20| Garotos não se iludem
Nas redes sociais o assunto jogo de basquete estava no auge e Taehyung já estava de saco cheio, mas como não havia nada para se fazer naquela noite de quinta-feira ele aceitou que não passaria daquilo; ficar deitado enquanto via o pessoal postar suas apostas sobre a partida do dia de amanhã. Todos estavam acreditando que o jogo seria uma catástrofe, alguns chutavam que o time adversário daria uma surra no time da casa e o nome de Jeongguk era mencionado na maioria dos posts. Alguns lamentavam sua ausência, outros estavam convencidos que se o time perder colocariam toda a culpa no capitão ausente, afinal, ele era o responsável pela maioria das vitorias durante os anos.
A cada vez que o nome do rapaz era mencionado, Taehyung suspirava e rolava a tela rapidamente reprimindo a vontade de responder aqueles abutres que pareciam ter um fetiche estranho em falar do garoto pelas suas costas.
Além disso, sempre que se lembrava de Jeongguk, acabava se lembrando do quanto foi estranho o último encontro naquela tarde, o quanto ele parecia diferente e distante, Taehyung queria entende-lo, porque só assim podia ajuda-lo, mas infelizmente para Jeongguk, reprimir tudo aquilo parecia bem mais interessante e isso irritava o Kim profundamente.
O celular apitou indicando uma mensagem e Taehyung correu ansioso para abrir esperando ser Jeongguk, mas soltou um suspiro — que torcia para não parecer obviamente decepcionado — quando leu o nome de Jimin.
[Jimin-ah]
|Eu e o Hobi estamos indo pra aí
|e nem adianta arrumar desculpa, sei que está sozinho
|já separa as cervejas que eu sei que você tem
Taehyung estranhou, mas não rebateu, se levantou e foi destrancar a porta para facilitar quando chegassem. E isso não demorou a acontecer, Taehyung estava na cozinha fuçando sua geladeira a procura do resto de cerveja que possuía ali quando seus amigos chegaram fazendo barulho, estavam discutindo desde o corredor e quando abriram a porta o som só ficou mais audível.
—... Hoseok, eu vou te bater se não calar a boca. — Jimin ralhava e Hoseok gargalhava.
— Ele não é tão ruim e parece gostar de você. — Hoseok rebateu, Taehyung se sentou diante a mesa redonda de quatro lugares quando os dois entraram na cozinha carregando sacolas com salgadinhos. — Você deveria dar uma chance.
Jimin revirou os olhos colocando as sacolas em cima da mesa diante de Taehyung.
— Eu já dei uma chance, ele desperdiçou quando sujou minha jaqueta da Gucci com refrigerante. — Jimin resmungou arrancando uma risada exagerada do Jung e um olhar confuso de Taehyung que ainda parecia por fora do assunto — Oi, Taetae.
— Sobre o que estão falando?
— Sobre o fato do Namjoon nem esconder que tem uma quedinha pelo Jimin e não cansar de ser pisado. — Hoseok brincou, Jimin bufou irritado — O coitado só falta latir.
— Deveria, é um cachorro. — Jimin ralhou de queixo em pé e completamente irredutível. Taehyung deu risada.
— Eu pensei que tivessem saído. — observou abrindo os pacotes de salgadinho e deixando a disposição de todos, assim como as garrafas de cerveja que Jimin não perdeu tempo em abrir e começar a tomar.
— E saímos, mas quando finalmente achei que ia rolar alguma coisa o filho da mãe deixou refrigerante cair na minha jaqueta — reclamou exasperado, enquanto Hoseok parecia prestes a cair da cadeira de tanto rir, Taehyung se perguntava se o amigo não exagerava demais, Namjoon sofria na mão do baixinho — Aquela merda custou 100 mil wons, eu sou lindo, mas ainda não ganho dinheiro com a minha beleza, porra.
— Jimin não entende que esse é o charme dele, ser desastrado vem com o pacote homão da porra de qualidade — Hoseok explica e Jimin solta uma risada irônica. Taehyung balança a cabeça sorrindo, ter seus amigos ali era o que precisava para se distrair dos problemas.
— Chega de falar daquele cabeça de vento — Jimin soltou de repente querendo fugir do assunto, voltou sua atenção toda para Taehyung, sua expressão se tornando mansa novamente — Você está bem, Taetae?
Taehyung franziu a testa confuso com a pergunta.
— Estou, por que? — ficou ainda mais confuso quando os dois se entreolharam, Jimin e Hoseok pareciam conversar com os olhos, perguntando um para o outro se deveriam ou não falar alguma coisa.
Jimin balançou a cabeça disfarçadamente, mas Taehyung ainda assim percebeu que alguma coisa estava errada. Jimin sorriu em uma óbvia tentativa de desviar o assunto.
— Então Taetae... por que está sozinho nessa noite de quinta-feira, brigou com alguém especial? — Jimin perguntou insinuante, Taehyung cerrou os olhos para os amigos completamente desconfiado, mas quando percebeu que nenhum deles abriria realmente o jogo, acabou cedendo e soltando suspiro.
— Ele está estranho e isso está me deixando louco — soltou apenas percebendo o que tinha acabado de falar quando os dois se entreolharam surpresos.
— 'Ele'? O Jeongguk? — Hoseok perguntou entusiasmado.
Taehyung pigarreou se xingando mentalmente pela gafe, abaixou a cabeça quando percebeu o olhar analítico de Jimin em si.
— Pensei que não estava tendo contato com ele, aquele pirralho está ignorando a todos nós. — Jimin falou mostrando sua indignação. Taehyung forçou um sorriso tranquilo.
