Surpresas Estranhas
No dia seguinte, chego bastante cedo ao laboratório, e meu espanto quase não cessa quando reconheço os cabelos prateados.
- Não fique feliz demais. Vim só para ver qual era a sua por aqui.
Drogo parece um pouco constrangido e quase menos hostil do que de costume.
Quase...
- Naturalmente, Drogo...Vamos, vou mostrar qual é a minha por aqui!
Reviro os olhos, ironicamente, o que arranca dele um sorriso de canto. Drogo me segue ate uma bancada com diversos dispositivos.
- Bom, esses são alguns protótipos que desenvolvemos: sintetizadores, cadeiras de rodas, controles remotos universais, mãos mecânicas... Alguns deles já funcionam, mas tem o comando baseado em aplicativos que usam sensores de movimento. Nossa ideia é pular essa etapa. Queríamos encontrar uma forma de transformar um impulso neurológico complexo em comandos. Já existem alguns chips para instalação no córtex motor que tem sido bastante bem sucedidos, mas nosso trabalho aqui é tentar encontrar chips mais refinados, que transmitam comandos cognitivos e para isso precisamos de materiais...
Drogo me interrompe, parecendo dominar o assunto.
- Semicondutores, eu sei.
- Exato. E é por isso que estamos aqui. Bem longe do glamour e dos holofotes. Você consegue lidar com isso?
Ele revira os olhos, mas sorri assentindo, ironicamente.
- Eu tenho uma reputação para zelar... Seus holofotes não me interessam...
Suas palavras me arrancam um riso sincero. Apesar do esforço nítido para manter uma postura distante, o interesse de Drogo me surpreende. Decidimos que ele vai me ajudar diretamente a testar as propriedades da liga metálica, e enquanto mostro a ele os primeiros cálculos com o material.
- Drogo, você está liberado. Acredito que você tenha uma aula agora, não?
- Por favor...
Ele faz um gesto de escárnio, como se eu tivesse dito uma grande piada. Provavelmente ele estaria matando aula, então desisto de mandá-lo embora.
Tento não parecer comovida ou vitoriosa demais por ter conseguido cativar seu interesse, sabendo que com ele cada conquista poderia desabar como um castelo de cartas, mas estou realmente feliz em tê-lo por perto. Drogo parece incansável.
- Já são quase sete horas! Vamos finalizar por hoje! E Drogo, por mais feliz que eu esteja com sua presença, não posso deixar você continuar matando aula. Nas próximas, venha nos horários livres ou estarei encrencada!
Ele levanta uma sobrancelha.
- Então vou ter que enganá-la, fingindo que estou indo para as aulas?
- Por favor, me engane! Amanhã tenho várias turmas de manhã, e só virei a tarde para o laboratório.
- Amanhã a tarde, tenho que não frequentar algumas aulas, já que não sou bem vindo durante o período escolar.
Rimos juntos. Apesar de achar exasperante esse traço opositor, reconheço as mudanças na nossa relação.
Na saída, encontro com Sarah, que me acena. Vou ao seu encontro, sorridente.
- Você parece contente! - Ela me diz, com um olhar terno. - O que aconteceu?
- Drogo Bartholy.
Sarah abre os olhos, surpresa.
- Não vai me dizer que você...
Eu me sinto corar diante do rumo dos pensamentos de minha amiga.
- Não! Isso nem passou pela minha cabeça
Levo minhas mãos ao peito, simulando um infarto. Sarah me lança um olhar cômico, embora ela pareça estranhamente aliviada.
- Depois dessa preciso até de um café. Brasileiro. Não essa porcaria de chá que vocês tomam por aqui. Vamos até minha casa?
Sarah assente. No caminho, pergunto a ela sobre o resto da noite, e após me contar brevemente, ela conclui.
- Felizmente para mim eu não sou um pára raio de encrencas como alguém que eu conheço! Primeiro, Loan devorando você com os olhos no Pub, e agora, melhor amiga de Drogo Bartholy. Por que as moças boazinhas sempre gostam dos caras maus?
Respondo a ela no mesmo tom de piada. Sarah ri.
- Não sei, Sarah. Se encontrarmos alguma no caminho perguntamos para ela. E Loan não é tão mal assim... - e concluo, diante de um olhar terrivelmente desaprovador, tranquilizando-a. - Mas não faz meu tipo. E Drogo é algo diferente...
Conto a ela sobre a participação de Drogo no laboratório e ela parece reflexiva.
