Irmãs, irmãos
Lorie se joga em meus braços quando chego na mansão, mal me dando tempo de colocar minhas malas no chão.
- Nico! Te amo, te amo, te amo, te amo!
Ela me olha com seus grandes olhos cor de mel.
- Promete que não vai mais embora?
Dou um beijo em sua cabecinha loira.
- Prometo que vou sempre voltar.
Lorie sorri satisfeita. Olho sua pequena silhueta, com suas roupas bem cuidadas e seu cabelo impecavelmente penteado, se afastando rumo ao jardim, como um pequeno tornado...
É impossível as vezes não me questionar se estamos realmente fazendo um bom trabalho ao cuidar dela... Gostaria que existissem livros para ensinar a lidar com alguém na situação de Lorie. Mas em momentos como esse, em que ela mostra ser de capaz de emoções positivas, sinto a esperança de que possamos aos poucos curar suas feridas...
Subo as escadas, encontrando Peter em seu quarto. O movimento harmônico de suas mãos se transforma em uma melodia que preenche meus ouvidos. É quase inacreditável.
Devo ter o pianista mais talentoso do planeta dormindo sob o meu teto... Ele está tão absorvido que nem nota a minha presença. Espero Peter terminar sua música antes de chamar sua atenção, com um toque suave na porta.
Ele me olha com amizade e se levanta para me cumprimentar.
- Nico, que bom que você está de volta! Fez boa viagem?
- Vamos dizer genericamente que sim.
Peter parece preocupado. Ele é muito sensível ao sofrimento de outras pessoas.
- Aconteceu alguma coisa?
- Somente tive algumas companhias indesejáveis. Mas acredito que acertamos o caminho da investigação, embora isso ainda vá me dar trabalho para as próximas semanas...
Conversamos por vários minutos sobre a cidade de Nápoles.
Peter é uma alma romântica e predisposta a beleza e às artes. Quando mortal, viajou muito para apresentações como pianista, apesar da pouca idade com que foi transformado. Sua cultura é impressionante.
- Mas imagino que não seja isso que o está aborrecendo...
Decido contar para ele a experiência infeliz com Sierra. Seu olhar preocupado se fixa em meu rosto.
- É um grande problema, não se deixar adoecer pelo tédio da imortalidade...
- Eu sei. Mas alguns são mais enfermos que outros...
- Nicolae, você sabe que se você quisesse ajudar a resgatar sua... amiga... nós faríamos o possível para dar a você este espaço. Viktor sempre coloca uma grande carga em suas costas
A solidariedade de Peter me comove, mas não pretendo fazer uso dela.
- Sierra é um caso perdido, Peter. Já era quando mortal e o tempo só a fez piorar. Parece que seu poder de corromper o que está a seu redor somente aumentou...
- Mas você não acredita que o amor que ela tem por você não poderia curá-la?
Amor...
Rio sem humor.
- Não creio que seja amor, Peter. É apenas posse. E familiaridade.
Peter me olha, com curiosidade.
- E você, a ama?
Olho pela janela, observando a lua minguante e uma certeza me invade.
- Não. Não a amo.
Meu irmão me olha, sorrindo.
- Então você já está pronto para a próxima.
Rio com vontade do comentário de Peter.
- Estou pronto para ter um pouco de sossego. Por falar em sossego, onde está Drogo que ainda não está aqui me irritando?
- Na faculdade.
- Garotas, confusões ou festas?
- Trabalho.
Sorrio para ele.
- Crie uma desculpa mais plausível, Peter! Às oito horas da noite?
Meu irmão me observa com um ar enigmático.
- Drogo está ajudando a professora Victória em um projeto. Em troca de não reprová-lo por faltas, ela ofereceu um trabalho no laboratório.
Levanto a sobrancelha, surpreso. A menção ao nome de Victória mexe com algo dentro de mim.
- E Drogo aceitou?
- Não apenas aceitou como vem se empenhando bastante. Ele tem passado vários dias fazendo hora extra na faculdade...
Minha sensação é de completo atordoamento.
Drogo passando tempo voluntariamente na faculdade já é algo que não vi no último meio século... E a participação tão contundente de Victória nesta mudança de comportamento de Drogo a torna ainda intrigante...
O que no mundo convenceria Drogo a passar seu tempo trancado em um laboratório?
Peter se antecipa a minha confusão com sua sabedoria precoce habitual.
- Você e Drogo tem muito o que conversar...
O retorno ao piano é sua maneira cortês de me informar que ele encerrou um assunto...
Saio de seu quarto ainda inquieto. Tento analisar alguns manuscritos, mas é impossível. Qualquer som do vento nos metais do portão me tira a concentração.
Quase nove e meia...
Quando finalmente Drogo atravessa a porta, vejo seu sorriso de lado sarcástico. Ele sabe que não costumo ler seus pensamentos a não ser aqueles que ele deseja me mostrar, mas não preciso disso para saber que ele está tramando algo.
- Voltou cedo! O colchão do hotel não agradou, Nicolae?
- E você voltou tarde! Está fazendo serviço comunitário? Infringiu as regras da condicional?
Levantei a bola para Drogo cortar...
- Ah, homem de pouca fé... Uma garota bonita me chamou para ajudá-la e eu não sei falar não para um donzela em apuros...
Em poucos segundos, ele me mostra várias imagens de Victória no laboratório. Mesmo através das memórias de Drogo, ela parece adorável, como uma miragem.
