Capítulo XXIX - As sombras sussurras os segredos que há eras elas escondiam
Suaves nebulosas retentoras de profundas colorações hipnotizantes como um delírio febril enfeitam o estrelado céu de Nemeton. A ausência de qualquer ruído permite a vida adormecer pacificamente sob o aconchegante manto esverdeado dos bosques onde a maioria dos britânicos vive. E estilhaçando acidentalmente o silêncio, Diarmuid fecha delicadamente a porta de seu palácio, logo ao sair dele, entretanto qualquer som aparenta ser um estrondo durante a madrugada, o que assusta Elin.
— Está tudo bem?
— Sim — força um pouco para sorrir, estando com o olhar um pouco pesado de sono.
— Deseja que eu te acompanhe até o seu palácio? Você parece cansada — Elin balança a cabeça, em sinal afirmativo, e ele esboça um suave sorriso.
O harmonioso sussurrar dos ventos que percorrem as solitárias trilhas da cidade traz a estimada tranquilidade que esteve distante dos dois duques, que trabalharam durante todo este dia e toda esta noite, desde o amanhecer até as trevas abissais dominarem o céu. Não por haver muitos problemas a serem resolvidos, afinal seus subordinados já estão protegendo Adriel como o ordenado, ambos apenas perderam qualquer noção existente de tempo devido ao simples fato de estarem na presença um do outro.
Eles caminham devagar nas solitárias ruas adornadas por gigantes estruturas de madeira situadas no interior de uma floresta. A iluminação provinda das pequeninas estrelas e das esplendorosas asas das fadas que voam entre as árvores colossais é fraca, todavia ainda é capaz de clarear Nemeton.
Desviando um pouco do caminho até a fenda, Diarmuid guia Elin a um lago detentor de uma profunda coloração turquesa brilhante, situado na encosta de uma das montanhas. A flora é mais densa, cobrindo a luz do cosmos, e não há nenhum ser vivo além deles nas proximidades, restando apenas uma iluminação azulada que emerge das águas.
— Elin — diz tocando suavemente no rosto dela, falando calmamente —, eu tenho algo importante para te pedir — a esperança que reluz no olhar da elfa encontra-se com os seus olhos ternos — Você já adivinhou o que é, não é?
— Eu aguardo por este momento há muito tempo.
— Antes de prosseguirmos, é preciso que não exista nenhum segredo entre nós, não seria justo para ninguém aceitar a se casar com alguém que não existe — ele retira a máscara de cervo, que aparentava ser uma só com o seu belo rosto gentil e chifres selvagens — Eu não sou bom.
— Muito menos eu, Diarmuid.
— Eu assassino, eu engano, eu suborno, eu manipulo… a lista é longa — quanto mais ele fala, mais a expressão de seu rosto contraí.
— Eu também.
— Tudo isso, pelo bem de minha família — suspira.
— Suas intenções são nobres. Eu cometo inúmeras crueldades apenas para me manter com um poder que eu nem mesmo possuo o direito sobre ele, um poder que meu pai roubou de Odin Aesir.
— Somos dois pecadores — diz com o olhar baixo, e Elin aproxima-se, segurando a mão dele.
— Eu aceito me casar com você.
— As alianças! — ele procura algo em seus bolsos, enquanto Elin apenas ri — Encontrei! — Em suas mãos, cintila o deslumbrante brilhar de dois anéis de prata adornados com diamantes. Elin estende a mão esquerda dela para o seu noivo colocar a aliança, depois, Diarmuid coloca o seu anel em si mesmo.
Poucas horas adiante, o manto noturno esvai-se do céu de Nemeton. O esplendor das estrelas-gêmeas emerge das profundezas mais abissais do horizonte e ascende gloriosamente no lençol azul. Ainda cedo, Aedan acorda. E antes mesmo de se passar ao menos uma hora desde quando o marquês entrou em seu escritório, ele ouve uma batida na porta e levanta-se para abrir. Dois amigos, que ansiosamente o aguardava como se fossem duas crianças, olham para cima, fazendo contato visual com ele. Eles se cumprimentam educadamente e Aedan convida-os para entrar. Cerberus e Sam sentam-se um do lado do outro na mesa, estando diante do marquês.