- Bem, vamos ver por quanto tempo isso se sustenta. Em todo caso, cuidado. Drogo tem fama de conquistador. - Sarah diz, rapidamente se corrigindo diante do meu olhar intimidador - E mesmo que não seja o que está acontecendo nessa relação entre professora e aluno, não dê brechas. Aqui em Mystery Spell, as pessoas acusam antes de perguntar.
Quando entro para fazer o café, o olhar de Sarah rapidamente se volta para o medalhão sobre a mesa. Ela parece intrigada.
- O que é esse medalhão, Victória?
Conto à Sarah a história de como o encontrei e ela parece pensativa.
- E você conseguiu abri-lo?
Dou de ombros, assentindo.
- Não foi difícil.
Sarah tenta forçar a pequena trava, em vão. Ela examina o objeto com cautela.
- Victória, eu sei que vai soar estranho para você. Mas esse medalhão é seu e você deveria usá-lo. Eu sei que você não acredita em nada dessas coisas, mas esse é um medalhão de proteção. Você não deveria procurar o verdadeiro dono dele. É ele quem escolhe. E por algum motivo ele escolheu você.
- E porque ele me escolheria?- Digo, levantando uma sobrancelha.
Sarah dá de ombros.
- Você pode ser relacionada a quem conjurou o feitiço. Você não conhece ninguém em Mystery Spell?
Balanço a cabeça, negando.
- Nunca havia ouvido falar da cidade até me oferecerem a vaga.
Ela me olha com um ar enigmático.
- Pode ser que ele tenha achado que você precisava de proteção...
Olho para Sarah, desconfiada e um pouco divertida, mas ela não parece estar brincando.
- Eu frequentei a aula de Mitos e Lendas, pode questionar Sebastian Jones. Mas se eu fosse você, não mostraria isso para ninguém. Quanto menos pessoas souberem, menos o feitiço de proteção poderia ser desgastado. Venha, vou colocá-lo para você.
Rendida, levanto meus cabelos para que Sarah coloque o medalhão ao redor de meu pescoço. Sinto arrepios, como se estivesse recebendo uma grande quantidade de energia subitamente. Coloco o medalhão por dentro de minha blusa. Ela me olha cautelosa.
- Como você se sente?
- Melhor.- Respondo com sinceridade. -Sarah, há uma foto de um jovem dentro do medalhão. Você sabe algo sobre isso?
- Provavelmente foi quem conjurou o feitiço. Só estranho o fato de ser um homem. Não há muitos linhagens bruxas em que homens herdam poderes.
Sua expressão se torna sombria.
- Você sabe muito sobre essas coisas, Sarah...
Diante do meu olhar desconfiado, Sarah parece constrangida, como alguém que tivesse falado demais.
- Pelo menos foi o que aprendi no curso de Mitos e Lendas.
Apesar de não estar convencida, não insisto. Prefiro aproveitar a companhia de Sarah. Ela me conta que mora sozinha, mas próximo à sua avó, que praticamente a criou. Ela passa pouco tempo com seus pais, que moram com novas famílias desde que o casamento terminou.
- Mas está tudo bem! Por alguns motivos, sempre me senti mais próxima de minha avó do que de meus pais. Digamos que eles tinham dificuldade de compreender algumas coisas a meu respeito!
Quando ela questiona sobre minha família, desconverso, me sentindo um pouco culpada. A noite avança rapidamente, e quando nos despedimos, já é madrugada. Abro o medalhão e vejo a imagem do jovem de olhos azuis. Estou imaginando coisas, mas ele me parece familiar e essa sensação me conforta. Mas talvez seja apenas o desejo de familiaridade.
Estou sozinha. Minha mãe se foi e encarei seguindo em frente, como ela sempre me ensinou a fazer. Não conheci meu pai, meus avós ou meus primos. Não há ninguém por mim.
Em geral não gosto de sentir pena de mim mesma. Meu ex namorado faria tudo por mim e me recusei a aceitá-lo por medo da solidão. Tenho bons amigos, poucos, porém leais...
Mas nesse momento, a força dessas ponderações não me impede de fantasiar com uma futura família, feliz como em um comercial de margarina.
Uma linda criança corre em minha direção e a figura de um homem vem me amparar. Antes que eu caia de vez nos braços de Morfeu, minha mente quase inconsciente preenche a imagem do rosto perfeito da garotinha, com seus cabelos loiros e o homem, tão familiar, com seus braços envolvidos ao meu redor, enquanto acaricio seus longos cabelos castanhos.
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