— Não... quero dizer, s-sim. — o dois lhe olhavam estranho, deixando Taehyung ainda mais nervoso, ele precisou respirar fundo para conseguir inventar uma desculpa plausível. — Ele também não está entrando em contato comigo, ele apenas abriu uma exceção porque queria saber como estavam as coisas, apenas isso.
— E por que você acha que ele está estranho? — Jimin perguntou atencioso, ele estava devorando um dos pacotes de salgadinho sozinho enquanto Hoseok e Taehyung dividiam o resto.
Taehyung pensou como falaria sobre aquilo sem contar tudo que havia acontecido esses últimos tempos, eles não entenderiam se soubessem de tudo, nem mesmo se colocasse Jungha na frente dos dois e ela confirmasse toda a história. Provavelmente achariam Jungha uma maluca e teriam pena por Taehyung ter acreditado em toda aquela loucura, ele nunca os culpariam se o chamassem de doido.
— Eu não sei, sei lá... — suspirou cansado, esfregou a testa tentando colocar os pensamentos em ordem — Uma hora ele está completamente normal, começa a falar as besteiras dele e tudo parece perfeito. Então do nada ele parece ausente, parece ter mil coisas na cabeça, mas nunca fala nada.
Taehyung grunhiu frustrado.
— Isso me tira do sério porque eu quero ajudar, seja lá qual for o problema dele. — resmungou, Hoseok parou de comer e começou a lhe olhar com carinho, Jimin ainda bebia, mas sua atenção estava toda no amigo, ouvindo-o como parecia que Taehyung precisava — Eu odeio a ideia de não conseguir entender ele.
A cozinha ficou em silêncio total, Jimin e Hoseok analisavam Taehyung sem dizer uma única palavra como se estivessem estudando a situação. Taehyung quis rir, porque imaginou o quão patético ele parecia no momento, desesperado por uma coisa que nem ele sabia o que era. Angustiado com ideia de não ser mais o confidente de Jeongguk e morrendo de medo de ter o garoto afastado de si. Ele queria saber o que estava havendo para evitar perde-lo.
— Porra! — Hoseok exclamou quebrando o silêncio mortal, os outros dois o olharam confusos — Você percebeu tudo isso nele apenas em algumas ligações e mensagens? Ou vocês têm algum tipo de ligação, 'tá ligado aquela que os gêmeos possuem que permite que eles saibam o que o outro está sentindo? Talvez seja isso.
Jimin franziu a testa.
— Isso não faz sentindo algum — um biquinho se formou nos lábios de Hoseok, Taehyung balançou a cabeça dando um sorriso — Está andando muito com o Seokjin, ele já colocou na sua cabeça essas paradas estranhas. Será o fim da picada quando você começar a ler nosso horoscopo todos os dias.
Hoseok olhou para o loiro completamente ultrajado, mas Jimin o ignorou prontamente, voltou a olhar para Taehyung, sua expressão se tornando carinhosa novamente. Uma dualidade impressionante.
— Isso começou depois que ele sumiu? — perguntou curioso, Taehyung pensou por um momento, ele começou a ficar estranho depois que começaram a se envolver.
— Pode se dizer que sim. — Jimin acenou pensativo.
— E ele sabe que você e a Jungha estão em um tipo estranho de... qualquer coisa? — Taehyung franziu a testa. É claro que ele sabia, porque ele era a Jungha.
— Claro que sabe... — falou sem pensar duas vezes, Jimin sorriu ladino como se apenas precisasse de uma confirmação para suas suspeitas, Hoseok estava chocado. — Espera... como?
— Eu não sabia, mas você acabou de me confirmar. Obrigado. — Taehyung abriu a boca para se defender, mas não encontrou nada a altura, Jimin tinha um sorriso vitorioso nos lábios — Se ele sabe sobre vocês dois então está claro pra mim qual é o problema.
— Mas pra mim não está nada claro — exclamou exasperado, Jimin soltou um suspiro impaciente.
— Não é possível que você seja tão lesado. — Taehyung até pensou se defender de novo, mas novamente ficou calado, estava sendo massacrado dentro da sua própria casa. Uma completa falta de respeito — Não é possível que você nunca tenha notado.
— Notado o que? — Jimin respirou fundo, estava a um passo de lhe bater e Taehyung nem cogitaria reagir, sentia que estava merecendo.
— Que o Jeongguk é apaixonado por você, seu imbecil. — Hoseok soltou de repente, incapaz de ficar em silêncio observando tudo aquilo. Ele que sempre tinha uma calma invejável, estava sem paciência alguma com Taehyung naquele momento, o Kim conseguiu a proeza de tira-lo do sério. — Há muito tempo, aliás. Todo mundo já percebeu isso, inclusive a Soyeon. Mas vocês dois são burros. Nem com mil indiretas e diretas faziam com que se tocassem.
O mundo ao redor de Taehyung parecia ter parado, ele não movia um único músculo e estava começando a achar que desmaiaria a qualquer momento. Muita informação para lidar.
— Se ele sabe sobre você e a Jungha, está claro que ele deve estar morrendo de ciúmes — Jimin completou, dessa vez sua voz estava mansa como se entendesse o conflito do amigo naquele momento.
"Como ele poderia ter ciúmes da Jungha se ele era a porra da Jungha, caralho!!" Taehyung pensava exasperado. Ele não podia extravasar tudo que estava sentindo, nem pensando naquele momento então restou a ele apenas abaixar a cabeça e bater com a testa na mesa repetidas vezes. Enquanto imagens de todos os momentos com Jeongguk apareciam como um filme em sua mente, mais perguntas começavam a surgir.
"Desde quando?"
