Capítulo Vinte e Três
Carmuel So-jeff:
As palavras de Vilma ainda ressoavam em meus ouvidos enquanto eu retomava meu caminho. A dúvida que ela plantou em meu coração era como uma semente crescendo, me atormentando. Valmir realmente duvidava de nós?
Tão perdido estava em meus pensamentos que não vi o pequeno corpo se chocar contra mim. O garoto caiu no chão, e o pano que segurava com cuidado se soltou de suas mãos.
— Você está bem? — perguntei, ajoelhando-me ao seu lado.
Seus olhos, cheios de lágrimas, se ergueram para mim, e senti um aperto no peito. A tristeza em seu olhar era como um espelho refletindo minha própria dor.
— Meu trabalho. — O garoto ergueu o pano bordado, revelando um desenho intrincado com cores vibrantes.
— Átila! — Valkar surgiu de repente, seus olhos se arregalando ao ver a cena. — Líder, o que aconteceu?
Sua expressão se tornou tensa, como se estivesse buscando uma maneira de afastar o garoto o mais rápido possível. A sensação de ser um intruso me atingiu em cheio, e me senti desconfortável.
Para evitar que meus pensamentos sombrios fossem expostos, forcei um sorriso brilhante no rosto. Mas por dentro, meu coração estava em tumulto, lutando contra os próprios desejos e a paranoia que me consumia.
Ajudei Átila a se levantar, e ele me encarou por um breve momento antes de se agarrar à mão de Valkar e novamente derrubara o pano.
— Vamos embora. — Valkar se virou, e pude notar seus músculos relaxando enquanto se distanciava de mim.
Agachei-me e peguei o bordado esquecido, meus dedos deslizando sobre o tecido macio. Era um lenço adornado com uma Silverorange, o brasão da alcateia, mas a flor estava torta, distorcida em sua execução.
Um sorriso triste surgiu em meus lábios. Para bordar uma rosa com perfeição, eram necessárias técnicas avançadas, algo que meus pais falharam em me ensinar, assim como a Tri.
Mesmo um pequeno desvio no eixo central poderia resultar em uma forma torta. Era preciso ter um domínio impecável da técnica para manter o centro firme e inflar as pétalas ao redor dele. Bordar uma rosa em um lenço era um processo árduo e trabalhoso, um único ponto malfeito poderia arruinar a flor por completo.
— E pelo visto, foi exatamente isso que aconteceu. — murmurei baixinho, guardando o lenço no bolso com cuidado.
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Naquela noite, a sala de jantar vibrava com o burburinho da alcateia reunida. Ao contrário do meu costume, sentei-me à mesa, juntando-me à Tri e aos outros. Olhares surpresos me seguiram, mas logo todos se esforçaram para agir naturalmente.
Sentei-me ao lado da minha doce irmã, seus olhos fixos em mim como se eu estivesse tomado por uma febre delirante. Era o resultado de meu isolamento, preferindo a solidão do meu quarto à companhia da alcateia.
Em silêncio, observei as pessoas ao meu redor, rindo e conversando animadamente. Rol estava entre eles, aparentando estar um pouco estranho. As crianças se aproximavam dele com frequência, oferecendo-lhe comida, enquanto seus pais, sentados à mesa ao lado, o excluíam descaradamente da conversa, escolhendo tópicos que ele não entenderia.
De repente, Laila Fisher dirigiu-se a mim, sua voz calma e controlada.
— Carmuel, por que não investe em pedras refinadas? Muitas alcateias já as utilizam para treinar seus guardas. É um método revigorante.
Meus subordinados me olharam, apreensivos. Refinar pedras mágicas para tantos guardas era uma tarefa árdua, e o material estava começando a ser evitado por ser desconfortável. Além disso, as cores e formas da força mágica eram limitadas, e o odor peculiar que emanava das pedras em desuso desagradava a maioria dos sobrenaturais.
Relatos de submundanos viciados em pedras mágicas circulavam, alertando sobre os perigos de seu uso excessivo, que desregulava os poderes e, em casos extremos, levava à morte.
Rol, que até então permanecia em silêncio, limpou a boca com um guardanapo e, com uma voz firme e segura, dirigiu-se a mim.
— Líder Carmuel, posso te dizer algo?
Laila e seu marido se entreolharam, surpresos.
— Claro, Rol. Diga o que você quer. — respondi, cortando a fala de Laila. O marido dela lançou um olhar raivoso na direção de Rol.
Os olhos de todos se concentraram em Rol, que, abandonando sua postura passiva, se juntou à conversa. Sussurros de ridículo, surpresa e preocupação percorriam a sala. Mas Rol, impassível, continuou:
— É verdade que as pedras refinadas são populares entre alguns sobrenaturais, e que grandes aliados do mundo Sobrenatural as utilizam há anos. Concordo que precisamos de um suprimento constante delas. No entanto, investir tanto nesse material me parece precipitado. Existem relatos de vício e descontrole de poderes, que podem levar à morte.
