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Capítulo IX - Uma surpresa só acontece quando se tem certeza sobre o incerto

Adriel afasta o tecido escarlate da entrada da tenda, permitindo que a imponente luz dourada entre e mergulhe a sua casa em uma delicada iluminação. Ele atravessa a porta e deixa as suas malas na lateral sem antes observar o seu redor, entretanto, Fenrir corre descontroladamente na direção dele, é incapaz de frear e derruba tudo, incluindo os dois.

O lobinho possui a respiração ofegante e lambe Adriel como se fosse um cachorrinho pequenininho, esquecendo-se de possuir qualquer noção de seu tamanho. Arthur percebe a chegada de seu amigo e sorri, Adriel também sorri, sendo mais contido, e ajeita o seu tapa-olho que o Fenrir entortou.

— Ajude-me aqui, você poderia comprar mais curativos? — a tonalidade de sua voz é baixa.

Os gigantes pelos negros do lobinho saem da visão de Adriel, o permitindo ver que há alguém deitado próximo do Arthur, aparentemente é um garoto que possui cerca de vinte anos. O desconhecido é retentor de curtos cabelos negros, que contrastam com uma pele clara como a neve, e utiliza um sobretudo escuro rasgado e manchado de sangue que sobrepõe uma camisa e calça negras.

— Eu irei.

Os dourados raios celestiais refletem no espelho esmeralda do olhar de Adriel quando ele atravessa o manto escarlate que cobre a entrada de sua tenda. Um azul delicado cobre o céu como se fosse estrategicamente posicionado por um artista retentor de uma exímia competência e reluz sem nenhuma nuvem para cobri-lo. O silêncio reina e, conforme Adriel anda ao lado da rodovia em direção ao centro de Berseba, os ruídos de uma cidade repleta de vida surgem, prédios adornam as ruas, e carros dominam as avenidas. 

No caminho, ele se encontra com um Hazael que está meio deitado e meio sentado em cima de uma construção em andamento “descansando” porque este “longo” dia de “trabalho” foi “cansativo” e uma pausa é agradável. Ambos cumprimentam-se e Adriel chega ao mercado.

Há inúmeras lojas repletas de mercadorias uma ao lado da outra com comerciantes anunciando seus produtos e clientes comprando. O olhar de Adriel passa rapidamente por todas elas, procurando por uma específica que vende artigos medicinais, ele a encontra e rapidamente compra o que deveria.

Na saída, ele quase derruba o que acabou de comprar porque está apressado, entretanto, recupera o equilíbrio com facilidade e retorna para casa.

Adriel aproxima-se do druída que está tão concentrado cuidando do desconhecido que não percebeu a sua chegada e entrega o que comprou sem receber a atenção dele, que apenas termina de fazer os curativos. Arthur, desejando que o seu paciente descanse, se afasta dele e sinaliza para Adriel fazer o mesmo. O vampiro encosta em uma almofada no canto esquerdo da tenda e Arthur, respirando ofegantemente devido ao cansaço, reclina-se ao lado dele. 

— O que aconteceu? — questiona Adriel, não esquecendo da pergunta que incomoda-o.

— Eu o encontrei quase morto, então o ajudei.

— Você sabe o por quê dele estar assim?

— Não, ele ainda não acordou e eu o encontrei sozinho, entretanto, não me parece que foi um acidente.

— Concordo, esses inúmeros cortes são feitos por lâminas afiadas, talvez facas ou adagas, não tem como não ser proposital.

— Facas ou adagas… — diz pensativo, porque não havia percebido este detalhe.

— Fique aqui cuidando dele, hoje eu irei trabalhar sozinho — faz contato visual com o olhar perdido da realidade de Arthur.

— Não, você deveria descansar hoje, a viagem certamente foi cansativa.

— Para descansar, existe o Shabat, todavia, hoje é quinta-feira.

— Isso não significa que você não pode descansar nos outros dias também.

— Eu tenho muitas responsabilidades e não devo negligenciá-las.

— Mas vale a pena? Estamos bem financeiramente, você é um comerciante bem sucedido, não há nada a perder por descansar durante um dia. Na verdade, seria uma benção, afinal, de que valeria uma vida constituída apenas de trabalhar?

— Você parece mais sábio.

— Ganhei muita experiência nas últimas semanas… Isso significa que você concorda comigo? — um sorriso enfeita os seus lábios e seus olhos reluzem.

— Tudo bem, eu fico em casa hoje.

Algumas horas se passam, durante este tempo, Adriel apenas prepara um lanche simples que compartilha com Arthur e ambos permanecem quietos, conversando baixo para não incomodar o desconhecido. Arthur percebe que o seu paciente está acordando e aproxima-se dele.

— Se sente melhor? — o pequeno druída se abaixa e faz contato visual.

— Could you speak English? I don't understand Hebraic — pergunta, sabendo que Arthur é um britânico e inglês é um idioma que ambos dominam.

— Sim, poderia. Eu havia perguntado se você se sente melhor.

— Eu estou bem, não é nada demais estes ferimentos — e tenta se mover, entretanto, seu rosto se contrai em uma expressão de dor e ele apenas direciona seu olhar vago e distante para cima, desistindo de se levantar.

— Você não deve se esforçar tanto — aproxima-se gentilmente com a ternura de um médico.

— A propósito, como você se feriu tanto? Ou melhor, por que você foi esfaqueado? — interrompe Adriel.

— Ah, é que eu contrariei o Damon Okeanós.

— O que? Você é um absconditus!? — questiona Arthur, com os olhos arregalados.

— Sim, eu sou o Cerberus.

— Como um grego conseguiu entrar em nosso território? — pergunta Adriel, mantendo sua postura séria e impassível.

