O xeque mate do peão- parte 2
Olho para a expressão serena de Victória, ainda dormindo profundamente, com o coração apertado. Se as minhas pesquisas sobre as lendas do povo Zingari estiverem certas, o seu mundo esta prestes a tornar-se muito mais sombrio...
De alguma forma, tudo o que se passou com ela parece se conectar com o que traduzi do material de Sebastian... Uma profecia sobre um mortal com poder sobre o portal entre os mundos. Um mortal com poder para trazer o fim à criaturas míticas....
Ainda que eu não tenha certeza de qualquer coisa, percebo que Victória ainda está em perigo.
Se Viktor ou os originais souberem da remota possibilidade de que esta profecia esteja referindo-se à Victória, ela jamais estará a salvo...
Talvez a ideia mais sábia fosse tirá-la completamente do radar de Viktor, fazê-la esquecer sobre os Bartholy e sobre o nosso segredo, mas eu não consigo sequer cogitar este caminho.
Como eu poderia abandonar a garota corajosa que me ajudou a encarar as sombras de meu passado, no momento em que ela irá encarar as sombras em seu futuro?
Meus pensamentos são interrompidos por um toque em meu ombro.
- Nicolae, sei que você está preocupado com ela, mas preciso que você desça...
As palavras de Peter significam que Viktor demanda minha presença.
Ao redor da mesa, nosso pai se senta ao lado de um Drogo com uma expressão contrariada, nos aguardando.
Viktor dá a primeira palavra. Seus olhos cintilam com uma ferocidade velada.
- Muito bem, meus caros. O que sabemos até agora?
Conto brevemente meu episódio no manicômio, diante das expressões surpresas de meus irmãos.
- Por fim, perseguindo a pista dada por Viktor, acabei por me deparar com o plano de assassiná-lo, o que me fez pensar que a mesma pessoa possa estar envolvida com os ataques vindos do manicômio, com a tentativa de assassinato de Viktor e com o sequestro de Victória...
Viktor revira os olhos, impaciente.
- Nicolae, pare de ficar conjecturando sobre coisas óbvias e me apresente um corpo ou um culpado!
Eu me antecipo.
- Há um corpo...
Coloco a foto do homem carbonizado sobre a mesa.
- Este é... ou era... o Reitor Baumann, da Universidade de Mystery Spell. Nós o identificamos por sua arcada dentária. Quase não sobrou com o que trabalhar.
- E o que o faz pensar que estas... sobras... - a expressão de nojo de Viktor se soma a um desprezo voraz - ... pertenciam ao homem que tramou contra minha vida?
Desta vez, é Drogo quem responde
- Vasculhamos sua casa, e retiramos estes materiais, antes que a polícia começasse a investigar e nos ligasse ao desaparecimento do reitor. Parabéns, papai... Parece que você tinha um admirador!
Meu irmão se adianta, colocando sobre a mesa diversos jornais com notícias sobre Viktor e sobre as empresas Bartholy.
Além disso, havia uma documentação extensa sobre como eliminar vampiros, com cópias de documentos em várias línguas. Algumas chegavam a parecer piada, como lendas sobre Van Helsing e outros caçadores de vampiros.
Um trabalho demasiadamente amador para alguém que conseguiu ir tão longe...
Viktor sibila.
- Muito bem. Com o culpado eliminado, imagino que esta história não deverá me causar mais problemas.
Viktor é taxativo, mas algo sempre soa estranho quando as peças se encaixam com tanta facilidade. Um culpado pego em flagrante, e cheio de provas contra si.
Mas ainda assim, um suspeito sem nenhum motivo para o crime.... Isso não parece incomodar nosso pai, que me interrompe de meus pensamentos, dirigindo-se ao meu irmão.
- Mas ilumine-me, Drogo. Como este homem perverso encontrou seu fim?
Drogo me olha, tenso. Não podemos mentir em resposta à uma pergunta direta de nosso criador, então sempre medimos com cuidado nossas palavras quando nos dirigimos à Viktor.
- Uma explosão. Ele foi morto em uma explosão na antiga fábrica onda mantinha Victória cativa.
