Capítulo Treze
Rol Fisher:
Olho para a paisagem além da janela do meu quarto e observo o sol iniciando sua lenta descida, tingindo o céu com tonalidades suaves. Às vezes, divago sobre a bela paisagem que se estende até a praia, imaginando capturar a cena em uma fotografia ou até mesmo desenhá-la.
Meu corpo está completamente dolorido; a tríade de fatores composta por treinos intensos nos últimos dias, somada ao cansaço mental provocado pela presença constante de meus pais e irmã, tornou-se uma combinação desafiadora. Vê-los aqui, todos debochados, aumenta minha frustração, a ponto de me fazer nutrir pensamentos ainda mais sombrios sobre Carmuel, por permitir que eles permaneçam, ou até mesmo sobre meu "futuro noivo", que se revela um verdadeiro monstro.
Qualquer vestígio de pena que eu poderia ter sentido por aquele idiota nos últimos dias se dissipou por completo do meu coração. Como ele ousou pensar que seria uma boa ideia em qualquer circunstância?
Quanto ao meu "noivo", surpreendentemente, ele se revela uma pessoa agradável. Embora apenas ouça, incapaz de falar, age como um animal selvagem. No entanto, tenho apreciado sua companhia enquanto percorro os corredores da casa.
— Rol! – Uma voz chamou da porta, fazendo-me virar para ver parte da cabeça de Valmir. – Manu, quer falar com você!
Tenho ignorado os chamados da mãe fantasma de Tri e Carmuel nos últimos dias, ciente de que ela busca me persuadir a acreditar que sou o "santo dos So-Jeff".
Mesmo encarando Valmir dias a fio, escolho ignorar mais uma chamada. Parte de mim anseia genuinamente por ser esse suposto santo, mas algo se desfez dentro de mim desde que Carmuel tirou minha liberdade; a crença que eu tinha em mim mesmo simplesmente se esvaiu.
— Você já sabe qual é a minha resposta – retruquei, virando-me para a janela.
— Rol, eu sei que você quer ir, mas tem medo de se iludir ou, até mesmo, de não ser capaz – Valmir apareceu ao meu lado. – Ter medo de falhar é normal; todos erram e se sentem incapazes em algum momento.
Silenciei, ouvindo-o suspirar antes de surgir à minha frente. Dei um pulo para trás.
— Desculpa – Valmir disse. – Mas já que você não vai me ouvir, posso te contar uma história?
— Se eu disser que não, sei que vai contar mesmo assim – falei, e ele riu.
— Então está bem, mas para isso, você vai ter que segurar minha mão e se concentrar bastante – Valmir disse, estendendo sua palma transparente na minha direção. Fiz o que ele pediu, concentrando-me plenamente nele.
Na minha mente, várias imagens surgiram, e em uma delas, vi um Valmir mais jovem escondido atrás de uma estante de livros. Ele observava um garoto maior que eu jurava ser Carmuel, mas mais jovem e sem a aura sombria ao seu redor.
— Há muito tempo, existiu um jovem ômega que se apaixonou por um Alfa, seu predestinado na vida. Ambos se amavam mais do que tudo – a voz de Valmir continuou, e eu não entendia como uma história de amor poderia me convencer a acompanhá-lo. – Mas o ômega tinha medo de se aproximar, faltava-lhe coragem e confiança em si mesmo.
A cena mudou, mostrando o ômega sujo, enquanto outros riam ao seu redor, incluindo Carmuel.
— Sempre soube que ele era desprezível desde jovem – comentei, e a cena novamente mudou, agora para um quarto onde o jovem Valmir chorava.
A porta do quarto se abriu, e uma mulher entrou, reconhecendo Vilma.
— A mãe do garoto foi até ele e perguntou o que aconteceu. Ele explicou tudo, e ela disse que, se ele desejava algo, deveria ser confiante e amável – Valmir contou, mas eu cortei a conexão com essas memórias.
Esperei um pouco antes de abrir os olhos e me encontrar novamente em meu quarto, com Valmir à minha frente, olhando-me com confusão.
— Eu sei que a sua história de amor com Carmuel foi linda. Sua mãe me conta toda vez que estou almoçando ou jantando. Não quero ouvir novamente da pessoa que viveu – falei, e Valmir me encarou. – Você de qualquer maneira acabaria com Carmuel, mesmo que não tivesse dúvidas. É assim que as coisas são. Não vai me fazer ver que ele age sem pensar duas vezes.
— O que quer dizer com isso? — Valmir perguntou.
— Você é incrível; todos nesta alcateia dizem isso quando sua mãe começa a falar livremente sobre si mesmo — falei frustrado. — Valmir, todos aqui admiravam a pessoa que conheceram no passado. Quem deveria ser o santo era você, aquele que iria salvar a todos.
Me sentei na cama, me encolhendo e abraçando minhas pernas.