"Por que ele nunca falou nada? Jeongguk com certeza não é do tipo que guarda essas coisas para si"
"E quanto a mim? Como fui idiota, merda"
— Eu acho que ele está surtando — Hoseok sussurrou preocupado para Jimin, mas Taehyung ainda ouvia tudo porque o critério de 'sussurro' para Hoseok era meio duvidoso, o rapaz soltou uma risadinha nervosa, hesitando a toca-lo — Nós não contamos isso pra você entrar numa crise existencial, Tae. Na verdade, guardamos isso por tanto tempo porque esperávamos que um dia algum de vocês dois finalmente tivesse coragem de admitir...
— Então a Jungha apareceu e o Jeongguk sumiu... — Jimin completou cauteloso — Você começou a mostrar interesse nela e por um momento eu achei que tinha me enganado quanto a você e o Gguk. Mas isso seria impossível, todos veem como vocês se olham, é inegável que há um sentimento ali além da amizade, então deduzi que você estivesse apenas dividido.
Taehyung ainda estava de cabeça baixa, mas ouvia tudo que diziam, ouviu quando uma cadeira foi arrastada e Jimin se sentou ao seu lado afagando suas costas.
— Não é errado gostar de duas pessoas ao mesmo tempo, Taetae — murmurou suavemente. — Mas nesse caso, dependendo da sua escolha, um deles sairia machucado e o Jeongguk já sofreu com isso o bastante para que eu decida protege-lo.
Taehyung levantou a cabeça confuso e encarou o amigo.
— O que quer dizer com isso? — Jimin sorriu afetuoso.
— Que a Jungha é uma garota legal. Mas o Jeongguk é nosso amigo e eu não quero ele se machuque de novo, você com certeza se lembra do quanto ele pareceu ausente e diferente quando você apareceu namorando a Soyeon e depois voltou como se nada tivesse acontecido, com um quê a mais de indiferença. — explicou e Taehyung engoliu em seco ao se lembrar do quão seco o Jeongguk parecia na época, se afastaram um pouco por conta disso, até Jeongguk voltar a falar consigo normalmente como se tivesse ficado longe apenas para pensar e se recompor — Se você gosta da Jungha, seja sincero com o Jeongguk. Só isso que eu te peço.
"Como eu poderia machuca-lo por gostar de Jungha se ele era a Jungha?" Taehyung queria dizer "Isso seria impossível"
Em um surto de adrenalina, Taehyung se levantou pegando os dois amigos de surpresa com a sua repentina pressa.
— E-eu preciso falar com o Jeongguk. — Jimin e Hoseok se olharam preocupados, Taehyung parecia mais elétrico do que quando enchia o estômago de café em época de prova.
— Agora? — Jimin perguntou surpreso, já se passava da meia-noite, Jeongguk provavelmente estava no terceiro sono, quando ele não passava noites em claro em alguma festa ele gostava de dormir naquele horário e não atendia celular nem mesmo se fosse sobre um amigo morrendo. A não ser que fosse Taehyung ligando.
Taehyung o ignorou e foi atrás do seu celular, mas contrariando a teoria de Jimin, Taehyung não foi atendido como seria normalmente, a ligação caiu direto na caixa postal. Bufando de frustração o Kim passou as mãos pelos cabelos castanhos imaginando se seria estranho demais aparecer no apartamento dele naquele horário.
Então de repente se lembrou do jogo no dia seguinte e finalmente relaxou, de qualquer jeito se encontraria com Jeongguk. Ele só precisava esperar mais algumas horas para tirar aquela história a limpo.
🏀💄
Jeongguk não sabia que horas eram, mas sabia que era tarde e o jogo logo começaria porque mesmo que não olhasse o celular as mensagens não paravam de chegar. Ele nem precisava olhar para saber que eram seus parceiros de time conversando animados no grupo.
Uma brisa gelada batia contra seu rosto, ele encolhia o corpo franzino dentro do enorme moletom, mas não era o suficiente para aplacar o frio. Sentado em um dos bancos de concreto, em frente ao rio Han, Jeongguk olhava o horizonte enquanto mexia no conhecido objeto dentro do bolso da blusa, bem acima de sua cabeça estava a Lua, mais cheia e brilhante do que em qualquer outro dia.
Se ele precisasse fazer uma escolha naquela noite, ele não sabia o que escolher. Se precisasse ser corajoso, Jeongguk não se sentia nada corajoso naquele momento. Em sua mente, Jeongguk passava as lembranças das ultimas semanas como se fosse um filme.
Nelas, ele não passava de um espectador de sua própria vida, via Jungha interagindo com os seus amigos, beijando Taehyung, entrando de fininho na vida de todos e conquistando aos poucos um espaço que antes era dele.
Sua fragilidade do dia anterior não deixou que ele pensasse com coerência, mas naquele momento, sentado ali observando as aguas calmas do rio, ele admitiu para si mesmo o que realmente o aterrorizava.
Ele tinha medo principalmente do que encontrará quando ‘voltar’, tinha medo principalmente de como Taehyung agirá quando ver que Jungha não voltará nunca mais. Jeongguk estava apaixonado por Taehyung e ele não tinha medo em confessar isso, mas tinha medo de Taehyung não retribuir e com certeza isso doeria para caralho.
Jeongguk não queria ser egoísta e escolher o caminho mais fácil apenas para ficar com o cara que está apaixonado, ele não era assim, nunca mudaria a si mesmo para agradar alguém. Mas Taehyung não era qualquer um, Jeongguk nunca quis tanto alguém como queria Taehyung, nunca sentiu tanta vontade dor em abrir a mão de alguém, nunca quis tanto ser egoísta.