— Eu precisei fugir do reino absconditus, então, contei com a ajuda de um Hazael.

— Quem?

— Sam Hazael, e eu deveria encontrá-lo, vocês poderiam me dizer como eu posso ir até ele? — e tenta reunir esforços, desejando se levantar.

— Não se mova, suas feridas podem se abrir novamente — estas palavras são desnecessárias, Cerberus é incapaz de se levantar sozinho ou se movimentar demais.

— Ele mora aqui perto, eu posso chamá-lo se preferir, não é bom que você se esforce demais — apesar das palavras gentis, seu rosto é tão sério quanto o de um general preparado para despedaçar seus inimigos da maneira mais cruel jamais imaginada pela humanidade.

— Obrigado.

Adriel dirige apenas um olhar a Fenrir e o lobinho já entende o que deve ser feito. A criaturinha fofinha que estava sentada no canto da tenda, levanta-se e se senta ao lado de Cerberus. Os olhos rubros que refletem rubis mergulhados em um mar carmesim surgido do líquido que escorre das espadas de ferozes guerreiros mantém-se fixo no absconditus que Fenrir possui a missão cuidar dele, e a linguinha caída que derruba saliva revela a postura relaxada de alguém que acredita ser capaz de cumprir o que lhe foi designado.

— Vamos nos encontrar com o Sam — diz para Arthur, que concorda fazendo um gesto afirmativo com a cabeça.

Adriel e Arthur encontram a calçada de um prédio em construção onde um “homem” loiro de pele bronzeada com roupas antigas e esfarrapadas está deitado de modo relaxado na laje, certamente cochilando. Qualquer ser normal o julgaria como irresponsável porque não seria difícil cair de vinte metros de altura devido a qualquer descuido. Adriel percebe que há um homem na entrada da construção, se aproxima e o cumprimenta educadamente.

— Licença, eu poderia falar com um dos trabalhadores daqui?

— Se desejar, eu entrego o recado.

— Avise ao Sam Hazael que o amigo dele já está em minha casa o esperando.

— Claro, e eu deveria dizer que a mensagem é de quem?

— Adriel Hazael.

— Oh, você é um familiar dele?

— Sim.

— Fico feliz em saber que ele tenha alguém, às vezes penso que ele é muito solitário, espero que eu esteja errado.

— Não há necessidade de preocupar-se, o Sam é apenas esquivo de situações sociais, ele prefere ir dormir.

— Isso eu já percebi — ri.

Interrompendo a conversa dos dois, um jovem loiro aparece ao lado deles apoiando-se em uma corda que ele usou para pular dos andares superiores até o solo. O inspetor apenas observa, acostumado com as excentricidades e habilidades físicas extraordinárias de seu colega de trabalho.

— Oi, Adriel — sorri, mostrando suas alvas presas mais afiadas que mil agulhas, entretanto, ele não aparenta intimidador. 

— Oi, Sam, quando você não estará ocupado?

— Agora, eu já terminei o meu trabalho de hoje.

— Ainda é de manhã e você já terminou? — pergunta Arthur.

— Sim, eu sempre tento ser rápido para poder me livrar do trabalho.

— E depois dormir em lugares perigosos — ironiza o inspetor.

— Que perigoso o quê, eu sou um vampiro, uma quedinha não me mata não.

— O único que acreditaria nisso é o meu filho mais novo, ele vive me dizendo que você é um vampiro.

— E ele está certo.

Adriel ri discretamente e Arthur permanece confuso, como sempre, com a facilidade que os Hazael possuem em revelar a identidade deles e, apesar disso, ninguém acredita na existência de vampiros.

— Enfim, hoje estou indo embora mais cedo, Levi — e despede-se de seu colega de trabalho com um gesto que é retribuído.

Os três absconditus atravessam a entrada da tenda, desviando do tecido escarlate, e são recebidos com o olhar fofinho de Fenrir, que percebeu a movimentação deles e os aguardavam ansiosamente. Sam aproxima-se de Cerberus, tranquilamente.

— Ih, você está acabadão — ele o encara de cima, prestes a rir.

— Nem comece — e vira para o outro lado, ficando de costas para o Sam.

— Como isso foi acontecer? — seu tom de voz torna-se sério.

— Eu estava guardando a entrada da Cidade de Atlântida, como de costume, entretanto, oficiais do rei apareceram e tentaram me obrigar a lutar contra os Eyrwisdom...

— Minha espécie está bem!?

— Sim, eles são extremamente espertos e capazes de resistir — ele não diz tudo, para evitar preocupações inúteis.

— Você recusou e teve que fugir? — diz Sam, retornando ao assunto.

— Sim.

— Eu sinto muito, espero que você possa suportar tudo isso… não é nada agradável ser exilado, não poder mais voltar para sua casa, não saber se as pessoas que você se importa estão vivas…— o tom de voz dele oscila e torna-se mais baixo.

— Há o que fazer quanto a isso, destronaremos Damon Okeanós.

— Não seja precipitado, esses tipos de revoluções nunca trazem bons resultados.

— Eu a obrigarei a trazer bons resultados, mas, algo meio ruim ainda é melhor do que a nossa situação.

— Primeiro, devemos nos preocupar em cuidar de você, depois, pensamos nos assuntos do reino — suspira, com os punhos cerrados.

Adriel apenas observa distante a conversa dos dois amigos que certamente se estenderá por um longo tempo. Ele não desvia o seu olhar esmeralda deles porque sabe muito bem que não deve confiar na lealdade de nenhum absconditus, entretanto, não interfere, caso eles sejam inimigos, é uma boa estratégia mantê-los por perto como se fossem amigos próximos.

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