Capítulo Trinta e Cinco 2°PARTE
Rol Fisher:
Enquanto o barco funerário se afastava lentamente, a chama dançava sobre as águas escuras, iluminando brevemente os rostos dos presentes. Uma atmosfera de pesar e despedida pairava no ar, enquanto lágrimas se misturavam com as águas salgadas do mar, testemunhando silenciosamente a partida daquele que partiu e levando consigo uma parte daqueles que ficaram para trás.
Um silêncio solene envolveu a multidão enquanto o barco desaparecia ao longe, levando consigo as memórias e os momentos compartilhados. Cada batida do meu coração ecoava como um lembrete da fragilidade da vida e da inevitabilidade da morte.
À medida que a noite avançava e as estrelas pontilhavam o céu, a comunidade se unia em sua dor, encontrando consolo na presença uns dos outros e na promessa de que, apesar da escuridão da noite, o sol ainda nasceria no horizonte, trazendo consigo a esperança de um novo dia.
Mas eu não consegui ficar ali por mais tempo e me afastei quando as pessoas começaram a voltar para suas casas. Minha mente estava um caos, tentando compreender como aquilo poderia ter acontecido tão facilmente. Aquela maldição estava se revelando um ser vivo tão forte que conseguira reescrever o feitiço de um Feiticeiro com tanta facilidade e destruir uma pessoa como se fosse nada. Vi como Carmuel ficou, parte de sua essência destruída e incapaz de se curar como um lobo deveria fazer. Era preciso ser muito poderoso para realizar algo desse tipo.
Olhei uma vez mais para a multidão; todos já haviam se distanciado então me virei e andei para longe. Eu iria ao lugar onde poderia ter a localização exata do lobo das sombras de Carmuel.
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Ao me aproximar do velho cemitério da alcateia, onde alguns eram enterrados - na verdade, mais para que seus familiares pudessem homenageá-los a cada ano - ouvi as vozes se elevarem em um coro irregular: uivos de dor e súplica, gritos e rosnados. Não era uma necrópole serena, mas desde que descobri que posso falar com os fantasmas, esta não era minha primeira visita ao cemitério. Fiz o melhor que pude para bloquear os ruídos, arqueando os ombros e desejando apenas ouvir o que desejava.
Além dos portões, uma aura sombria se elevava do chão como vapor, obscurecendo o brilho do osso contra o solo acidentado. Lentamente, a bruma começou a se fundir, adquirindo um estranho brilho cinza. Parei e coloquei as mãos nas barras do portão; o frio do metal infiltrando-se pela minha pele, penetrando nos ossos, e eu estremeci. Era um frio mais intenso do que o normal, e desde a última vez que estive aqui com Valmir, queria apresentá-lo aos demais fantasmas que não foram afetados pela maldição, ou que tinham assuntos pendentes ainda em vida, ou se arrependeram do que fizeram em vida.
Quando os fantasmas se levantam, extraem energia dos arredores, privando o ar de calor. Os pelos na minha nuca se arrepiaram quando a bruma cinza assumiu lentamente a forma de uma senhora de vestido esfarrapado e avental branco florido, com a cabeça abaixada.
— Olá, Margarete — eu disse. — Posso pedir um pequeno favorzinho?
A fantasma levantou a cabeça. A velha Margarete era um espírito forte, um dos mais fortes que já encontrei aqui, e uma das mais antigas do cemitério. Ela era uma cozinheira/guerreira dos primeiros líderes dessa alcateia, e viveu e lutou até o final de sua vida. Mesmo com a luz do luar se espalhando por uma brecha entre as nuvens, ela mal parecia transparente. Seu corpo era sólido, o cabelo retorcido em um penteado grisalho ruivo sobre um dos ombros, as mãos ásperas e vermelhas apoiadas nos quadris. Apenas os olhos eram ocos, chamas cinza idênticas ardendo nas profundezas.
— Devo dizer que já esperava que precisasse da minha ajuda — Margarete disse e sorriu para mim.
Ela deu uma volta ao redor de mim com um movimento deslizante peculiar dos fantasmas. Seus pés descalços estavam imundos, apesar de nunca tocarem o chão.
— Sei que deve haver uma confusão com os outros e ainda os membros da mansão — eu disse, coçando a nuca com um pouco de vergonha.
Ela sorriu, com os olhos tremeluzindo.
— Sim, muito triste o que aconteceu — Margarete disse e soltou um suspiro infeliz. — Não se preocupe, nenhum fantasma está culpando você por isso, mas se veio até aqui quer saber se eu tenho visto alguma coisa.
Ela sorriu calorosamente e assentiu, seus olhos cintilando com um brilho de sabedoria ancestral.
— O lobo das sombras, ele não está na alcateia, ou pelo menos não nas sombras deste lugar; está mais ao norte, além das barreiras — Margarete continuou calmamente, suas palavras carregadas de uma aura antiga e misteriosa. — Ele fugiu depois que você o assustou, mas está se dirigindo para as partes mais densas da floresta, onde...
Antes que ela pudesse terminar, eu já estava correndo para longe, agradecendo rapidamente enquanto me afastava.
— Obrigado! — ecoei em direção a Margarete, já distante, a urgência pulsando em minhas veias enquanto eu me dirigia para o norte, em busca do lobo das sombras.