— Você não deveria franzir a testa assim, vai ter rugas, noona.
Jeongguk piscou surpreso quando ouviu a voz infantil e ao olhar deparou-se com um garotinho empacotado em um casaco grosso de frio e cachecol que cobria metade do seu rosto, a touca o deixava extremamente adorável, ele tinha se sentado ao seu lado e lhe encarava como se tivesse ali observando-o há mais tempo que Jeongguk pensava.
Embora desanimado e triste, Jeongguk forçou-se a rir para o garotinho que aparentava não ter mais que 7 anos.
— Ah é? Como sabe disso? — o garoto inflou as bochechas.
— Papai vive de cara feia e é cheio de rugas, parece um velho — dessa vez Jeongguk teve que rir sinceramente.
— Então vou parar de franzir a testa, não quero parecer velha — o garotinho sorriu todo banguela — Onde estão seus pais? Você não deveria andar sozinho a essa hora da noite.
— Minha mãe ‘tá ali — apontou prontamente para duas mulheres que conversavam a beira do rio, Jeongguk sabia qual delas era a mãe porque a todo momento ela olhava para eles para checar o garotinho. O garotinho bufou impaciente — Ela sempre demora uma vida pra conversar quando encontra alguém, minhas pernas doem.
Jeongguk deu risada porque sua mãe era igual e sabia que era apenas drama do garoto porque ele também era assim quando criança. Cheio de energia, inquieto, hiperativo e se entediava fácil — não que não fosse assim ainda —, ele odiava esperar a mãe conversar porque a conversa era sempre chata e demorada e ele precisava se mexer.
— E você, noona? Por que está aqui sozinha? — o garotinho balançava as pernas no ar adoravelmente enquanto perguntava curioso, Jeongguk teve que suspirar, olhou para a Lua, para o rio, então para o garoto.
— Estou perdida — ele sabia que o garoto não entenderia, mas foi divertido vê-lo tombar a cabeça para o lado confuso.
— Perdida? — Jeongguk assentiu, ele arregalou os olhos quando se lembrou de algo — Papai me ensinou o que fazer se eu me perder na floresta, eu nem gosto de acampar, não sei quando vou usar isso, mas pode servir pra você, quer saber?
— Eu adoraria — respondeu rindo, o garoto estufou o peito antes de falar.
— Papai falou que é só seguir o Sol — ele parou de repente parecendo incerto com essa informação — Ou é a Lua? Eu não lembro, mas eu acho que o que importa é a luz, a luz vai te levar até onde você precisa ir.
O garotinho sorria orgulhoso da constatação que chegou, Jeongguk pensou verdadeiramente sobre isso porque de um jeito bem estranho, até que fazia sentido. Antes que pudesse responde-lo, alguém gritou por ele:
— Jihoon, vamos!
— Já vou, mãe! — gritou, voltou-se para a ‘garota’ e sorrindo pulou do banco — Eu tenho que ir, noona. Espero que você encontre o lugar que precisa ir, tchau.
Com um aceno mudo, Jeongguk se despediu do garotinho que saiu saltitante ate a mãe, pegou sua mão e ainda mandou um tchauzinho de longe.
“Luz” Jeongguk pensou “a moeda, ela tem um brilho estranho”
Seguindo seu pressentimento, retirou a moeda do bolso e como se quisesse se comunicar consigo, ela emitiu um brilho forte e logo voltou ao normal assim que foi posta na sua palma. Jeongguk quase jogou ela longe de medo, mas se conteve.
— Claro, minha vida já não está bizarra o suficiente. Não sei por que ainda me surpreendo — resmungou para si mesmo enquanto analisava aquele objeto pequeno — ‘Tá, e agora? O que eu preciso fazer?
A moeda voltou a brilhar.
— Você não pode simplesmente me dizer? — a moeda emitiu uma luz forte que obrigou Jeongguk a fechar os olhos em agonia, era como se ela o chamasse de estúpido sem precisar dizer palavra alguma e Jeongguk entendeu — Ai, porra! Já entendi.
Então ela voltou ao normal novamente, embora tivesse pessoas ao redor, ninguém parecia notar o que acontecia ali, apenas Jeongguk enxergava todo aquele brilho.
A moeda brilhou três vezes seguidas, Jeongguk precisou pensar sobre o que aquilo significava.
— ... eu preciso, seguir a luz? — a moeda brilhou intensamente, Jeongguk mordia o lábio inferior ansioso quando se levantou.
Respirando profundamente, ele tentou ir para um lado, mas a moeda apagou completamente, Jeongguk parou, deu meia volta e tentou outro caminho, a moeda voltou a brilhar timidamente. Sempre que Jeongguk errava o caminho, ela diminuía a luz e voltava a brilhar intensa quando ele entrava no caminho certo. Jeongguk mal via o caminho, seu foco estava todo na moeda esquisita e tentava ignorar o fato daquilo parecer bizarro demais e coisa de maluco, era uma moeda que brilhava e Jeongguk estava sendo guiado por ela pelas ruas de Seul sem contestar.
Se alguém perguntasse, ele negaria até a morte.
Mais bizarro que isso só se houvesse uma troca de corpos e um homem pudesse se tornar mulher da noite para o dia.
Jeongguk confiou na moeda para ser sua bussola, mas de repente ela apagou completamente, obrigando Jeongguk a parar. Ele olhou em volta e se surpreendeu — mas nem tanto — por estar na rua de seu apartamento, e não com muita surpresa, do outro lado da rua estava a maldita loja de antiguidades, ele começava a achar que estava louco quando dizia que viu aquela loja naquela noite, mas ali estava ela, aberta, iluminada, real e o chamando.