— Mesmo que eu tenha esses poderes que vêm da magia antiga, sou apenas um beta que não sabe lutar ou fazer nada além de existir — resmunguei, e pela primeira vez, me senti incapaz de fazer qualquer coisa. — Eu não sou a escolha certa para nada; só me relegaram para sofrer.
Valmir ficou em silêncio, reconhecendo a veracidade das palavras. Então, ouvi sua voz novamente.
— Rol, o que ouvi de você através do Santiago, ou até mesmo da Tri. Sim, eu escuto as conversas deles de vez em quando — Valmir disse com as bochechas avermelhadas, se fantasmas pudessem ficar envergonhados. — Seu coração é honesto e justo; você nunca se deixou ser rebaixado por ninguém. Sobreviveu sem ajuda da sua família biológica, que só quer sua humilhação e sua desgraça. Tenho convicção de que você é a escolha certa para tudo.
Olhei para ele.
— Essas dúvidas são algo que qualquer um terá em algum momento da vida — Ele continuou. — Você é assim, tem essas dúvidas, e isso é o que te faz real, o que te faz uma pessoa viva! Sei que é capaz de coisas incríveis e maravilhosas, assim como meus pais, a Tri, o Santiago e além dos outros fantasmas. Posso dizer até do Carmuel, que parece um pouco com ciúmes da sua aproximação com seu "noivo".
Seu sorriso se ampliou; Valmir me fez lembrar do meu amigo Scott, que certamente me daria o mesmo conselho.
— Eu... — Comecei, mas então um tremor percorreu o local. — O que está acontecendo?
Valmir arregalou os olhos, foi até a porta e a mesma se abriu imediatamente.
— Estamos sendo atacados! — Ele disse, desaparecendo, e fui atrás dele.
No corredor, era uma enorme confusão, vários empregados paralisados de medo ou guardas indo em direção ao perigo.
— O que está acontecendo? O que você fez? — minha mãe perguntou a poucos metros de mim.
— Calada! — Falei, passando por ela, e segui Valmir, que desceu as escadas mas nunca se esqueceu de desaparecer, fazendo-me perdê-lo de vista.
Saímos para o lado de fora, e um brilho vermelho surgia no céu. Olhei para baixo, e a poucos metros estavam Carmuel e Tri.
— Isso é ruim — ouvi ela falar quando me aproximei dela. — Isso é magia dos deuses.
— Mas o que os deuses estão fazendo aqui? — Carmuel perguntou. — Temos que ir.
Transformaram-se em lobos, seguindo em direção ao muro da cidade, onde os guardas já se preparavam para o ataque. Ouvi a voz de Santiago me chamar, mas continuei a seguir até o portão e me transformei em lobo, sem dar a mínima para perder minhas roupas.
Valmir começava a ficar mais transparente, então o portão explodiu, uma névoa branca entrou e começou a cobrir o gramado. Havia um cheiro pesado no ar, um odor penetrante de ozônio e algo mais, doce e desagradável. Figuras entraram, movendo-se velozmente para a frente e para trás. Eu só as via em fragmentos, enquanto apareciam e desapareciam por espaços na fumaça.
Avistei uma cavaleira, com os cabelos girando em cordas negras enquanto manejava uma espada, com seu outro lado transformado em garras. Ela estava combatendo o avanço de algo enorme e desajeitado, parecendo um demônio.
Meu coração acelerou. Tri já me explicara que demônios gostam de atacar à noite e vivem apenas na floresta da alcateia, o mais distante possível, e que raramente aparecem. No entanto, nunca haviam chegado à Alcateia em uma escala tão grande.
Enquanto cambaleava para frente, vi que a criatura tinha uma forma humanoida, mas era corcunda e contorcida, errada de alguma forma. Segurava uma prancha espessa de madeira em uma mão e atacava a guarda quase cegamente e violentamente.
— Deuses Caídos — sussurrou Valmir. Seu rosto brilhava de cansaço, quase não conseguia vê-lo. — Dezenas deles. — Ele parou bruscamente. — Rol, temos que voltar! Você tem que voltar!
Quando parei, já era tarde demais. Uma forma negra invadiu minha visão, sorrindo amplamente na minha direção, de forma distorcida.
— Olá, criança dos deuses — disse. — Bons sonhos!
Jogou um pó roxo sobre mim. Depois disso, não vi mais nada, apenas senti ele me pegando em seus braços. Tentei lutar contra a escuridão que se fechava ao meu redor, mas minhas forças estavam fracas. A sensação de ser carregado pelos braços daquela figura negra era como estar à mercê de uma correnteza sombria, arrastando-me para um abismo desconhecido.
Os sons da batalha ao redor desvaneceram-se gradualmente, substituídos pelo eco distante de vozes e risos maliciosos. Cada respiração tornava-se mais difícil, como se o ar ao meu redor se densificasse, oprimindo-me com uma sensação de sufocamento.
Por um instante fugaz, uma imagem turva passou pela minha mente, um vislumbre do rosto preocupado de Valmir antes que tudo se dissolvesse em escuridão completa.
E então, o vazio me consumiu.
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Gostaram?
Até a proxima😘
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