Os olhos de Viktor se estreitam. O mal de tê-lo como nosso criador é que é praticamente impossível ocultar qualquer coisa dele.
-Que belo eufemismo! Vocês estão tentando me convencer de que uma explosão que carbonizou um homem, e colocou abaixo um prédio, poupou uma garota que não deve pesar mais do que sessenta quilos? Achei de depois deste tempo todo, meu caros filhos tivessem aprendido a não subestimar minha inteligência... Nicolae, me esclareça!
É uma ordem direta. Sinto Viktor usar sua dominância sobre mim.
Eu posso ser resistente, mas sei que não adianta lutar contra isso.
Prefiro satisfazê-lo antes que ele consiga me obrigar a revelar toda a verdade, incluindo a participação de Sierra.
Não sei bem porque eu a estou protegendo...
Controlo minha ansiedade. Preciso agir com inteligência.
- Muito bem. Mas antes de começarmos, eu vou usar a promessa de honra.
Viktor estreita os olhos.
- Não confia em mim, Nicolae?
Apenas disparo as palavras, à guisa de uma resposta direta.
- Você me deve.
Viktor suspira.
- Devo entender que você está ciente que a sorte sorriu a você quando precisei de sua ajuda? O que você vai me pedir deve ter uma importância vital para que você lance mão do favor de um vampiro nobre...
Assinto.
- É de maior importância. Peter e Drogo, vocês serão nossas testemunhas?
Os dois rapazes concordam, solenemente, sem entender realmente onde pretendo chegar.
- Muito bem, então acabe logo com o suspense.
- Você não deverá tomar nenhuma atitude que venha a prejudicar Victória. Seja ela de qualquer natureza. Nem para machucá-la, nem para transformá-la, ou qualquer outro ato que fira sua integridade.
Viktor me analisa centímetro a centímetro.
- Você tem certeza, Nicolae? Conheço-o muito bem meu filho, desde que o seu sangue entrou em mim. Sinto em suas entranhas o seu desejo pelo sangue dela, sua ambição desesperada de que ela se tornasse sua amada imortal. Você pretende abrir mão disso, mesmo contra sua vontade?
Eu o interrompo.
- Por minha vontade respondo eu. Apenas prometa.
Viktor dá de ombros.
- Muito bem. Considere feito! Nicolae, meu caro, você ainda é um vampiro jovem, mas um dia entenderá que a existência de uma vida humana é breve demais. Porque eu me incomodaria em destruir uma coisa tão... volátil? Tudo bem que seu descuido com o suas obrigações nestas últimas semanas, tem sido no mínimo... irritante. Mas ainda que ela te... distraísse, eu não quebraria o equilíbrio frágil dessa panaceia que vocês chamam de amor.
Espero Viktor terminar seu discurso carregado de cinismo. Quando percebo a atenção de todos sobre mim, revelo a verdade que meu criador tanto deseja conhecer.
- Acredito que Victória foi sequestrada por sua origem Zingari. Foi ela quem causou a explosão que matou o reitor Baumman e destruiu o prédio, ainda que não estivesse consciente quando o fez.
Viktor me olha como se eu tivesse dito a coisa mais óbvia do mundo, mas Drogo e Peter parecem confusos.
- Estou decepcionado com a ignorância histórica dos meus filhos! Vocês nunca ouviram falar sobre o povo Zingari?
Peter e Drogo se entreolham. Eu me encarrego de explicar, diante do olhar impaciente de Viktor.
- Zingari significa vingança, na língua antiga. É um povo cigano renegado. Eram muito famosos pela aparência. Todos nasciam com cabelos vermelhos terrosos e olhos verdes âmbar. Quase amarelados.
Peter é o primeiro a quebrar o silêncio.
- Como os de Victória...
Concordo com ele, assentindo. Viktor continua.
- Pela aparência e pelo gloriosa propensão à desonestidade... mas ainda não compreendo qual a correlação entre eles e o que aconteceu aqui! O que de interesse uma garota que nem conhece sua origem poderia oferecer a um homem que quisesse minha cabeça? Ainda que ela seja capaz de explodir algumas paredes com magia negra, isso não é bom o bastante!