Suas palavras eram carregadas de uma confiança desconhecida, revelando um lado de Rol que eu nunca havia visto antes.
— Hmm, isso é verdade. — concordei, sorrindo discretamente para ele. — Também li sobre os perigos do vício em pedras mágicas.
Rol desviou o olhar para os Fishers e sorriu brilhantemente.
— Ouvi recentemente que Eloisa Fairlane, a irmã mais velha do Lorde Fada, está comprando grandes quantidades de poços naturais usando néctar dos deuses.
Um murmúrio de espanto percorreu a sala.
— Néctar dos deuses? — sussurros se espalharam.
— Sim. Há rumores de que várias carruagens carregando néctar entraram no palácio. Ao contrário das pedras, o néctar oferece uma variedade de cores e propriedades curativas, se sintetizado da maneira correta. É poderoso, inodoro e não vicia se utilizado com moderação. — Rol falou, e minha colher caiu da mão.
Todos o olhavam com admiração. Minha irmã se levantou e assobiou, seguida por Átila, Santiago e outros que estavam ao lado de Rol.
Se as palavras de Rol fossem verdadeiras, teríamos que adquirir néctar de alta qualidade o mais rápido possível. Mesmo que fossem falsas, precisariam ser verificadas.
— Onde você ouviu isso? — Robin Fisher perguntou em voz alta.
— Hmm... Bem? Quem foi...? Ah? De onde eu ouvi isso? Eu realmente ouvi sobre isso... não me lembro bem... — Rol respondeu, sorrindo brilhantemente.
Levantei-me da mesa, e o silêncio se instalou.
— Seguirei a ideia de Rol. — anunciei. — Mas antes, farei uma pesquisa para confirmar a veracidade de suas palavras.
Após a revelação sobre o néctar dos deuses, a conversa na sala de jantar recomeçou, agora com um novo tom de empolgação. Rol, que antes se mantinha retraído, agora brilhava com uma confiança contagiante. Seus olhos, antes opacos, agora faiscavam de inteligência e entusiasmo.
Enquanto o observava comer, não pude deixar de me impressionar com a beleza de seus gestos. Cada movimento era preciso e elegante, desde a maneira como ele levava a comida à boca até o modo como seus cabelos se moviam suavemente quando ele balançava a cabeça.
Sua risada contagiante inundava meu coração a cada segundo, e eu me vi desejando participar de uma conversa com ele, mesmo que por alguns instantes. Rol era, sem dúvida, um gênio.
Com a colher a centímetros da boca, me peguei em estado de choque. Desde quando me interessava por ele? Desde quando cada segundo de suas ações me intrigava tanto? Não que eu preferisse ser como era antes, odiando-o por ser quem era. Mas reconhecia sua genialidade em qualquer área que se dedicasse, sempre se destacando com sua inteligência e perspicácia.
Enquanto ele, tão seguro de si, sabia quem queria ser, eu me encontrava perdido há muito tempo. Afogado em um mar de raiva, ódio e amargura, nem sequer lembrava o que desejava fazer antes disso ou quem eu havia sido no passado.
Após a refeição, meus olhos se depararam com Átila e Rol entretidos em uma conversa. Aproximando-me, pude perceber que o assunto era o bordado que Vilma havia ensinado ao menino, e o lenço perdido que tanto o entristecia.
Em um impulso inesperado, estendi a mão para Rol, o lenço cuidadosamente dobrado na palma.
— O que é isso? — ele questionou, seus olhos cheios de curiosidade.
— É um lenço. — minha voz vacilou enquanto eu tentava explicar. — O bordado não é perfeito, mas pensei que você precisaria dele, já que foi um presente do pequeno Átila.
Rol retirou o lenço da minha mão, seus dedos deslizando suavemente sobre o tecido. Seus olhos se fixaram em Átila por um momento, um brilho de ternura em seu olhar.
— Átila, você é muito talentoso. Parabéns pelo belo trabalho. — ele elogiou, antes de envolver o menino em um abraço caloroso e depositar um beijo em seus cabelos.
Observei a cena com o coração transbordando de emoções. Senti uma mistura de felicidade por ver Átila contente e um aperto no peito ao testemunhar a gentileza de Rol.
Em silêncio, me afastei, meus passos lentos e pesados. A voz de Rol me alcançou antes que eu pudesse me distanciar completamente.
— Obrigado por ter me entregado o lenço. — ele disse, sua voz baixa e carregada de significado. — Essa foi uma atitude que eu nunca imaginei que você teria.
Um sorriso tímido se formou em meus lábios, mas as palavras se recusavam a sair da minha garganta. Meu coração batia descompassado, uma onda de emoções me consumindo por dentro.
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Gostaram?
Até a próxima 😘
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