão fazendo as pazes. Quer dizer, fico feliz com isso, mas foda-se se Charlene está indo ou não. A minha preocupação é com o bem estar de Ana Flora. Eu também vou.
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