🌙 4.3. Assassin's Creed
Janet
Aquelas portas eram mais confusas que as de Alice no País das Maravilhas. Cada uma tinha um tamanho e um formato diferente e aquele estava sendo o ponto alto do meu dia.
- Boa sorte - disse um dos Deuses, pelos longos cabelos negros e os olhos cor de âmbar eu imaginava se tratar de Hades. - Apolo é o melhor espadachim dos últimos milênios. Ele é o deus das artes.
- Talvez ele pegue leve comigo - comentei.
Apolo riu, desdenhoso e cumprimentou o deus ao meu lado com um aceno.
Athena me mostrou as estocadas, paradas e defesas com escudo do jeito difícil. A cada golpe eu estava um pouco mais surrado e contundido.
- Mantenha a guarda alta, Janet- dizia ele, e então me atingia com força nas costelas usando a parte chata da lâmina. - Não, não tanto assim! - Plaft! - Ataque! - Plaft! - Agora, recue! - Plaft!
Quando ele pediu um tempo, eu estava empapado de suor. Todos correram para o isopor de bebidas.
Apolo despejou água gelada em cima da própria cabeça, o que me pareceu uma ótima ideia. Fiz a mesma coisa.
Na mesma hora me senti melhor. A força percorreu novamente os meus braços. A espada não parecia mais tão difícil de manejar.
- O.k., todo mundo em circulo! - ordenou Apolo. - Se Athena não se importar, vou fazer uma pequena demonstração.
Incrível, pensei. Vamos todos assistir enquanto Janet Baker é triturada.
Os garotos de Hermes se reuniram em volta. Estavam todos contendo o riso, centenas de semideuses estúpidos e deuses com um ego inflado. Imaginei que já tinham passado por aquilo e mal podiam esperar para ver Apolo me usar como saco de pancadas.
Ele disse a todos que ia mostrar uma técnica para desarmar o oponente: como girar a lâmina do inimigo com a parte chata da própria espada para que ele não tenha alternativa a não ser deixar a arma cair.
- Isso é difícil - enfatizou. - Já usaram contra mim. Não riam de Janet agora. A maioria dos espadachins precisa trabalhar anos para dominar essa técnica.
Ele demonstrou o movimento para mim em câmera lenta. Como previsto, a espada pulou da minha mão.
- Agora, em tempo real - disse ele depois que recuperei minha arma. - Vamos fazer o movimento até que um de nós tenha sucesso. Pronta, Janet?
Eu assenti, e Apolo veio para cima de mim. De algum modo, eu o impedi de golpear o cabo da minha espada. Meus sentidos se aguçaram. Vi seus ataques chegando. Eu rebati. Dei um passo à frente e tentei minha própria estocada. Apolo a revidou facilmente, mas notei uma mudança em seu rosto. Seus olhos se estreitaram, e ele começou a me pressionar com mais força.
A espada estava pesando em minha mão. Mas equilibrada. Eu sabia que era apenas uma questão de segundos antes que Apolo me derrubasse, então decidi: Que se dane!
Tentei a manobra para desarmar.
Minha lâmina atingiu a base da de Apolo e eu a girei, pondo todo o meu peso em um golpe para baixo.
Plem!
A espada do deus do sol retiniu contra as paredes. A ponta da minha lâmina estava a dois centímetros do seu peito desprotegido.
Os outros Deuses ficaram em silêncio.
Baixei a minha espada.
- Ahn, sinto muito. - Por um momento, Apolo ficou perplexo demais para falar.
- Sinto muito? - Seu rosto marcado abriu-se num sorriso. - Pelos deuses, Janet, você sente muito? Mostre-me aquilo de novo!
Eu não queria. A rápida explosão de energia maníaca me abandonara completamente.
Mas Apolo insistiu.
Dessa vez, não houve disputa. No momento em que nossas espadas entraram em contato, Apolo atingiu o cabo da minha, que saiu deslizando pelo chão.
Depois de uma longa pausa, alguém do público disse:
- Sorte de principiante?
Apolo enxugou o suor da testa. Ele me avaliou com um interesse totalmente novo.
- Talvez - disse. - Mas fico pensando o que Janet poderia fazer com uma espada equilibrada...
Sexta-feira à tarde. Eu estava sentada com Larissa perto do lago, descansando de uma experiência quase fatal no muro de escalada. A companhia do Espírito do Sexo sempre me fora agradável desde o sétimo ano do ensino fundamental quando nos conhecemos.
Eric, o sátiro que nos acompanhara subira até o topo como um bode montanhês, mas a lava por pouco não me atingiu. Minha camisa ficou com buracos fumegantes.
Os pelos dos meus antebraços ficaram chamuscados. Sentamos no píer, olhando as náiades que teciam cestos embaixo d'água, até que reuni coragem para pergunta a Larissa como tinha sido a conversa com Marcos.
