Capítulo XI - O poder não corrompe, ele revela quem é aquele que o retém
A estrela já nasce no horizonte da cidade que se assenta sobre sete colinas, colorindo o soturno céu negro com a sua luz amarelada que dança acompanhada das nuvens lilases, entretanto os raios luminosos não atravessam as densas cortinas do quarto do Remus.
A escuridão é a única companheira do Romulus, que está ajoelhado na beira da cama onde está o cadáver de seu irmão. Lágrimas continuam teimosamente escorrendo de seus olhos e sua respiração é falhada. Ele segura na mão fria de Remus, apertando firmemente, e solta imediatamente quando uma batida na porta o assusta.
Romulus limpa suas lágrimas e se levanta, indo abrir a porta. A abrupta mudança de iluminação o faz fechar os olhos rapidamente e, em um efêmero instante, ele retorna às suas feições frias, observando a doutora diante dele com seu olhar mais aterrorizante que o costumeiro e acompanhados de olheiras.
— Sua Majestade — faz uma reverência — Estou aqui para realizar a autópsia — Romulus fecha a porta.
A doutora bate na porta, de novo, de novo, de novo.
— Eu não permitirei.
— É necessário e é um procedimento obrigatório de acordo com a lei — bate na porta.
— Eu sou a lei — a doutora suspira.
— Sua Majestade, é pelo bem de seu próprio irmão. Se a morte dele não foi natural, podemos prosseguir com uma investigação.
— Eu não permitirei que ninguém toque em meu irmão.
— Sua Majestade… — a porta é aberta bruscamente, e a doutora olha para cima, encontrando com o olhar sombrio do imperador — Perdoe-me.
— Prossiga com o seu trabalho — passa direto pela doutora.
Romulus caminha pelos vastos corredores de mármore branco de seu novo palácio. O piso reflete a amarelada luz de Calvera, que é parcialmente dispersa na pedra, como se estivesse iluminando a superfície de um lago. O céu resplandece atrás das janelas, exibindo sua deslumbrante tonalidade azul que dança com nuvens liláses.
Ele sobe os degraus de uma escada, chegando ao terraço que é agraciado por uma suave brisa fresca. Um “jovem” loiro que veste um longo manto negro o aguarda, observando o nascer da estrela sobre o horizonte adornado pelas ruínas do incêndio que quase alcançou esta área da cidade, próximo de uma vasta janela. Romulus se senta ao lado dele, atraindo a atenção do bruxo.
— Bom dia — Focalor cumprimenta o imperador, sorrindo.
— Bom dia — retribui com a tonalidade de voz desanimada, como a pertencente a um morto-vivo.
— Encontrou o Magnus?
— Enviei a Exousía e alguns de meus militares. Eles ainda não retornaram.
— Ela é competente, é certeiro que houve avanços.
— Obteve informações dos príncipes?
— Sim, entretanto meu amigo ainda permanece com a investigação dele.
— Descobriram o quê? — seu olhar, outrora pesado de sono e perdido no horizonte, se abre e concentra-se no Focalor.
— Que eles estão com o rei Davi, quem havia derrubado os aviões naquele dia; possuem um ex-bruxo talentoso como aliado, um conhecido meu; e, com alguns aliados, se infiltraram na sua base militar de Caelum, a comandada pelo tenente Laurentius.
— Possui informações sobre o plano deles? O quão avançado eles estão?
— Quatro dos cinco militares que foram contratados recentemente são do grupo deles.
— Eles eram mais do que quatro, quais são os que se infiltraram?
— Não sabemos nada além disso. Meu amigo também se infiltrou e está os espionando.
— Eles devem estar avançados. Ontem a Exousía me avisou que descobriu que o Magnus estava em Caelum e iria junto do tenente Laurentius caçá-lo, desde então não recebi avisos dos dois.
— É uma boa observação. E, se não os determos rápido, a situação ficará perigosa.
— Possui alguma ideia de como podemos prosseguir? Desviar o foco deles é uma opção.
— Deixe este assunto em minhas mãos, prometo que o resolverei — ele se levanta — E meus pêsames por seu irmão.
— Foi eu quem o assassinou — diz com indiferença, atraindo o olhar de Focalor, que ri em seguida.
— Não desejava compartilhar o poder? — ri — Seja cauteloso com o senado, aqueles traidores aguardam ansiosamente o seu primeiro vacilo para te condenar. Eu já fui um imperador romano e entendo o quão inconveniente os senadores podem ser — ele abaixa a manga de seu manto, revelando inúmeras cicatrizes criadas por facas e adagas — Se eles descobrirem, é isso que acontecerá com você.
A porta de uma das bases militares de Caelum é aberta pelo comandante dela, Laurentius, que possui um peso sobre seus profundos olhos azuis marinhos e feições derrotadas escondidas debaixo da máscara — descrever como cansadas seria demasiadamente bondoso com o tenente —, e carrega uma garotinha demônio, que adormeceu em suas costas.
Ele é recebido na escada por um militar alto e detentor de um porte físico imponente, que utiliza uma armadura romana negra e um elmo que oculta todo o rosto dele, como os trajes usados pelo exército. O militar, sem proferir nenhuma palavra, pega Exousía em seus braços e a posiciona deitada em uma poltrona próxima da entrada do primeiro andar subterrâneo. Laurentius retira a sua máscara e suspira.
