Capítulo único
O Reino de Urs nunca esteve tão silencioso.
Sendo o maior dos quatro reinos mágicos, era comum a grande movimentação dos cidadãos, afinal, as terras áridas desse lugar residiam diversas pessoas, as culturas das outras nações se misturavam com as que já existiam no reino, criando assim, novos costumes.
E, consequentemente, a felicidade era presente para esse povo tão trabalhador.
Entretanto, nos últimos dias, as alegres pessoas do reino não estavam sorrindo mais.
Uma insistente nuvem cinza impedia o sol de brilhar, essa inesperada nuvem trazia também um sentimento singular, os corações dos moradores de Urs jamais estiveram tão tristonhos.
Enquanto a maioria da população acreditava que isso era somente uma mudança no tempo, outros acreditavam ser algum castigo dos deuses, porém, ninguém podia dizer o que realmente estava acontecendo com seu amado reino.
Sofia de Vultor, a escolhida para proteger a magia, sentia-se pior que os outros moradores. Não apenas seu coração, mas também a sua alma ansiava por uma solução.
Ela resolveu conversar com seu primeiro mestre e amigo, Naamah.
O senhor baixinho e careca não ficou surpreso por ver sua eterna aprendiz em seu jardim, a garota parou ao lado dele e segurou o vaso com as bonitas flores nas mãos, fazendo Naamah virar sua atenção para ela.
— Mestre, preciso de sua sabedoria — Sofia curvou-se levemente em uma saudação de respeito, Naamah assentiu. — Pode me ajudar? — Perguntou a jovem, esperançosa.
— Sofia, eu já esperava que vinha, vamos conversar dentro da minha casa.
Não demonstrando seu alívio, a menina apenas concordou com a cabeça e os dois seguiram em silêncio para a casa de madeira em cima da pequena colina.
Já na casa, Sofia estava sentada no chão com as pernas em borboleta e as duas mãos seguravam uma xícara de chá, após seu primeiro gole, sentiu estar na hora de começar a falar.
— Mestre, o senhor já deve saber o que está acontecendo em Urs, sinto que há algo um pouco mais complicado por trás, preciso que me diga se estou certa. — Sofia abaixou a xícara, Naamah a encarou seriamente.
— Tem razão, não é o que estão dizendo — Naamah deixou seu chá de lado, a garota ajeitou sua postura. — Essa nuvem está pairando sobre Urs devido ao mundo espiritual, há algo errado com os espíritos.
Por breves segundos, Sofia se lembrou haver dias que não visitava seu lugar favorito, deixar seu corpo e todas as preocupações terrenas indo sentir a harmonia do outro mundo era algo que sentia falta, então, pensou fazer sentido algo ruim ter acontecido.
— Eu tenho que ir ao mundo espiritual, mestre, sinto que é a única maneira de fazer Urs sorrir novamente. — Sofia se levantou, decidida do que faria, não falaria com sua equipe, essa missão seria apenas dela. Além disso, ela estava evitando conversar com eles.
O mestre também se levantou, sabia que sua aprendiz já tinha em mente o que fazer.
— Um sorriso é mais forte que a lâmina de uma espada. Vejo que aprendeu a lição.
— Eu tive um ótimo professor.
Após uma fugaz despedida, Sofia começou a dar entrada no mundo espiritual. A garota respirou fundo e soltou o ar devagar, sentiu um calor que aquecia percorrer desde seus pés até suas bochechas. Gradativamente, seu corpo ficou leve, seus membros pareciam flutuar, assim que finalmente abriu os olhos, se deparou com as cores vibrantes que o mundo espiritual sempre teve, as árvores pareciam brilhar intensamente, o sol estava alto como de costume, suspirou sentindo a paz que aquele lugar tinha. Seus olhos castanhos correram em volta, os espíritos em forma de animais, como coelhos, pássaros e borboletas flutuavam e dançavam pelos ares. Sofia sorriu.
Moveu seu corpo para frente a fim de começar a explorar e descobrir o problema, a cada passo dado, a garota sentia estar chegando perto. Olhou para o chão, os cogumelos vermelhos cintilantes começaram a se levantar e a seguir em seu caminho, eles faziam um zig zag sobre seus pés, Sofia riu.
Essas criaturinhas são tão graciosas, pensou a menina.
Uma forte ventania fez seus cabelos voarem, olhou para cima, um espírito em forma de dragão-serpente amarelo com as garras roxas, pousou em sua frente, Sofia se curvou, o belo espírito fez o mesmo.