Seu rosto assumiu um tom doentio de amarelo.
- Ótima - disse. - Legal mesmo.
- Então sua carreira ainda está nos trilhos?
Ela me lançou um olhar nervoso.
- Marcos contou a você sobre o Dia dos Namorados?
- Bem... não. - Eu não tinha ideia do que acontecera no Dia dos Namorados.
— Tudo bem. — ela se levantou. — Quero te mostrar algo.
Curiosa e temerosa, abro a primeira porta. Meu estômago embrulhava mas a minha vontade de descobrir a verdade era maior que qualquer coisa.
Respiro fundo. Eu era Janet Baker, e ninguém no mundo era mais forte que eu.
Viro a maçaneta e me deparo com uma cena curiosa, aquela porta dava para uma cena da minha mente, se tratava de uma lembrança. Passo pela porta, se era uma lembrança eu não seria vista nem ouvida.
Caíra no pátio do meu antigo colégio. O colégio elitista CNZ que eu costumava chamar carinhosamente de Inferninho. As paredes de azulejo brancas permaneciam as mesmas, os detalhes de listras vermelhas, amarelas e azuis, que eram a cor do colégio permaneciam as mesmas.
Os alunos iam e vinham no intervalo, passavam por mim como se eu fosse um fantasma, eu não podia sentí-los e eles pareciam não conseguir me ver nem ouvir. As garotas ainda usavam aquela maldita saia vinho que eu tanto odiava e os meninos jogavam bola na quadra durante o intervalo.
A minha antiga escola, onde eu passava boa parte do meu dia. Eu já havia reprovado duas vezes e se eu não passasse naquele ano, iria para um internato.
Desço pelas escadas de ferro pintadas grosseiramente de verde musgo, naquela época eu ainda não usava óculos e por não conseguir enxergar nem de perto e muito menos de longe, resultava em várias quedas. Havia se passado dois tempos de aula com a professora de matemática, aquele demônio loiro.
Aline era uma carrasca, ela havia perdido boa parte das cordas vocais devido ao fato de que ela gritava muito com seus alunos. Naquele dia, ela tinha gritado comigo, eu tinha esquecido o trabalho em casa e ela resolvera me humilhar perante a turma, aquele maldito radinho para amplificar sua voz, quase explodindo os meus ouvidos. Dissera para a classe inteira que eu era uma mentirosa e uma burra e que reprovaria novamente.
Como aquela mulher era professora de uma escola conceituada eu não fazia ideia. Anos depois, para o meu alívio ( E inúmeras denúncias de mães , pais e responsáveis de alunos.) Ela acaba sendo demitida.
Tropeço no último degrau e caio de joelhos no chão, tinha me urinado novamente, acontecia toda a vez que tinha aula dela, os professores eram indicados a não deixarem os alunos saírem das salas, e acontecia que, minha bexiga não queria saber disso. Ninguém aparece para me ajudar, ninguém parece ver mas pelo menos, daquela vez ninguém estava rindo de mim. Eu odiava aquele inferno.
Meu rosto estava inchado de tanto chorar, não queria chegar fedendo a urina em casa de novo, aquilo acontecia quase todos os dias. A professora de matemática havia passado um trabalho para casa e eu o havia esquecido na casa da minha avó. Como meus pais trabalhavam muito e nunca paravam em casa por conta da empresa eu sempre acabava tendo de ir para casa da minha avó, duas quadras depois para estudar.
Dentro de casa, meus pais estavam se divorciando. Meu pai estava nos falindo e eles brigavam o tempo todo. Ele obrigara minha mãe a assinar um papel, um contrato para o advogado dele onde ele ficaria com tudo: a casa, a empresa e os carros.
Meu pai, o meu herói. O homem que eu amava incondicionalmente. Era um monstro. Não que minha mãe fosse o melhor dos seres humanos, ela era uma mulher completamente desequilibrada. Os dois tinham um passado confuso, ela havia sido criada pela tia e adotada pela tia avó aos dois anos porque o seu pai não queria ficar com ela. Seu pai adotivo tentava estuprá - la na infância, sua tia batia nela. Eles carregavam esses traumas como feridas abertas todos os dias.
Meu pai havia sido criado pelos avós, a mãe dele não podia ser considerada sã e por conta disso ele acabou sendo criado e registrado pela avó. Ele não sabia quem era o seu pai, já que sua mãe acabava se prostituindo muitas das vezes. Eu quase compreendia porque ele era daquele jeito: frio, sádico, cruel.
A única que sabia de tudo aquilo. Que entendia como eu me sentia era Nathália, minha única amiga.