— Parece-me que os senhores possuem novidades.
— Sua impressão está correta — diz Cerberus — E ela é péssima… — suspira, reunindo coragem — O Adriel foi assassinado.
— Perdão, o quê?
— Ele foi acusado de roubar informações sobre as relações comerciais da casa Okeanós e vender no submundo, por isso, foi executado. Suspeitamos que possa ter ocorrido alguma conspiração contra ele e esta acusação seja falsa.
— Por que a suspeita?
— Antes de ontem, o duque de Eyrwisdom, enquanto estava presente na câmara de Jerusalém, sentado ao lado do Adriel, observou que um dos servos do palácio ofereceu a ele um chá, e depois dele recusar, o servo sutilmente aparentava temeroso, como se tivesse recebido a ordem de fazê-lo beber este chá e seria punido caso não cumprisse. Imediatamente, o duque de Eyrwisdom nos contactou, imagino que o senhor ainda não tenha visto a mensagem por ter estado ocupado ultimamente, entretanto ele buscou vários aliados para proteger o Adriel. Entre este acontecimento e a madrugada de hoje, houve outra tentativa de assassinato, antes de executá-lo oficialmente.
— A identidade dele foi descoberta?
— Talvez. Não sabemos quem desejava matá-lo e nem os motivos.
— Avisaram ao Diarmuid que nós falhamos em proteger o ex-príncipe?
— Ele ainda está dormindo.
— Entendo — as feições dele, outrora tão sombrias quanto a oculta natureza dos seres mortais, possui a suavidade e gentileza de uma mãe, enquanto dirige seu olhar para o Sam — Meus pêsames, apesar de tudo, ele ainda era o seu familiar mais próximo.
— Está tudo bem, o nosso relacionamento já se rompeu há muitos anos — fala forçando a voz e tenta suspirar, com uma respiração um pouco falhada, e lágrimas escorrem em seu rosto.
Cerberus abraça o seu amigo, que logo se levanta e eles despedem-se do marquês. Apesar de que Sam disse a verdade, é inevitável não possuir nenhuma afeição pela aquela criança de seu tio e pai adotivo que ele conhece desde o nascimento e a presenciou crescer, como se fosse seu irmão mais novo.
Sam é capaz de retornar a sua postura amigável e descontraída ao atravessar a porta, e agora que todos os seus trabalhos do dia foram terminados — adiados para amanhã — ele não preocupa a sua mente com nenhum outro assunto. Após sair do prédio, Sam apenas procura uma árvore, sobe nela e adormece, enquanto Cerberus permanece perto dele, porque possui a certeza de que seu amigo precisa de sua ajuda.
Horas escorrem como a água de uma cachoeira retentora de uma coloração cristalinas e nunca mais retornam. Quando as estrelas-gêmeas dominam o centro do céu, um canário de penas douradas pousa em cima dos cabelos loiros de Sam, fazendo-o acordar às pressas e cair da árvore, porque havia se assustado com as patinhas do pássaro encostando nele.
— Está tudo bem? — pergunta após retornar a sua forma humana, porque nenhum cão de três cabeças é capaz de falar.
— Estou — se levanta enquanto retira as folhas do tecido negro de suas roupas e começa a rir — Era apenas um pássaro?
— Sim, um pequeno.
— Estamos longe de Nemeton?
— Aqui é Nemeton.
— Ah, é mesmo. Já nos encontramos com o Aedan?
— Há algumas horas atrás, antes de você dormir.
— Espera… — diz para si mesmo — eu ainda estou acordando… — fecha os olhos, para terminar o download da alma — pronto!
— Você deveria descansar um pouco.