- Essa é a parte complicada... As lendas sobre a traição zingari são intimamente ligadas... a nós. À criação dos vampiros.
O três parecem confusos. Mesmo Viktor parece não saber do que estou falando.
- Há uma lenda...Pegue meu laptop, Drogo. Procure uma pasta... povos italianos...
Drogo segue meu comando. Ele abre meu computador e começa a procurar.
- Nicolae, há dezenas de arquivos entulhados aqui... sinceramente, ainda bem que você trocou o papel pelos arquivos digitais. O que exatamente você está procurando?
- Procure lenda do Guardião e da Aldeã...
Peter suspira, pegando o computador da mão de Drogo. Sua voz enche o cômodo. Viktor nos ouve, interessado.
- O estudo das lendas dos povos itinerantes remonta à uma reprodução quase geográfica da assimilação cultural. Vale ressaltar que devido à tradição de transmissão oral, novos elementos são agregados, porém, a estrutura linguística é preservada nos elementos de fala dos personagens e nos elementos cosmogônicos, como segue nesse mito de destruição, reproduzido por um povo da etnia Nan, na Itália do século XVIII , que narra a existência de um ser ...
- Peter, pule para a segunda parte. Onde descrevo a lenda.
- Não, por favor, não pare! Eu achei que fosse conseguir tirar meu primeiro cochilo em cento e cinquenta anos! – Drogo diz, com um ar entediado.
Reviro os olhos.
- Apenas... leia, Peter.
Meu irmão suspira.
- No início dos tempos, O Guardião da luz e das sombras observava o espelho que separava os mundos, indiferente ao destino dos homens. - Peter reinicia a leitura, e o silêncio impera na sala- Certa manhã, enquanto andava pela aldeia dos Veidas, o guardião avistou uma jovem que distribuía centeio e água para os mais pobres.
Em todos os seus anos de vigilância, seus olhos nunca haviam alcançado algo tão belo. Seus olhos eram azuis como o céu, e seus longos cabelos dourados caiam em ondas até sua cintura. O guardião se aproximou, encantado por sua alma brilhante e pura, como a água que brotava da fonte.
Tombado de amores pela aldeã, o Guardião cruzou a barreira entre os mundos, disposto a fazê-la sua esposa. Ele a levou para o seu lado, onde não havia o sofrimento, a dor ou a fome.
Encantada com o que viu, a aldeã seguiu o guardião, mas então seu coração bondoso se ensombreceu. Enquanto vivia no paraíso, ela se entristecia pelo destino dos desvalidos que deixara para trás.
Incapaz de conter sua tristeza, a aldeã impôs uma condição a seu futuro esposo. Ela seria sua companheira, e seus dias seriam cheios de alegria e bonança. Mas antes, ela desejava passar três invernos distribuindo sua prosperidade pelo mundo.
Sem poder negar a felicidade de sua amada, o guardião a concedeu um medalhão, capaz de realizar o seu desejo. E então ela saiu, disfarçada, distribuindo bênçãos e prendas por onde passava.
Ao final de três invernos, o guardião a esperou no limite entre os mundos. Mas os dias de espera não trouxeram sua amada de volta.
Inconsolável, ele se disfarçou de andante, para procurá-la entre os homens. Sob todos os céus, em todos os cantos do mundo, durante cinco invernos. Os salões ecoavam as lendas sobre a generosidade da jovem viajante, mas em nenhum lugar, se soube de seu paradeiro.
Exausto, o guardião finalmente parou para descansar, em uma noite de lua cheia. Uma campanha de ciganos o acolheu, com roupas limpas, comida e canções. Todos os homens e mulheres tinha cabelos vermelhos como o fogo, e a prosperidade parecia reinar em seu lar.
Alimentado, adormeceu, sob as estrelas, quando o zumbido da lâmina assobiou, acordando-o. Três irmãos, líderes do povo que o acolhera, o cercaram para assaltá-lo. Percebendo que havia sido traído, ele observou com mais atenção seus captores. No pescoço do irmão mais velho, o medalhão de sua amada denunciava seu crime.
Transtornado pela dor, o guardião se revelou, em todo o seu poder, subjugando os três homens.
