
Capítulo 39
MONTANHA
Eu não sabia muito bem lidar com os novos sentimentos que eu estava só começando a aprender a usar. E isso doía em mim. Doía porque a forma como eu ultimamente vinha lidando com a dor era machucando quem tinha sido responsável por causá-la.
E foi exatamente o que eu fiz quando estive sozinho com Júlia.
Machuquei-a com palavras.
E mais palavras.
E indiferença.
Isso porque eu não poderia dizê-la nunca que eu não conseguia acreditar que mesmo depois da noite que passamos juntos, que ela ainda continuava com Rui, com Rodrigo, com quem quer que fosse. Rafa tinha tentado me convencer de que tinha sido exatamente isso que tinha acontecido, mas meu coração insistia em não acreditar nessa história.
Mas Júlia nem sequer veio até a minha casa para tentar se defender e se desculpar. Tentou de fato me ligar algumas vezes, mas ela devia saber que eu não ia atender telefones depois do estardalhaço que a mídia estava fazendo, milhões de pessoas me ligando. Não.
Eu esperava pelo menos que ela viesse se desculpar...
Mas ela simplesmente não ligou.
Não tentou mais me ligar.
Só desapareceu da minha vida. Simples assim.
Tínhamos jantado mais cedo naquela noite e íamos fazer o que sempre fazíamos antes de chegar o dia do jogo. Era como se fosse uma espécie de tradição para acalmar os nervos. Íamos para o maior quarto, que nesse caso era o quarto de Pantera, e fazíamos duplas para jogar truco. O time que perdia era obrigado a beber uma dose de água, já que não bebíamos álcool antes de jogos.
Realmente me assustei quando cheguei preparado para jogar e um por lapso de memória simplesmente esqueci que nossos jogos costumavam acontecer com a equipe técnica, excetuando o treinador e o vice treinador. Ou seja, isso significava que eu estava de cara novamente com Júlia, muito perto de mim.
E para piorar, ainda que fosse comportado, ela estava usando um pijama. Ainda que fosse de flanelas. Dane-se a flanela, eu só conseguia lembrar de quando eu pude tocar o seu corpo...
Fui acertado por um travesseiro voador de Milk que gritou:
― Vão se sentando que o Pantera e o Doug estão trazendo os copos de shot e as garrafas de água. ― Concordamos. Me acomodei numa direção que não precisava ficar olhando para Júlia, mas quando Doug e Pantera chegaram, eles foram abrindo espaço entre as pessoas que tiveram que se acomodar novamente e eu acabei ficando quase que de frente com ela com essa nova arrumação.
Que ódio.
Ela sorria para Milk que estava ao lado dela. Eles iam fazer um par. Pantera perguntou se eu queria fazer par com ele como forma de se desculpar por ter sido um idiota na minha frente no dia anterior. Ele tinha feito o favor de ficar sorrindo maliciosamente só para me zoar e me tirar dos nervos enquanto Júlia desfazia um nó algo assim. Eu queria ter sido realmente o homem do controle extremo e dizer que nada disso me afetou, mas quando percebi estava tirando as mãos dela de cima de Pantera e me segurando, obviamente, para não colocar as mãos dela em cima de mim, no caso.
E foi também por esse ótimo motivo que eu neguei que ela me tocasse. Eu realmente não responderia por mim se ela começasse a me tocar e eu me arrepiasse e mandasse todo o sentimento de raiva, ódio que eu sentia por ela para o ralo e começasse simplesmente a beijá-la e agarrá-la se danando o mundo.
Era melhor não tentar a sorte.
Suspirei e começamos a jogar, fazendo duplas, trios e começando o truco. Ri enquanto via diversas vezes os meninos bebendo shots de água porque perdiam e, no fim, o meu maior desafio foi começar a ganhar de Júlia que era tão competitiva quanto eu.
― Truco.
― Seis. ― Ela disse arqueando uma sobrancelha. Sorri amarelo e bebi meu shot de água com os olhos cravados no dela.
A próxima eu ganhava.
E eu realmente ganhei. Foi a vez dela de beber água.
Ficamos nesse impasse por alguns shots e as pessoas começaram a se preparar para voltar para as camas. Estava ficando tarde e precisávamos realmente dormir para o jogo no dia seguinte.
Mas eu ainda estava ligado demais para dormir e ainda com muita raiva da bruxa má do oeste na minha frente.
Por que ela precisava continuar linda e gostosa mesmo depois de tanto tempo? Por que precisava ter aqueles olhos de botões me encarando como se não tivesse acabado de rasgar o meu coração frente toda a mídia? Porque diabos eu ainda continuava reagindo e ficando alterado todas as vezes que a olhava?