— É o que farei, é desnecessário preocupar-se comigo, continue seus afazeres, eu prefiro ter um tempo sozinho por enquanto.
Os amigos se despedem e Sam caminha rumo a uma fenda abandonada qualquer. Ele atravessa para o mundo humano e anda por inúmeras horas na terra efêmera, evitando territórios pertencentes a algum ducado que não seja o britânico, até chegar escondido à Jerusalém, que está coberta por um escuro manto estrelado retentor de uma exímia perfeição.
Em um terreno comprado por sua família há milênios, que ninguém além deles conhecem a existência, há memoriais para todos os Hazael que faleceram em algum momento de instabilidade política que roubou deles a chance de serem enterrados ao lado de seus antepassados, no cemitério da família real situado no reino absconditus, além de outras homenagens.
Sam anda calmamente, procurando o memorial de Azriel e Clarence — o rei e a rainha nem mesmo tiveram a chance de possuírem um enterro digno. Primeiro, os seus olhos encontram um monumento de mármore que ele dedicou ao seu pai, Asferel Hazael. Apesar de que este gentil vampiro de longos cabelos loiros e confortantes olhos escarlate possui um túmulo no reino absconditus, Sam decidiu manter unidos até na morte os irmãos inseparáveis.
Abaixo da estátua do pacífico Asfer montado em seu cavalo branco, há uma tempestade de sangue em poucas palavras, onde está escrito: “Perseguindo a paz, em tentativa de reconciliação com os humanos japoneses em mil novecentos e quarenta e cinco, ele foi morto pelos próprios aliados, que destruíram uma cidade povoada por inocentes para intimidar o inimigo”. Ao lado dela, está o memorial de Azriel e Clarence sob uma bela estátua de mármore do casal.
Sam, esforçando-se, despende horas construindo um memorial para o seu primo naquelas pedras disponíveis aos Hazael em luto que as utilizariam no futuro perante trágicas circunstâncias. Ele não é capaz de lapidar nenhuma estátua em mármore, entretanto alguém poderia fazê-la mais tarde.
Antes de sair, Sam coloca lírios-brancos debaixo da estátua de Asferel. E estando diante daquela frase escrita por ele no memorial, seus olhos a percorre rapidamente, contra a sua vontade, e lágrimas escorrem deles.
A sensação de injustiça é como uma inundação elevando a sua altura, estando prestes a submergir qualquer ser vivo na escuridão sufocante sem ao menos oferecê-lo qualquer chance de lutar e ela seria mortal caso Sam conhecesse a verdade, caso ele soubesse da conspiração para exterminar os Hazael criada por aquele misterioso capitão “alemão” que havia sido “morto” com um tiro no pescoço disparado por ele.
Apenas uma hora após Sam ter saído do ducado britânico, Diarmuid acorda. A cama coberta por lençóis brancos desordenados é tão caótica quanto as roupas amassadas do duque. Antes de se levantar, ele olha para a aliança em seu anelar e sorri, depois, prossegue com suas obrigações.
Diarmuid não atrasa ainda mais despendendo muito tempo se arrumando, ele apenas veste uma calça marrom e uma camisa branca do século dezenove de gola alta que cobre a cicatriz de seu pescoço, coloca a sua máscara de cervo e retorna para a sua falsa postura de tímido e inseguro.
Antes de sair de seu quarto, já estando de pé próximo à porta, Diarmuid verifica as mensagens recebidas em seu celular. Cerberus explicou a ele tudo o que aconteceu e avisou que o Aedan está ciente dessas informações.
As feições do duque estremecem a cada palavra lida, não fazia parte de seus planos que Adriel saísse da corte real tão cedo, era o trabalho dele preparar o caminho para a chegada de outros Hazael ao reino absconditus. Diarmuid suspira, talvez Mikhael Hazael terá que esperar mais para observar, impotente dentro da prisão, a família dele perecendo do mesmo modo que ele acabou com a vida de inúmeros Eyrwisdom eras atrás.
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