Como castigo, lançou-os uma maldição. O irmão mais jovem e menos cruel, foi eternamente atormentado por visões daquilo que se foi e daquilo que seria, e sua magia o tornou sozinho entre seus pares, até o fim de seus dias. O segundo irmão, transformou-se em um ser feroz, condenado a se transformar em besta na lua cheia, como lembrança da noite de seus crimes, transmitindo a semente de sua maldição para todos os seus filhos. E o terceiro homem, tornou-se frio e impío, condenado a se alimentar do sangue daqueles que amava, sendo incapaz para sempre de fechar os seus olhos.
O guardião enviou suas criaturas pelo mundo, como vingança contra a humanidade que não protegeu a sua amada. E o povo amaldiçoado foi condenado a vagar para sempre, no limite entre os mundos, vigiando em seus sonhos, o céu em chamas e as trevas do lugar onde antes estivera o paraíso."
Peter termina a leitura com um ar inquisitivo.
- Então esse... guardião.. segundo essa mitologia, criou vampiros, lobisomens e bruxas? – ele diz, levantando uma sobrancelha, incrédulo.
- Porque essa seria a parte inverossímil sobre vampiros, lobisomens e bruxas, não? – digo, com uma resposta zombeteira.
Drogo dá de ombros. O olhar de Viktor parece vidrado, como se ele estivesse tentando juntar as peças.
- Para mim, soa apenas como uma lenda.
- Talvez. Mas para muita gente, nós também somos apenas uma lenda. - respondo, pensativo. – Há muitas representações alegóricas nessas histórias. O que não quer dizer que tudo nelas seja uma mentira.
- Ainda assim, Nicolae. Há muitas perguntas não respondidas aí. A principal delas é... por que?
Peter responde, pensativo.
- Havemos de convir que não há muitas formas de um humano eliminar um vampiro da categoria de Viktor... Talvez entendendo o que deu origem à nossa existência, ele estivesse tentando encontrar uma forma de dar fim a ela.
- Ou talvez até ele já tivesse descoberto os meios para isso. – digo, com um olhar sombrio. – Apenas não conseguimos entendê-los ainda.
Viktor parece agitado.
-Se há qualquer possibilidade de que ele tenha pistas verdadeiras sobre como eliminar vampiros, os originais devem ter acesso às informações! Não deixaremos pedra sobre pedra nesta cidade até que isso esteja resolvido!
Viktor tenta se levantar, mas é como se algo o segurasse na cadeira. Irritado, ele recupera a compostura, e me sorri, com um ar maligno.
- Algo mais que seu pai deva saber, meu amado Nicolae?
Balanço a cabeça, afirmativamente.
- Pode ser que eu tenha esquecido de mencionar que essas pistas envolvam uma eleita de uma profecia sobre os Zingari e sobre os Veidas. Que parece ser a criatura a deter o poder de nos destruir.
Pelo sorriso irritado de Viktor, percebo que ele finalmente compreendeu o significado de sua promessa de honra. Ainda que a simples existência de Victória represente uma ameaça, ele não poderá fazer nada sobre isso.
- E você acredita que sua garota foi sequestrada pois o Reitor Baumman acreditava que ela era o cerne dessa profecia?
Drogo e Peter também me olham surpresos.
- Precisamente. Embora não tenha maiores detalhes sobre o que ele acreditava que ela deveria fazer.
- Muito bem, meu caro. E portanto, a promessa me impede de entrar em contato com os Originais pois isso poderia ferir Victória. Longe de sua cidadezinha querida, e longe de sua garota. Então seremos somente nós a resolvermos o problema. Xeque mate, Nicolae. Para não sacrificar a rainha frágil, você deu em troca o tabuleiro inteiro!
Drogo diz calmamente, levantando uma sobrancelha.
- Ora Viktor. Se tivesse tido o trabalho de conhecer seus filhos tal como você alega, talvez você tivesse aprendido uma lição muito simples.
Viktor responde, na mesma métrica sarcástica.
- Presenteie-me com sua sabedoria, jovem Drogo.
Ele então, responde, sorrindo vitorioso.
- Nunca jogue xadrez contra Nicolae. Você sempre vai perder.
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