— Sofia, que bom vê-la — a voz dele era serena, calma.— Há algo acontecendo, creio que chegou em seu mundo.
— Tem razão, o reino onde estou anda sofrendo, uma nuvem cobriu o sol e a alegria das pessoas se foi.
— O sol sempre vai ser uma fonte onde a sua espécie se renova, é energia viva. Por esse motivo, a melancolia anda presente sobre as pessoas daquele reino — o lindo dragão-serpente explicou calmante, Sofia concordava com a cabeça, até porque, sentia o que eles sentiam. — O problema vem daqui, o espírito Notus está doente, seu choro pode ser ouvido, algo que ele tanto ama se quebrou. Entretanto, minha jovem, para encontrá-lo você precisa enfrentar Iduna, desde que Notus se entristeceu, o terrível espírito de Iduna guarda a entrada de seu templo. É preciso saber ouvir seu insisto, Sofia, e para essa missão, eu a agracio com a benevolência. — O espírito levemente encostou a ponta de sua cauda no peito de Sofia, a menina fechou os olhos aceitando o presente.
— Obrigada, Kvasir, grande espírito de luz. — Sofia o fez uma reverência, o espírito retribuiu.
— Boa sorte, Sofia.— Kvasir desapareceu diante de seus olhos, seguindo o que lhe foi aconselhado, a garota começou a prestar atenção em sua volta para ouvir o choro de Notus, quando realmente se concentrou, conseguiu escutar o pranto do espírito, como se algo mais forte do que ela a guiasse, Sofia seguiu naquela direção.
Conforme avançava, a menina limpou as lágrimas que nem percebeu caindo de seus olhos, via os outros pequenos espíritos a seguindo, as borboletas-azuis, brancas e verdes pareciam dançar sobre o corpo da garota, ela sorriu.
Ao terminar o caminho no campo aberto, Sofia se deparou com uma floresta escura, as árvores eram retorcidas, alguns dos galhos iam parar no chão de tão tortos que estavam, antes de adentrar completamente na floresta, as borboletas pararam.
— Vocês estão com medo? — Sofia perguntou as pequenas criaturas, que continuaram batendo as asas, porém, não se moviam. — Estou com medo também, mas eu quero o sol brilhando sobre Urs novamente, e se você quer algo não pode deixar o medo te consumir... Encontrarei vocês depois.
Mesmo com o coração acelerado, Sofia adentrou a floresta. Assim que seu corpo estava totalmente embaixo das copas das árvores, sentiu um grande frio, segurou em seus braços e começou a caminhar ouvindo os soluços do espírito Notus.
A menina parou quando uma presença estranha parecia a observar por entre as árvores, seu corpo começou a tremer e sua garganta secou. Sofia paralisou ainda mais no momento que seus ouvidos foram invadidos por um barulho de chocalho, o som estridente fez as mãos de Sofia gelar. Ela virou lentamente encontrando olhos vermelhos como sangue a encarando, o som do chocalho aumentou e Sofia engoliu em seco. Como se levantasse, os olhos vermelhos se ergueram ficando o dobro do tamanho da menina, a criatura abriu a boca e enormes presas afiadas surgiram, nessa hora, Sofia deu um passo para trás. Ela não queria ferir nenhuma criatura do mundo espiritual, entretanto, não podia pagar essa decisão com a vida.
Os olhos vermelhos se aproximaram, saindo da escuridão.
Uma assustadora serpente alcançou a visão de Sofia, ela era branca como a neve, seu corpo se desenrolava enquanto ia se aproximando da menina que prendeu a respiração e deu mais alguns passos para trás.
Os olhos vermelhos da terrível serpente pareciam sangrar.
A criatura monstruosa avançou na direção da garota que pulou no chão e saiu rolando para o outro lado, em seguida, Sofia se levantou rapidamente. As suas mãos acenderam por insisto, a criatura voltou a tentar atacar a menina, abruptamente, Sofia acertou uma onda de poder na testa da criatura, antes que a serpente se recuperasse, a garota correu por entre as árvores. Com o medo que lhe alcançasse, Sofia não prestou tanta atenção no caminho. Isso a fez tropeçar em uma raiz alta e perder o equilíbrio, quando percebeu, ela rolava caindo por uma pequena ribanceira e parou sobre uma teia. Ficou com os braços e as pernas presas por entre os fios grudentos.
— Ah, pelos céus, me diz que a aranha que fez isso está bem longe agora. — Sofia sussurrou, tentou desgrudar seus braços, porém, nem chegou perto. — E me diz que a serpente não está me seguindo também!