As pessoas que passavam na frente dela pareciam não enxerga-la e Jeongguk duvidava que pudessem. A moeda brilhou novamente na sua mão como se o convidasse a entrar.
Ansioso e com receio, Jeongguk respirou fundo e cruzou a rua até o lugar, a porta estava aberta e as luzes da vitrine acesas, então ele não achou que seria problema simplesmente entrar. No interior da loja tocava uma música clássica baixa vindo do que parecia ser uma vitrola velha no fundo do estabelecimento, não tinha um rastro se quer do atendente, mas Jeongguk sabia que era questão de tempo para que ele aparecesse então tomou seu tempo observando as prateleiras e os artefatos estranhos dispostos ali.
Com uma careta confusa, Jeongguk pegou nas mãos uma estátua em formato de um grande leão, mas possuía um chifre no meio da testa e o corpo era coberto por escamas e penas grandes e estranhas, seus dentes eram enormes e o que mais chamou atenção de Jeongguk com certeza foi o sino em seu pescoço.
Um pouco abismado com o objeto, Jeongguk manobrava a estátua em todos os lados para ver cada detalhe, estava tão concentrado que não viu quando alguém parou atrás de si e lhe observava em silêncio.
— É lindo, não é? — a voz subitamente falou fazendo com que Jeongguk sobressaltasse de susto e quase soltasse o objeto no chão, felizmente a pessoa foi rápida em pegar a estátua antes que o garoto desastrado deixasse cair.
Assustado, de olhos arregalados, Jeongguk olhou para o homem que tranquilamente voltou a colocar a miniatura onde estava, ignorando prontamente o olhar da 'garota' em si.
— O nome dessa criatura é "Haetae", é bem famosa na mitologia coreana, principalmente para os moradores de Seul já que ela é o símbolo oficial da capital, vocês jovens deveriam buscar saber mais sobre essas coisas. — comentou calmamente, com as mãos dentro do bolso da calça ele sorriu enfim lhe olhando. — Ela simboliza a justiça e a prevenção a desastres, por isso antigamente colocavam a estátua dela em frente as casas. O mito diz que seu chifre era usado pra punir aqueles que cometeram algum mal, além de ter o magnifico poder de parar, retroceder ou avançar através do tempo. Maravilhoso, não?
Jeongguk não respondeu, ele mal absorveu aquela informação insignificante que surpreendentemente ou não, ele não pedira. Percebendo seu silêncio e sua expressão de "'tá, mais e daí? ", o homem deu risada e voltou para trás do balcão, sendo acompanhando pelos olhos de Jeongguk.
— Eu não sabia como fazer com que você soubesse a hora exata de me procurar, então deixei a moeda. É realmente uma sorte você ser inteligente, eu sabia que você entenderia. — o homem murmurou contente cruzando os braços em cima da barriga grande, usava uma camisa de botões branca por dentro da calça de linho bege e um suspensório preto. — Mas me surpreendi por você ter demorado um pouco pra se tocar, Jeongguk.
Jeongguk que até o momento não sentia confiante o bastante para dizer uma única palavra a aquele homem, franziu a testa ao ouvi-lo chamar pelo nome.
— Quem é você? — resolveu perguntar finalmente, o homem suspirou tranquilamente como se fosse iniciar uma longa história.
— Guia Espiritual parece tão bonito e elegante, então vamos deixar assim, melhor do que Anjo da Guarda... — uma careta se formou no rosto enrugado do homem ao citar aquele nome, então logo depois ergueu o queixo de maneira indiferente — Aqueles metidos, só porque salvam uns humanos por aí, se acham no direito de rebaixar os outros, eu mudo a vida das pessoas, muito mais do que eles poderiam sonhar.
Jeongguk revirou os olhos, se ele tinha um Guia Espiritual, esperava que ele fosse ao menos um pouco menos teatral.
— Então devo entender que você foi o responsável por isso? — Jeongguk perguntou apontando para si mesmo, o homem sorriu radiante como se tivesse orgulhoso do seu feito.
— Brilhante, não é? — seu sorriso morreu gradativamente quando viu o rosto magro e feminino de Jeongguk ficar vermelho, sua expressão raivosa e os punhos fechados pronto para lhe bater ali mesmo, ele soltou uma risadinha nervosa — Seja sensato, Jeongguk. Eu fiz isso pelo seu bem, não ficou tudo mais claro agora?
— Pelo meu bem? — rosnou irritado se arriscando em dar um passo em direção ao Guia Espiritual, o homem não precisava temer o humano, não sofreria dano algum, mas mesmo assim recuou um passo quando viu o olhar fervendo de raiva da 'garota' — Uma porra que foi pro meu bem, seu desgraçado. Sabe o inferno que foi esse último mês?
O homem tocou o indicador no queixo pensativo.
— Eu estava confiante que isso também resolveria esse seu palavreado, mas não podemos ter tudo que queremos, não é mesmo? Então está tudo bem. — sorrindo confiante, ele olhou para Jeongguk que ainda lhe encarava de cara enfezada, pronto para partir para cima de si — Mas é claro que eu sei como foi seu último mês, Jeongguk. Eu estava presente o tempo todo e devo dizer que não foi tão ruim assim.
— O tempo todo? — perguntou de repente, Jeongguk arregalou os olhos imaginando tudo que tinha feito, principalmente com Taehyung quando pensava que estavam a sós. O homem também arregalou os olhos como se o garoto tivesse falado o maior absurdo.
— Céus, isso não, garoto. Quem você acha que eu sou? Acha que eu fico assistindo essas coisas impróprias? — Jeongguk assistiu com confusão o homem corar apenas com a menção daqueles feitos maliciosos.