Como se imaginasse por onde os meus pensamentos pecaminosos andavam, Júlia bocejou e decidiu que aquele era o momento ideal para acabar com o jogo me deixando vencer. Contudo, embora ela tivesse me deixado vencer naquele maldito jogo de truco, a grande verdade mesmo é que na vida real, no jogo do amor, ela tinha me dado um nocaute bonito. E agora eu ainda estava tentando me levantar e continuar nutrindo raiva e ódio para vencê-la também nesse jogo do amor.
― Eu já vou dormir meninos. Não vão dormir muito tarde para amanhã vocês ganharem! Canadá que os espere! ― Os meninos riram, Doug respondeu:
― A gente já venceu, Ju. Estamos preparados para a medalha de ouro. ― Eu acabei rindo. Nós todos éramos muito convencidos quando se tratava de dar o nosso melhor nos jogos.
Ju mal saiu do quarto e eu dei uma desculpa qualquer para os meninos também saindo. Se ficou parecendo que eu estava indo atrás de Júlia, pouco me importava, porque a grande verdade é que eu realmente estava indo atrás dela.
Em passos largos, alcancei a porta do quarto dela no momento que ela estava fechando a porta. Coloquei o meu pé impedindo que ela fechasse e, no susto, ela largou a porta possibilitando que eu entrasse e fechasse a porta.
Não queria também que ninguém me pegasse no corredor invadindo o quarto da fisioterapeuta. No mínimo, começariam novamente os escândalos no meu nome.
Júlia ainda me encarava sem esboçar reações. Os lábios estavam entre abertos e aquela era uma maldita de uma tentação que eu não estava a fim de deixar para trás. Com mais dois passos, diminui a distância entre nossos corpos. Minhas duas mãos seguraram o seu queixo espalmando-se sobre as bochechas dela. Não esperei que ela conseguisse pensar no que eu estava fazendo, afinal, nem eu sabia direito o que estava fazendo ali. Simplesmente, diminui a distância entre nossos lábios e toquei seus lábios.
Já fazia muito tempo que eu não os sentia. E eu realmente não sabia lutar contra o misto de sentimentos que percorriam a minha alma. Os sentimentos de querer muito odiá-la, com todas as forças da minha alma, mas me sentir incapaz de fazer alguma coisa do tipo.
A única coisa que eu queria era continuar aquele beijo por mais alguns segundos, se assim o universo permitisse.
Júlia correspondeu ao beijo movendo os lábios levemente, mas eu queria muito mais. Novamente, era como se os sentimentos estivessem se debatendo dentro de mim. Amá-la querendo ganhar a batalha, ao passo que o machucá-la queria ter a sua vez. E talvez porque eu ainda estivesse tentando domar todas as feras que queriam se apossar de mim, demorei para perceber que Júlia havia me empurrado para longe dela, nossos lábios se desgrudando.
― Montanha... Eu queria antes me explicar, eu nunca te tr...
― Shii. Eu não quero ouvir. ― Disse dando um passo para trás. Era como se Júlia tivesse jogado água fria para cima de mim. O monstro interior que queria machucá-la por ter me machucado querendo ganhar cada vez mais vida.
― Eu não quero beijá-lo, voltar a ficar com você sem que você entenda tudo o que aconteceu, eu... ―
― Eu não estou aqui para ouvi-la. Esperava que tivesse entendido. ― Júlia ficou quieta por alguns segundos como se pensasse nas minhas palavras. Não dei tempo para que ela pensasse muito. Aproximei-me novamente para tentar beijá-la, mas ela deu um passo para trás.
― Não vou me aproximar mais. ― Disse entredentes. ― Afinal, já ficou bem claro para mim que nessa nossa relação só há espaço para que você me use e jogue o meu coração fora, não é mesmo? Eu não posso usá-la para ter alguns beijinhos a mais. Vê que injusto, Júlia? A única pessoa que saiu ferida dessa história toda fui eu.
― Isso não é...
― Eu não acredito. ― A interrompi.
― Eu tentei explicar para você! Depois que você perguntou se eu queria ter uma coisa com você, mesmo sem acordos, eu não fiquei com mais ninguém. E eu nunca fiquei com Rui. Ele inventou essa história toda! E eu tentei me explicar, mas o Rafa disse que você não queria falar mais comigo e...
― Você nem tentou! ― Disse com raiva.