Abro a porta seguinte, outra lembrança estava lá. Via a mim mesma mais velha, chorando devido as atrocidades da minha mãe, as brigas eram constantes e por Deus, eu odiava ela. Quando o meu pai foi embora de casa e ela começou a ficar com caras diferentes, os anos foram passando mas aquele inferno nunca acabava e então, quando finalmente perdemos a casa porque meu pai parou de pagar as prestações do imóvel e fomos morar em uma antiga casinha que pertencera a minha avó, eu já tinha vinte anos e era a época em que eu desistira de fugir de casa.
A casa pequena e velha tinha apenas um quarto e uma sala, eu fiz a sala de quarto. Houveram brigas e brigas por que minha mãe queria ter uma sala com sofá, sendo que ela sequer tinha emprego, tão pouco dinheiro para comprar um sofá, ambas éramos sustentadas pela minha avó.
Ela brigava comigo porque queria transar com um cara e achava que eu não tinha o direito de reclamar, e eu reclamava porque não tinha porta e o quarto dela era colado com a sala onde eu dormia. Minha mãe era manipuladora a ponto de ligar para os meus tios e dizer o quanto sofria, mas me xingava e dizia que eu deveria ir embora de casa e só ter o que dizer se eu me sustentasse. Aquelas malditas lembranças que eu fizera questão de tentar apagar quando entrei para a ABIN.
— o que você viu? — Larissa me perguntou assim que voltei. — Seu rosto está pálido.
— Meu passado. — respondi.
— Oh. — ela não disse nada além, Larissa sabia bem sobre o meu passado, eu contava a ela.
NA MANHÃ SEGUINTE, não despertei com o som da entrada das criadas — elas já estavam lá — ou
com o barulho da água sendo preparada para o meu banho — que já estava pronto. Despertei,
na verdade, com a luz que atravessava aos poucos minha janela à medida que Willow puxava
delicadamente as cortinas ricas e pesadas. Ela murmurava uma canção, absolutamente feliz com sua tarefa. Eu não fazia ideia de como estava de volta ao Castelo das Luzes, e para ser sincera não queria saber.
Já eu não estava pronta para me mover. Meu corpo custou a esfriar depois de tanta agitação e ainda mais a relaxar depois que compreendi o que aquela conversa no jardim acarretaria. Se eu tinha uma chance, precisava pedir desculpas. Seria um milagre se o Rei permitisse
isso. Havia sido injusta com Marcos.
— Senhorita? Está acordada?
— Nãããããão — grunhi do travesseiro.
Tinha dormido bem menos que o necessário e minha cama era confortável demais. Mas
Willow, Beroé e Lucy riram do meu grunhido, o que bastou para me fazer sorrir e decidir me mexer.
Aquelas três garotas provavelmente seriam as mais fáceis de lidar durante minha temporada no palácio. Eu me perguntava se elas se tornariam minhas confidentes, ou se o treinamento e a etiqueta as impediria de compartilhar até uma xícara de chá comigo. Embora tivesse nascido
em uma família pobre da Baixada Fluminense, eu me passava por uma mulher de classe alta em Barueri agora. E o fato de serem criadas significava que elas eram pobres, provavelmente filhas de ninfas. Mas eu não tinha problemas com isso. Gostava da companhia das ninfas.
Dirigi-me lentamente para aquele banheiro gigantesco, e cada passo ecoava na vastidão de azulejos e vidros. Pelo espelho dava para ver que Lucy observava as manchas de terra na minha camisola. E os olhos cuidadosos de Anne também as detectaram. Por último, foi a vez
de Willow notar. Ainda bem que nenhuma delas fez perguntas.
Pensei que elas tentavam se intrometer na minha vida com suas indagações do dia anterior, mas eu estava errada. Era óbvio que estavam extremamente preocupadas com meu conforto. Perguntas sobre o que eu
fazia fora do quarto — quanto mais do palácio — seriam bem esquisitas.
Elas apenas tiraram minha camisola com cuidado e me acompanharam até a banheira.
Eu não estava acostumada a ficar nua com outras pessoas por perto — nem mesmo com Jake —, mas aparentemente não havia como fugir disso ali. As três iam me vestir
enquanto eu permanecesse no palácio, de modo que teria que aguentar até partir.
Será que elas tinham outras funções no palácio e haviam sido temporariamente dispensadas delas? Não seria educado perguntar o que faziam antes ali ou se era algo similar aos seus empregos na Terra, então fiquei calada.
Depois do banho, Anne secou meu cabelo, prendendo metade dele no alto da cabeça com as fitas que eu trouxera de casa. Sua cor azul acentuou as estampas floridas de um dos vestidos que haviam criado para mim. Então escolhi usá-lo. Willow fez minha maquiagem.
Desci as escadas em direção a Sala principal, onde ficava a mesa de jantar e onde o rei e a rainha comiam.
Eu não tinha estômago para comer.
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