Gradualmente, usando seus poderes, a menina fez seu corpo brilhar e rompeu a teia, ela caiu no chão quando se soltou completamente.
Sofia se levantou um pouco desconfortável já que a sensação de estar grudada ainda percorria por seu corpo. Olhou em volta, nem sinal da aranha, a menina suspirou aliviada.
Entretanto, quando deu o primeiro passo, viu uma gota de algum líquido verde pegajoso cair em sua frente.
Sofia estranhou, parou de andar e levantou o olhar para cima.
Uma gigantesca aranha preta com as oito patas vermelhas descia por sua teia lentamente na direção da menina, de sua boca, o líquido verde escorria. Sofia gritou tão alto que parte da teia tremeu, nesse instante, a menina fechou os olhos e saiu correndo, não tinha uma direção, mas continuava tentando se salvar. Contudo, sentiu algo grudar em suas costas e a puxar para o chão, a garota começou a ser enrolada pela teia grudenta enquanto era puxada pela terrível aranha.
Ao conseguir encarar o monstro, Sofia tremeu ao ver que ela tinha seis olhos da cor roxa, a menina tentava controlar a respiração, nunca esteve tão nervosa. Nesse momento, a assustadora criatura abriu a boca e Sofia se viu sendo puxada lentamente para a morte.
Por sobrevivência, a menina fez suas mãos acender, a luz branca atravessou as falhas da teia que ela estava enrolada e começou a queimar. A aranha se assustou com a claridade e soltou sua presa.
Sofia, vendo estar na vantagem pela primeira vez, fez outra onda de poder sair de suas mãos e, desta vez, acertou os olhos da abominável aranha.
A criatura gritou de uma maneira agonizante e correu para longe, Sofia respirou fundo.
Essa foi por pouco, a menina sentiu estar se recuperando do susto.
Ouvindo o choro de Notus, Sofia se viu caminhando novamente para essa direção, parecia que seu coração sabia exatamente onde encontrá-lo.
A floresta onde estava começou a ficar mais densa, a todo momento, a garota desviava dos galhos e raízes enormes que saíam da terra de tão grande que eram. Sofia, por um breve instante, teve a impressão que uma das raízes se moveu, porém, por ser tão rápido, ela acreditou que foi sua imaginação.
Entretanto, como se algo se arrastasse no chão, Sofia sentiu que as raízes em seus pés não estavam ali antes, lentamente, ergueu uma perna para sair de onde estava, contudo, seus tornozelos foram enrolados pelas grossas raízes, Sofia caiu no chão e antes que pudesse tentar fazer algo, seu corpo foi erguido abruptamente e ficou pendurado de cabeça para baixo.
— Não confie em raízes. — Sofia revirou os olhos, uma chama branca acendeu em uma de suas mãos, ela encostou nas raízes que se queimou e a soltou. A menina pousou lentamente sobre o chão, seus olhos correram por entre as árvores, do alto de uma das copas, ela percebeu uma criatura sombria a encarando, mesmo sentindo medo, Sofia estava determinada que seria mais uma ameaça que ela se livraria. O ser pulou e parou em sua frente, sua cabeça parecia a de um chacal, seu corpo era escamoso, e possuía espinhos. Os olhos dele eram vazios, cinzas. Sofia engoliu em seco.
— O que uma criança faz no lado sombrio do mundo espiritual? — A voz do espírito se confundia com um rosnado, a menina sentiu um arrepio.
— Não sou criança, tenho dezoito anos, e mais, estou tentando ajudar o espírito Notus. — Sofia cruzou os braços, o ser inclinou a cabeça levemente.
— Há luz em você, por isso está sendo tão perseguida pelas criaturas obscuras, é como um ponto brilhante na escuridão, fácil de se encontrar.
— E o que eu deveria fazer? Não posso deixar de ser quem eu sou por medo de se machucar ou que me machuquem. — Sofia engoliu em seco, talvez não fosse mais um ser que vai machucá-la, porém, seu coração ainda estava assustado.
— Tem razão, mas preste atenção naqueles que cruzarem seu caminho, sua bondade faz bem ao seu espírito, contudo, criança, devo dizer que precisa estar alerta, você pode ajudar o espírito tendo sua delicadeza como base...
— Estou perto, não é?
— Está — ele olhou para frente, desviando da menina, Sofia olhou na mesma direção, pequenos fragmentos cintilantes formaram um caminho, eles iam se iluminando conforme alcançavam o campo de visão de Sofia. — Siga os pontos, eles te mostraram o espírito doente.