— Menos mal...— murmurou ainda de cara fechada.
Com os braços cruzados e olhos cerrados, Jeongguk se pegou olhando fixamente para seu 'Guia Espiritual', até que um flash lhe atingisse de repente e uma memória vívida aparecesse ao encarar aquele homem. Era como se repentinamente toda a sua memória daquela noite tivesse voltado de uma só vez, ele se lembrou do quanto estava ruim quando chegou a porta daquela mesma loja, lembra daquele mesmo homem lhe oferecer ajuda e como estava frágil, totalmente a mercê para que o homem fizesse o que quisesse consigo, ele lembrou de ser levado para dentro e tomar uma xícara inteira de conteúdo duvidoso que aquele homem lhe oferecera. Ele se lembrava de tudo, até mesmo da sensação do corpo mudando enquanto dormia, mas sem forças para acordar e saber o que estava acontecido.
— Foi você... — apontando o dedo na direção do homem, Jeongguk se viu com ainda mais raiva, sem medir seus atos, ele tentou alcançar o homem, mas ele era estranhamente veloz e quando Jeongguk chegou no outro lado do balcão, o homem já estava longe, do outro lado da loja lhe olhando nervosamente — Como chegou até aí tão rápido? Gente idosa não deveria ser lenta?
O homem rolou os olhos em escárnio.
— Eu sou um espirito, Jeongguk. Posso ter a forma que eu quiser, posso ser um andarilho, posso ser um senhorzinho adorável, qualquer coisa. — murmurou convencido. — Achei que vindo como um idoso iria amenizar um pouco da sua ira, mas vejo que não deu certo. Ele não é adorável o suficiente?
— Seu desgraçado... — rosnou ao longe, o 'Espírito' sorriu ameno novamente.
— Não aja assim, vai ter rugas antes dos trinta dessa maneira, vamos conversar, sim? — o Espírito falou tentando tranquilizar seu protegido. — Vamos fazer assim, talvez se sinta mais tranquilo se esquecermos por um momento quem eu sou, vamos conversar por igual, que tal?
— Como? — perguntou desconfiado.
— Não sei, que tal me dar um nome humano? Posso até mudar minha aparência ser quiser.
Jeongguk não conseguia imaginar como aquilo poderia facilitar as coisas, não é como se ele fosse se esquecer que estava na frente de um espírito, um espírito que fez da sua vida um inferno por semanas. A raiva não iria diminuir, mas mesmo assim cerrou os olhos desconfiado e pensou um pouco sobre o assunto até chegar a uma conclusão.
— Tudo bem... — murmurou baixo, pensou por um momento então voltou a falar — Então vou te chamar de Dino.
Era o nome do gato de seu irmão, o animal vivia destruindo seus sapatos e fazendo suas necessidades em seu quarto — apenas em seu quarto, como se fosse uma implicância pessoal — Jeongguk odiava aquele animal com todas as suas forças porque perdeu as contas do tanto de arranhão que já levara daquele pequeno diabinho. Na frente de seu irmão e mãe, era um anjinho, mas quando estava a sós com Jeongguk, parecia estar possuído por um espirito assassino e a vítima era sempre ele.
O sentimento que Jeongguk nutria pelo animal era quase parecido com o que estava sentindo por aquele espirito intrometido então não conseguiu pensar em um nome melhor.
O espirito pareceu entender porque deu risada e assentiu aceitando aquele nome, em um piscar de olhos, antes que Jeongguk pudesse entender o que estava acontecendo, a aparência do espirito do homem também tinha mudado e agora quem estava na sua frente era um garoto não muito mais novo que si. Cabelos castanhos e lisos caídos na testa, rosto adorável e bonito, olhos de gato, uma aparência aparentemente inofensiva, ninguém olharia para aquele garoto e imaginaria que ele é capaz de desgraçar sua vida em um piscar de olhos.
— Agora podemos conversar? — Dino perguntou sorrindo animado, Jeongguk ficou um tempo analisando aquela nova pessoa na sua frente até assentir.
— Agora você pode me dizer por que fez tudo isso comigo... — hesitou por um momento então revirou os olhos ao completar — Dino.
Dino fez uma careta desgostosa.
— Você diz como se tivesse sido uma grande maldade... — murmurou descontente, mas como Jeongguk não parecia ter paciência para seus dramas, ele preferiu ir direto ao assunto — Vamos colocar assim, você sempre viveu em uma bolha onde todos fora dela eram insignificantes e só você importava, não acho que você faça isso por maldade, mas também não acho que seja saudável viver assim. Eu queria apenas que você saísse dessa bolha e olhasse em volta.
Jeongguk engoliu em seco.
— Por que me transformar em mulher? — perguntou, Dino sorriu como se o garoto tivesse feito a pergunta perfeita.
— A pergunta é, por que não seria uma mulher? Elas são seres magnificas, você não acha?
— Eu achei que tivesse sido algum tipo de castigo por ter maltratado os sentimentos de tantas mulheres. — murmurou confuso, Dino deu risada balançando a cabeça.
— Talvez o carma tenha se encaixado de maneira perfeita, mas não era o meu plano. — falou simplesmente, se aproximou do balcão onde Jeongguk estava e dando impulso se sentou na bancada, enquanto balançava as pernas distraidamente ele sorria para Jeongguk. Um sorriso jovial e travesso, diferente do idoso que Jeongguk conversava antes. Jeongguk observou ele enfiar a mão dentro do bolso da calça e tirar uma moeda idêntica a que Jeongguk possuía, ele brincava com o objeto enquanto falava — Você e Taehyung não estavam completamente errados em suas pesquisas, mas vocês estavam vendo apenas um lado da moeda. Digamos que a complexidade está em entender as mulheres.