― Tudo bem se você não acredita em mim! ― Gritou Júlia com lágrimas nos olhos. ― Eu não me importo que você me culpe. Pode fazer isso. Eu tenho em partes culpa por não ter te contado quando deveria. Eu mereço pagar pelo erro que cometi. Mas você também tem uma família agora, Montanha. Então não venha tentar me beijar quando você vai ter uma esposa e um filho esperando por você. Pense apenas no jogo e vença. Se sentir raiva de mim te fizer jogar melhor, que assim seja. ― Ela disse.
Meu sangue fervia de raiva e eu me vi a encarando com ódio. Tudo dentro de mim parecia um rebuliço enquanto eu tentava juntar tudo o que ela tinha me falado com as versões que Rafa havia me contado. Com medo de parecer começar a ruir na frente dela, engoli os sentimentos e pensamentos confusos e assenti.
― Pode ter certeza de que eu vou ganhar. Espero que não tire os olhos de mim, porque eu não tirarei os olhos de você quando eu fizer isso. Afinal, a raiva e o ódio que eu estou sentindo e colocarei no jogo é tudo aquilo que você merecia receber. ― Disse saindo do quarto e batendo a porta.
Só voltei a pensar nas minhas ações quando entrei no meu próprio quarto e comecei a pensar em tudo o que eu tinha ouvido e em tudo o que o próprio Rafa havia me contado. Ele tinha me dito que Júlia sequer veio me procurar, que ele que foi procurar ela e ela só queria o dinheiro. Que ele deu em consideração. Que ela não sentia nada por mim.
Que ela não demonstrou nenhum remorso por ter ficado com Rodrigo sempre e agora com caso com Rui.
E muito ferido, eu acreditei.
Apertei um lábio sobre o outro enquanto encarava o teto e controlava as lágrimas de raiva. Ficaria tudo para o dia seguinte. A raiva de Rafa querendo agir como um pai tóxico e não me contando tudo o que eu tinha direito de saber. A raiva de Júlia de ter acreditado no que falavam de mim e num primeiro momento realmente não ter querido ficar comigo. A raiva de mim mesmo por ter me embebedado o suficiente para engravidar uma outra mulher que não aquela a quem eu tinha entregue o meu coração por inteiro.
Respirei fundo e joguei uma água no rosto antes de me deitar. Mas os pensamentos continuavam forte. Ela parecia arrependida e parecia ter aceitado que eu não ficasse mais com ela pelo bem de uma família que ela nem sabia que não existia.
Eu nunca sentiria por Wanderleia um décimo do que eu sentia por Júlia.
Deitei na cama ainda sentindo o meu coração apertar no peito. Tinha sido muito difícil ter entendido que Júlia tinha me traído, mas tinha me feito de certo modo amadurecer. Afinal, não era mais ou menos o que eu costumava fazer? Usar as mulheres? Ficar com várias sem me importar com os sentimentos dela? Não muito diferente do que eu certamente senti. Como se meu coração estivesse rasgado por saber que o que eu sentia por Júlia não parecia ser a mesma coisa que ela sentia por mim.
Mas agora havia um mínimo de possibilidade de que ela também sentisse alguma coisa por mim... Ou que ela pelo menos tivesse sentido... Eu agora estava curioso se ela ainda sentia alguma coisa por mim ou se havia, como eu, esmagado o sentimento sobre várias camadas de outros sentimentos como ódio e raiva.
Balancei a cabeça em negativa. Não era o momento de pensar nessas coisas. Era o momento de focar, dormir e ganhar o jogo no dia seguinte.
E era o que eu, com certeza, faria.
Oi Oi lindezas!
Eu não vou fazer muitos comentários hoje. Só postei porque o capítulo já estava pronto, editado, meninas. Hoje eu estou de luto e peço compreensão, porque acabei de receber a notícia agora que estou escrevendo essa nota aqui (7:40 da manhã). Minha vó foi para a espiritualidade...
Ainda bem que não foi de covid. Ao menos dá para o povo ir velá-la, mas imaginem... Eu não posso ir porque sou grupo de risco e o cemitério, depois do hospital, é o local com mais probabilidade de pegar essa doença...
Mas eu sei que ali só está o corpo também... Ela já foi para um lugar melhor <3
Era para esse capítulo ser um capítulo com impacto... Pela raiva do Montanha... Mas acho que teve outro impacto para mim rs...
De qualquer forma, não sei se terei condições de responder os comentários desse capítulo hoje... Por um lado, responder vcs me faz esquecer um pouco da saudade, mas por outro... Não sei se vou conseguir responder sorrindo e com gracejos como costumeiramente faço... De qualquer forma, peço compreensão tb acaso eu não consiga postar capítulo amanhã... Recompenso durante a semana...
Bjinhoos
Diulia.
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