— Obrigada. — A menina tentou agradecer, porém, o ser misterioso já havia sumido.
Após passar os últimos minutos seguindo os pontinhos cintilantes, Sofia encontrou uma gruta, o pranto do espírito parecia estar sobre seus ouvidos, a menina entrou na água, mergulhou indo para o outro lado, quando encontrou a cascata, sabia que o espírito estava ali, podia sentir.
Sofia nadou até alcançar à terra, por dentro, a caverna era escura e úmida.
Notou marcas de garras pelas paredes da gruta, no chão, manchas de sangue fresco. Sofia sentiu um arrepio.
Ao dar o primeiro passo, as paredes da gruta começaram a tremer, Sofia se segurou firmando os pés no chão, tentou encontrar o que causava esse tremor e percebeu um par de olhos em chamas.
Com o susto, a menina quase caiu para trás. O ser que possuía os apavorantes olhos foram lentamente saindo da escuridão da caverna, Sofia arregalou os olhos ao ver completamente a mais terrível criatura.
O corpo estava todo repartido, como se de uma horrível maneira foi totalmente dilacerado, a carne e o sangue estava totalmente expostos, a cabeça do ser era remendada, espinhos atravessados, os olhos pareciam fogo.
Sofia deu mais um passo para trás.
Seria essa criatura Iduna? Pensou a menina.
Lentamente, o apavorante ser se levantou, as chamas de seus olhos pararam sobre o corpo de Sofia, rapidamente, ácido lançado pela boca entre cortada e sangrando da criatura fez a menina desviar para o canto, Sofia esticou os braços para frente, um escudo brilhante tampou seu corpo de mais ácido que o terrível monstro a lançou.
Esse, se irritou com aquela humana que ousou incomodá-lo, bateu seus longos braços no chão fazendo um grande tremor que até soltou algumas rochas que estavam penduradas na parte de cima, com a pressão, Sofia se desequilibrou e caiu sentada, porém, manteve seu escudo.
— Vá embora! Deixe-me em paz! — O ser gritou, e bateu novamente os braços no chão, Sofia rolou pelo chão, pois uma rocha quase caiu sobre seu corpo. — Quero ficar sozinha!
A menina ouviu aquela voz fraca, de sofrimento, dor e angústia. Ultimamente, ela sabia o que significava querer estar sozinho. E sofrer sozinho também.
Aquela missão não era sobre habilidades mágicas, não adiantaria lutar contra Iduna, se ela quisesse encontrar Notus teria que ser de outra maneira.
Sofia foi se aproximando ainda com seu escudo, a criatura, com medo da luz se afastou indo para o fundo da caverna.
A garota ouviu aquele choro novamente, alto e carregado de tristeza. Sem perceber, caminhava para perto do horroroso ser.
Com vergonha de sua aparência, a criatura escondeu o rosto na parte escura onde a luz não alcançava.
— Você não está com medo de mim?
— Não. Eu deveria? — Sofia fez o escudo sumir, e sentou ao lado dele. O monstro não entendia como um humano, seres naturalmente ligados a aparência e beleza, principalmente, julgam por conta disso, como um ser daqueles podia estar tão perto e não sentir repulsa.
— Os iguais à você tem. Supus que também teria.
— Você está me julgando sem nem me conhecer, isso não se faz, Iduna. — Sofia a encarou seriamente, a criatura abaixou a cabeça envergonhada.
— Sinto muito. Não quis a magoar, desculpe.
— Tudo bem. Você sabe onde está o espírito Notus, tenho que ajudá-lo! — Os olhos castanhos de Sofia percorreram o restante da caverna, estranhou não ter nenhum sinal do espírito.
— Notus... — Iduna murmurou, Sofia a encarou em expectativa. — Ele foi embora quando eu apareci, deve ter ficado assustado.
— Tem certeza? Desde que cheguei no mundo espiritual estou seguindo o som do seu pranto, ele me guiou até essa caverna, então, eu encontrei você. — Sofia parou os olhos sobre Iduna, mesmo com tantos cortes e machucados, os olhos que queimavam e o rosto remendado, a menina sentia o que ela sentia. O medo de sair da caverna, de aceitar quem realmente é, e de deixar que outras pessoas se aproximem era compartilhado por ambas. Sofia sorriu tristemente, pois, por dentro, era como a assustadora criatura.
— Deve estar chateada, pois me encontrou e não encontrou ele, lamento.