— O que? — confuso franziu a testa. Dino deu risada entretido.
— O mundo não é estranho, Jeongguk? Eu estou aqui há muito tempo e ainda não me acostumo em como ele é. Ao contrário dos homens, as mulheres sabem lidar com esse mundo muito melhor que eles. Homens são egoístas, olham apenas para seus próprios umbigos e o próprio mundo coloca eles em um pedestal... — murmurou calmamente, ele ainda rolava a moeda entre os cinco dedos da mão direta de maneira rápida e impressionante. Jeongguk estava hipnotizado. — Pensa comigo, um homem pode entrar no ônibus e se sentar onde quiser, ao lado de quem quiser, na posição que quiser, não terá ninguém lhe julgando nem lhe enviando olhares maliciosos. Uma mulher por outro lado, entra no ônibus já com os olhos atentos em todos, ela precisa decidir qual lugar é o mais adequado e seguro para que fique, para não correr o risco de ser olhada de maneira devassa e na pior das hipóteses, ser violada de maneira descarada.
"Um homem pode andar na rua sem correr o risco de receber comentários desnecessários e vergonhosos, mas uma mulher tem que ter um olhar apurado para reconhecer se aquele grupo na frente é confiável ou não para que ela passe ao lado, ou se ela deve cruzar a rua e evitar. Um homem vai para um teste de basquete e ele só precisa provar que sabe jogar e tcharã, está no time, uma mulher é interrogada sobre tudo sobre o esporte, é obrigada a saber até mesmo o nome dos jogadores de um time mal conhecido de uma liga baixa, claro contrário ela é ridicularizada. Porque é ridículo uma mulher gostar de um esporte masculino e se gosta com certeza é para chamar atenção deles. "
Dino dizia tudo com um sorriso ameno nos lábios, mas não era de humor, parecia mais como um sorriso desacreditado. Jeongguk não sabia o que dizer, ele ouvia tudo atentamente sem coragem para fazer qualquer comentário, se lembrou dos momentos que passou sendo Jungha e sentiu um bolo se formar na garganta. Então Dino deu um risinho querendo amenizar o clima tenso que formara.
— É claro que isso não é exclusivo das mulheres, homens também podem passar por algo parecido, principalmente aqueles não seguem o padrão masculino que a sociedade impõe, mas não é esse o ponto aqui, o ponto é que não há como comparar. — completou, se virou na bancada e encarou Jeongguk com um sorriso adorável. — Entende o que eu quis dizer com isso, Jeongguk?
— Não tenho certeza — respondeu incerto. Dino respirou fundo, ele nunca parava de sorrir, Jeongguk se perguntou se seu rosto nunca doía.
— As mulheres possuem uma visão do mundo que os homens nunca terão nem em um milhão de anos. Elas têm uma visão ampla e complexa, e foi o próprio mundo que as fez ser assim, elas precisam ser observadoras, elas precisam saber lidar com essas situações. Quando você vê o mundo pelos olhos de uma mulher, você percebe o quanto ele é podre. — falou, então deu de ombros apontando para Jeongguk — Era essa a experiência que eu queria que você tivesse. Eu queria que você visse o mundo com os olhos de uma mulher, Jeongguk. Eu queria que você saísse dessa sua bolha, olhasse em volta e percebesse as coisas.
— Por que? Por que eu? — perguntou exasperado. Dino sorriu quase carinhoso.
— Porque você é o meu querido protegido e não aguentava mais ver você entregando sua vida para coisas banais e insignificantes e não olhando o que estava ao seu lado esse tempo todo. — respondeu com sinceridade, havia um quê de sarcasmo e só então Jeongguk entendeu porque Dino era o seu Guia Espiritual, possuíam a mesma vibe e devia ser por isso não tinha ido com a cara dele. — Você provavelmente envelheceria, olharia pra trás e se arrependeria de tudo que estava fazendo. Acredite, Jeongguk. Eu vi como seria se eu não fizesse alguma coisa, seria uma infeliz vida. Uma infeliz e solitária vida.
— Aish... você fala como se me conhecesse, ser meu Guia Espiritual... ou qualquer merda que você seja, não te dá o direito de interferir na minha vida dessa maneira. — respondeu com raiva. Dino revirou os olhos.
— Na verdade, eu tenho todo o direito do mundo em interferir na sua vida se eu achar que você está vivendo ela errado. É isso que eu faço, meu querido. Sou pago pra iss- na verdade, eu não sou pago... — parou pensativo então abismado olhou para Jeongguk indignado — Eu deveria ser pago por aturar uma criança tão petulante e ingrata igual você. Te conheço desde que era um feto, seu pirralho, assisti de camarote sua mãe trocando suas fraldas. É claro que eu te conheço, melhor que aquele bonitinho que você gosta.
Jeongguk revirou os olhos.
— Eu te conheço tanto, Jeongguk. Que sei sobre seus pensamentos, medos, inseguranças, sentimentos, anseios. Eu sei tudo sobre você. — Dino sorriu ladino ao completar, um sorriso travesso que arrepiou Jeongguk. — E por te conhecer é que eu sei exatamente o que é bom pra você. Sei quando você começou a construir essa casca inquebrável que usa agora, eu sei o motivo do porque você ser assim, embora nem você mesmo saiba.
Jeongguk já não parecia achar a conversa tão boa quanto antes, ele não queria ouvir mais nada, mas Dino parecia querer continuar até ter tudo esclarecido, então ele foi obrigado a ficar ali e ouvir cada palavra.