Com um murmúrio de palavras ancestrais, invoquei a magia que pulsava em minhas veias, sentindo-a fluir através de mim como um rio de poder. Com um salto ágil e gracioso, eu me projetei para fora das muralhas da alcateia, sentindo o vento cortar o ar ao meu redor enquanto me lançava para a liberdade.
No ápice do salto, controlei meu corpo para deslizar suavemente até o chão, a energia da magia me envolvendo como um manto protetor. Num instante, me transformei em um lobo, deixando para trás a forma humana e abraçando a escuridão da floresta com toda a minha essência.
O mundo ao meu redor ganhou uma nova perspectiva, cada cheiro, som e movimento se tornando intensamente vívido e real. Com o coração batendo em ritmo selvagem de excitação, corri para a escuridão da floresta, deixando para trás as amarras da civilização e me entregando à liberdade indomada que só a forma de lobo poderia proporcionar.
Corri com determinação, meus olhos vasculhando a escuridão ao redor enquanto farejava o ar em busca de qualquer sinal de perigo. Foi então que percebi algo perturbador: algumas árvores estavam destroçadas, marcadas por garras cruéis que rasgaram a madeira como se fosse papel.
Parando bruscamente, voltei à forma humana com um estalar de dedos, minhas roupas se renovando em um instante, folhas desaparecendo. Enquanto me ajustava, uma sensação de alerta crescente percorreu meu corpo. Na escuridão à minha frente, algo se moveu. Um lampejo de luar revelou o brilho de olhos, e então uma sombra se desprendeu silenciosamente da mata, serpenteando ao meu redor.
Recuei um passo, a tensão se acumulando em meus músculos enquanto meus dedos se fechavam em torno da empunhadura da espada que materializou em minha mão. A sombra se movia com uma graça sinistra, seu corpo se desenrolando lentamente enquanto mantinha uma distância calculada.
À medida que se aproximava, a forma sombria se revelou como um enorme lobo. Seus olhos eram poços de escuridão, as veias escuras e roxas se estendiam das pontas das garras. As gavinhas de sombra que revestiam sua pele pulsavam com uma energia sinistra, enquanto sua cabeça se erguia para me encarar, emitindo um rosnado profundo que ecoou na escuridão.
— Pronto para voltar, lobinho? — disse, desafiador, e o lobo pareceu ainda mais raivoso. Havia um fogo estranho nos olhos da criatura quando ela virou o olhar para mim, os cantos de sua boca se torcendo em um sorriso de escárnio.
A fera se abaixou, preparando-se para atacar, e então saltou em minha direção. Concentrei minha magia e, no último instante, saltei para o lado, cortando o pelo do monstro enquanto sua mandíbula mordia inutilmente o espaço vazio onde eu estivera.
Olhei rapidamente ao redor da área, estupefato.
— Até que estou ficando muito bom nisso — disse, com um sorriso, e apontei a espada.
O lobo lambeu os lábios, preparando-se para atacar novamente.
— De jeito nenhum — continuei. — Ainda não estou com vontade de morrer.
Olhei para a criatura calmamente e lancei meu feitiço, vendo a magia fluir enquanto avançava e cortava a lateral de seu corpo. Minha mão brilhava com intensidade enquanto utilizava toda minha magia. O lobo pareceu sentir imediatamente o peso esmagador que pressionava seu corpo, forçando-o ao chão. Coloquei todo o meu poder em jogo para mostrar que era o mais poderoso entre nós, determinado a provar minha superioridade diante da criatura que havia trazido tanto sofrimento. Percebi que a pressão era forte demais para ela resistir. Esta seria parte da minha vingança pessoal pelo que esse monstro havia feito.
Então, vi o lobo cair de joelhos, suas patas dianteiras abertas em um gesto de rendição. Tentou rosnar para mim, mas a gravidade literal da situação o impediu até mesmo de abrir a boca. Ele tentou reunir suas forças para ficar de pé, mas era completamente impossível. Estava preso de joelhos, incapaz de mover um músculo.
Olhei para ele com um misto de triunfo e determinação, sabendo que esta era apenas a primeira etapa de minha vingança contra as atrocidades que ele havia cometido.
Todo o seu corpo imobilizado, ela olhou em choque aberto, impressionada com a realidade de sua situação. Tentou lutar e mudar de forma para ficar ainda mais forte, mas era em vão.
Olhei para a criatura e minha raiva se expandiu em meu coração.
— Acho que já desistiu, não é? — minha voz ecoou, carregada de desdém, enquanto eu observava o enorme lobo desmoronar ainda mais sob o feitiço. Vi suas sombras começarem a diminuir até que ele se transformou na versão pequena e cansada do lobo.
Com um estalar de dedos, criei um frasco de vidro e coloquei as sombras lá dentro, selando-as com uma série de feitiços que impediriam sua libertação, a menos que eu concedesse permissão específica para tal.
O frasco brilhou momentaneamente com uma aura sombria, as sombras se contorcendo dentro dele antes de se acalmarem, presas pela magia que eu impusera.
Segurei firmemente o frasco, sentindo o peso do poder contido dentro dele, voltei para a alcatei calmamente.
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Até a próxima 😘
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