Outro militar, de baixa estatura e magro, aproxima-se de Laurentius, ajeitando os longos cabelos dele debaixo do elmo.
— Houve avanços? — questiona Azrael, em uma tonalidade baixa, evitando que os militares próximos escutem a voz dele e alguém o reconheça.
— Não. Eu estava tão perto… consegui encontrar o Magnus e esfaqueá-lo, todavia ele escapou. E, ainda perdemos os rastros de um dos príncipes — se joga no corrimão, apoiando as costas e os braços nele — Passamos a tarde e a noite inteira tentando encontrar o Magnus após ele escapar de nós, entretanto não há pistas dele.
— Então, ainda possuímos os rastros de um dos príncipes?
— Sim, do Vulcano. Encontramos provas de que, ontem à noite, ele estava vindo de Roma para esta cidade.
— Algo mais?
— Nada.
— É uma pena, eu mal posso esperar para agir — ele se alonga.
— E eu para descansar — começa a descer as escadas, segurando no corrimão, e o anjo o segue.
— A prioridade é perseguir quem?
— Os príncipes, eles são os inimigos mais promissores.
— Entendi.
Descendo ao primeiro andar do subterrâneo, ambos encontram um ambiente banhado por uma luz amarelada semelhante a uma taverna. Há mesas para os militares relaxarem, uma bancada com um servo para entregar-lhes alimentos ou bebidas e uma vasta quantia variada de armas penduradas nas paredes.
Laurentius senta em uma das mesas e convida Azrael para acompanhá-lo. O tenente chama um garçom e pede uma cerveja. O servo aguarda o anjo realizar o pedido dele, entretanto Azrael balança a cabeça em sinal negativo. Quando recebe sua bebida, Laurentius ergue a postura, com o olhar reluzindo de felicidade.
— Tem certeza que também não deseja beber? — ele aproxima o copo do anjo, que se afasta ao sentir o desagradável odor do álcool — Não gosta?
— Não sei, nunca experimentei, entretanto acredito que não me agradaria.
— Faz bem.
— Então, por que este foi o seu pedido? — antes de responder, Laurentius experimenta a bebida.
— Eu somente desejo esquecer o fato de que essa missão pode custar a minha vida. Eu nunca temi perecer em batalha, na verdade, isso me parece ser um destino honroso caso eu esteja contra um oponente digno, entretanto não é de um inimigo que eu possuo medo. Não conheço o temperamento do novo imperador, talvez ele me execute caso eu falhe nesta missão.
— Por que esta desconfiança com o Romulus? — se atenta ao tenente, quase esquecendo-se que não está com ele para uma conversa casual apropriada para amigos, e o Laurentius continua a beber.
— Política é uma cachorrada! Eu nunca confio neles. Às vezes, um nobre pode ser um anjo de tão perfeita que a aparência dele é, todavia nem todos anjos são de Deus, alguns são do Diabo — continua a beber — Caramba! Eu nem estou bêbado e estou falando tanto! Eu nem te dei oportunidade de dizer algo sobre si, perdoe-me.
— Eu gosto de ouvir.
— Até sobre espadas? É uma pena que eu não tive tempo de comprar uma nova ontem.
— Eu gosto de artes marciais no geral — Laurentius termina de beber o copo gigante de cerveja dele.
— Agora percebi, eu não estou te reconhecendo — coloca a mão no rosto — Eu deveria ser mais forte para bebida do que isso. Perdoe-me a pergunta, quem é você?
— Eu sou um dos soldados novatos — Laurentius ri, percebendo a tolice que disse.
— Ah sim, cinco novos soldados foram contratados. Eu ainda não os conheci, além de você.
— Cinco? Eu entrei somente com três amigos meus. Não sabia que havia outro novato.
— Eu não sei quem ele é, entretanto mais tarde podemos encontrá-lo.
— Pode ser.
— Agora eu irei descansar um pouco, minha noite foi exageradamente exaustiva — ele se levanta e Azrael também.
Antes dos dois saírem da mesa, um militar se aproxima, o mesmo que cuidou da Exousía. Antes que seja notado, Azrael oculta sua presença.
— Tenente — diz uma profunda voz calma e levemente grave, delirante como se originasse de uma fantasia onírica — Uma carta do imperador foi enviada ao senhor. Ela aparenta ser importante porque há a ordem de executar qualquer um que a ler que não seja o senhor — entrega a carta que está em suas mãos ao Laurentius.
— Obrigado. E perdoe-me a pergunta, não estou te reconhecendo, talvez eu esteja bêbado, entretanto… Quem é o senhor?
— Um dos militares que entrou recentemente nessa base.
— Ah, sei. Este ao meu lado também é um dos novatos — Azrael revela a presença “humana” dele onde há mais sombra próximo do tenente, como se estivesse ali desde do princípio — Ele me disse que entrou com três amigos, entretanto não sabe quem era o outro novato e está curioso para encontrá-lo. Seria você quem este meu novo amigo deseja conhecer?
— Na verdade, nos conhecemos, o reconheci através da voz única dele. Todavia ele não é um de meus amigos — Azrael amigavelmente aperta a mão de Asmodeus, que quase demonstra acidentalmente o temor dele pelo anjo.
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