— Não estou chateada por isso, Iduna, encontrar você me fez entender mais de mim, é engraçado, pois quando entendemos outro alguém, acabamos entendendo a nós mesmos. Estou feliz por encontrar você.
— Eu também estou feliz por encontrar você, queria te dar um presente, mas a única coisa que tenho se quebrou. — Iduna colocou a mão sobre os olhos, porém, elas não se queimavam com as chamas. Na verdade, nesse instante, elas se apagaram.
— Eu não me importo com o que está quebrado, posso ver? — Sofia sorriu, Iduna assentiu. Diante delas, um pequeno espelho de prata, com uma joia vermelha atrás partida no meio surgiu.
— Era onde eu me via, agora, sei que não posso mais fazer isso. Sou um terrível monstro!
Sofia pegou o espelho com as duas mãos, ouviu aquele choro novamente, não entendia como, mas fechou os olhos e abraçou o espelho. Podia visualizar perfeitamente seu corpo se iluminando conforme se concentrava, pequenos fragmentos dourados caíam sobre a caverna como neve, Sofia sentiu estar chorando, nunca quis tanto chorar.
Quando abriu os olhos, a menina se deparou com a caverna mais iluminada, a criatura ao seu lado não tinha medo da luz, na verdade, encarava os pontos tentando alcançá-los. Sofia riu.
Tirou o espelho que estava sobre seu peito, em volta do objeto de prata, luzes azuis, vermelhas e amarelas dançavam. Sofia viu que a pedra voltou a ficar completa, era uma única, não duas metades. Delicadamente, pousou sua mão no braço de Iduna, o ser virou a cabeça na direção dela, por alguns instantes, ela ficou calada. Não acreditando que seu amado espelho estava de volta, o espelho que lhe foi presenteado por alguém que tanto amava.
— Não é apenas um espelho que mostra sua beleza, você pode se ver pela água do rio também. — Sofia a entregou o espelho com um sorriso doce, Iduna, a terrível criatura, demonstrou um sorriso, mesmo com os cortes e machucados em seu rosto. — Mas já percebi como esse espelho é importante para você. E nós temos que fazer o que nos faz feliz.
No momento que Iduna segurou o espelho com as duas mãos e aproximou o rosto para ver seu reflexo, a base do objeto começou a brilhar, o horripilante corpo da criatura levitou saindo do chão da caverna e uma chuva dourada caiu sobre ela, Sofia se levantou assustada, não entendia o que estava acontecendo.
Gradualmente, o terrível monstro foi se transformando em uma bela mulher.
As cicatrizes viraram flores, o sangue um belo manto azul e seus olhos que antes queimavam, agora, eram da cor violeta. A cor mais bonita que Sofia já viu.
Quando os pés da mulher tocaram no chão, ela abraçou o espelho e sua atenção voltou a Sofia.
A menina estava com as duas mãos sobre a boca e os olhos arregalados.
— Vem cá, criança, sou eu — a mulher abriu os braços e se abaixou ficando na altura de Sofia, ainda assustada, ela a abraçou. — Você me fez ver a minha beleza sem estar bonita, você consertou meu espelho. Obrigada.
— Eu não entendo, onde está Notus? — A menina perguntou, ainda confusa, a mulher riu.
— Sou eu. Quando perdi meu espelho fiquei tão triste que não via beleza em mais nada e nem em mim. Eu só queria ficar nessa caverna e não sair mais. Porém, você chegou e me mostrou que para fazer um amigo não precisamos ser bonitos, apenas gentis.
Sofia a abraçou novamente. Desta vez, estava mais feliz do que nunca.
Quando voltou para o mundo físico, Sofia respirou fundo. A primeira coisa que fez foi olhar para o céu, o sol brilhava e a peculiar nuvem havia ido embora.
Enquanto a menina caminhava pelo Reino de Urs, ouviu os moradores falando sobre como em um momento, o céu ficou vermelho, como sangue, porém, em seguida, ele foi voltando ao belo azul de sempre.
As histórias sobre o motivo que causou esse fenômeno no céu não paravam, e nenhuma chegou perto da verdade.
Sempre que alguém comentava sobre esse dia, Sofia sorria e se lembrava da amizade que fez. Mas nunca contou para ninguém. Era uma experiência que seria apenas dela.
Contudo, o dia 31 de outubro ficará gravado na memória daqueles cidadãos que viram o céu ficar na cor de sangue enquanto o espírito estava sendo curado. E que, consequentemente, eles passaram essa história pelas gerações.
Mas quem sabe o nome que esse dia terá no futuro...
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