— Sei quem foi a primeira pessoa que você usou para suprir o que faltava, pra tentar completar o espaço que havia aí dentro, eu sei o quanto você se machucou, Jeongguk. — Dino não sorria mais, mas havia uma expressão quase compreensiva e fraternal enquanto olhava para Jeongguk — Eu sei o quanto você teve que suprimir seus sentimentos para ninguém percebesse e usava outras pessoas pra isso, você teve tanto êxito que esses sentimentos foram escondidos até mesmo de você mesmo. Entre essas pessoas haviam muitos que gostavam de verdade de você e estavam determinados a fazê-lo feliz, mas infelizmente seu coração já é ocupado há muito tempo, nunca teve espaço pra ninguém. E todos achando que você desprezava os sentimentos alheios... você é bem mais complexo que isso.
Dino sorriu sem humor, quase como se sentisse empatia por Jeongguk e por tudo que ele passou. Jeongguk engoliu em seco abaixando a cabeça, com raiva passou o punho na bochecha limpando o rastro de lágrima que descia sem seu consentimento.
— Eles nunca tiveram chance alguma porque sempre foi ele e por incrível que pareça nem mesmo você percebia que era esse o real motivo de toda sua insensibilidade com os sentimentos alheios — Dino soltou um suspiro — Era frustrante assistir, tenho que admitir. Você se tornou assim porque não queria mais sofrer, mas nem mesmo sabia quem era o causador de todo esses conflitos.
Dino não aguentou por muito tempo ver o garoto quase explodindo de tanto segurar o choro, tocou o ombro alheio em um sinal de conforto, mas Jeongguk o afastou com brusquidão como se o toque desse choque.
— E agora o seu medo é que Taehyung tenha se apaixonado por Jungha e quando Jeongguk voltar, esse sentimento também irá embora. — constatou, Jeongguk levantou a cabeça no mesmo instante de olhos arregalados. Dino sorriu minimamente — Nisso eu não posso te ajudar, me desculpe, Jeongguk. Meu trabalho era fazer você ver com clareza as coisas em volta e isso eu consegui, mas eu não posso fazer o mesmo por ele.
— Então o que valeu de tudo isso? — Jeongguk perguntou com a voz rouca e baixinha. Dino deixou que os ombros caíssem em desânimo ao mesmo tempo que um biquinho se formava nos lábios.
— Humanos são tão complicados — resmungou baixinho, então sorriu de repente ao voltar a olhar para Jeongguk — Eu sei que não dei muitas opções pra você antes, mas eu quero fazer diferente agora.
Jeongguk fungou baixinho, olhou com desconfiança para Dino e ficou um bom tempo analisando a situação até resolver perguntar.
— O que você quer? — Dino mordeu o lábio inferior receoso, então respirou fundo.
— Eu vou te dar o poder da escolha, você tem o poder de ficar como Jungha para sempre ou voltar a ser o Jeongguk. Se você acha que sua vida melhorou depois de ter se tornado Jungha, ótimo, fique assim pra sempre. Jeongguk será esquecido por todos, até mesmo por Taehyung. — Jeongguk arregalou os olhos.
— E-eu seria esquecido? — Dino deu de ombros.
— Seria como você nunca tivesse existido. — murmurou baixo, Jeongguk engoliu em seco, seu maior medo ao ficar daquele jeito era o fato de deixar as coisas para trás, mas Dino parecia ter uma solução para isso também. — Eu tenho certeza que você já pensou sobre ficar pra sempre desse jeito e sei que vai fazer a escolha certa.
Jeongguk realmente pensou sobre o assunto, mas quando também pensava sobre sua vida até aquele momento, ele constatou que não tinha sido tão ruim quanto julgava. Ele era um ótimo filho — embora as broncas de sua mãe possam contradizer um pouco esse fato —, era um ótimo irmão e amigo, ele não era do tipo que se sentava ao lado de um amigo choroso e dava conselhos, na verdade ele era péssimo nisso, mas mostrava que estava ali quando se sentava ao lado deles e perguntava "que tal uma bebida? ". Esse era o seu jeito de confortar e todos pareciam satisfeitos com isso.
Ele sempre foi um ótimo aluno, sempre com notas impecáveis e com a admiração da maioria dos professores — exceto aqueles que ele fazia questão de implicar —, tinha um time de basquete que o idolatrava e provavelmente se desejasse, o esporte daria uma bolsa integral na faculdade. Ele tinha tudo que alguém poderia desejar.
Mas Jungha tinha Taehyung e isso era a única coisa que Jeongguk achava não possuir.
Dino estava certo quando dizia que olhar o mundo pelos olhos de uma mulher era uma maneira eficaz para ver aquilo que nunca percebeu dentro de sua bolha intocável, onde ele não se permitia ver, se afundando em seu próprio egoísmo. "O mundo era realmente podre e eu era um completo idiota" pensou.
Jeongguk respirou profundamente, engoliu o choro e limpou o rosto enquanto pensava no que já tinha decidido no caminho até ali. Sentia que independente da sua escolha nada mudaria, Jungha poderia ter Taehyung, mas Jeongguk viveria com a dúvida na mente, o 'e se' rondaria seus pensamentos todos os dias. Ele não queria viver assim.
Então determinado, ele olhou para Dino que ainda lhe encarava esperando sua decisão.
— Eu já sei o que eu quero.
Dino abriu um sorriso enorme parecendo satisfeito com a sua escolha embora ele nem tivesse verbalizado nada.
— Ótimo. E agora pra comemorar... — animadamente, ele pulou da bancada e deu a volta no balcão, mexeu em alguma coisa que Jeongguk não pôde ver, mas percebeu uma fumaça subir inesperadamente — Aceita uma xícara de chá?
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