- Muito bem, Drogo. E como se deu essa proeza?
Meu tom desinteressado não convence nem a mim mesmo. Drogo me presenteia com um de seus sorrisos predatórios.
Algumas vezes me pergunto se o leitor de pensamentos sou eu ou ele...
- Victória é bastante... persuasiva. É mais fácil mostrar do que explicar...
Drogo me leva através de suas lembranças à conversa em que ela pede para acompanhá-la em seu laboratório. Aquele tom tão firme e motivado em seu rostinho jovem, transparece todo seu idealismo, seu desejo de ajuda-lo...
É impossível não achá-la cativante.
Drogo parece testar meus nervos quando passa então, para um momento em seu laboratório. Ele e Victória trocam olhares cúmplices depois da visita de Samantha Parker, que parece fazer muito barulho por um relatório esquecido.
Começo a temer as verdadeiras motivações de Drogo...
Há um carinho e admiração verdadeiras por Victória nas lembranças pelas quais ele passeia...
Em uma de suas aulas, uma garota começa a chorar na primeira fileira durante uma explicação teórica. Victória interrompe e dispensa os demais alunos, enquanto conversa com a garota por alguns minutos, que parece se acalmar.
Drogo interroga a garota sobre o que ela havia conversado com a professora. A voz embargada da jovem preenche as memórias de meu irmão.
- A professora Victória disse que também teve dificuldade com a mesma matéria e que quase reprovou! Ela me pediu para que persistisse e se ofereceu para me ajudar depois da aula!
Drogo prossegue em suas lembranças.
Tento não pensar nos motivos pelas quais elas começam a me torturar...
As cenas são irresistíveis...
Drogo me presenteia com uma visão panorâmica porém detalhista de sua cintura fina e de seus quadris se movimentando enquanto ela desajeitadamente preenchia a lousa com uma equação... Os cabelos, presos com um grampo em um coque frouxo, caiam desordenados por seu rosto enquanto ela espera os alunos terminarem de resolver uma questão...
Victória detém seu olhar em um livro, completamente inconsciente dos olhares que está atraindo...
Eu me deixo ser levado através das memórias de Drogo pelo caminho sinuoso de seus cabelos ondulados, caindo distraídos sobre seus lindos olhos, sobre sua boca bem desenhada, fazendo contraste do rubro com sua pele clara... E então, Drogo fecha a cena, com um olhar caloroso e cheio de orgulho de Victória, direcionado à ele, quando é o primeiro a entregar o resultado correto...
Direcionado à ele...
Drogo interrompe o fluxo de seus pensamentos, para meu alívio.
- É uma garota e tanto, a professora Victória.
Sinto um aperto em meu peito diante da seriedade de suas palavras. Retomo o controle de mim.
- Que bom que você parou de chamá-la de Coitadinha. Estou orgulhoso de você.
Drogo me acena com a cabeça e segue para o seu quarto.
Uma sensação desalentadora me toma quando me vejo sozinho em meu escritório.
Drogo está apaixonado por Victória?
Ela sem dúvida é a causa de sua mudança tão positiva... Eu me sinto encurralado!
As semanas seguintes foram uma verdadeira tortura.
Drogo chegava diariamente cheio de imagens de Victória.
Imagens que somente um homem apaixonado poderia registrar uma mulher...
Os detalhes delicados de suas sardas.. a luz atravessando suas íris verdes...
Cada pequeno gesto desajeitado, cada atitude de desprendimento, além de me comoverem até os ossos, me faziam cada dia mais convencido de que Drogo está completamente apaixonado por ela...
E ela retribuía a cada olhar com uma intensidade tão grande que estou certo de que o sentimento é recíproco. Meu estômago revirava a cada cena revivida com Drogo.
Apesar de esmagado, tento parecer o máximo acolhedor possível diante do entusiasmo de meu irmão. Como não ser, vendo Drogo tentando dar o seu melhor? Ele nunca dividiu esse tipo de memória comigo...
E além disso, vejo o carinho por Drogo nos olhos de Victória. E eu sei, apesar de tudo, que meu irmão pode ser excepcional quando ele quer.
Meu amor por meus irmãos é maior do que qualquer coisa que possa nos acontecer. Não sei quanto diferente eu seria de Sierra se eles não estivessem em minha vida. Drogo, Peter, Lorie... Eles me salvam todos os dias desta existência longa e cheia de remorsos...
Jamais faria algo para machucar um deles.
Decidido a não interferir, tento me concentrar em meu trabalho. Depois de muitos emails mal humorados de Viktor sobre a minha falta de rendimento, eu me afundo nos materiais que trouxe da Itália.
Enquanto leio algumas páginas de um relato sobre a espada Tenebris, Drogo me chama, antes de ir para a faculdade.
- Nicolae, vou precisar de sua ajuda.
Seu olhar tem uma seriedade indecifrável.
- Chamarei Victória para vir aqui a noite.
O nó em minha garganta não me impede de proferir as palavras de aceitação
- Claro Drogo. O que você tem em mente?
- Bom, pensei em uma noite de poker, e você sabe... humanos precisam jantar... Você cuida dos preparativos?
Olho para baixo, tentando suportar as cenas projetadas em minha mente...
- Parece perfeito.
Drogo acena de longe.
- Eu quero que seja perfeito
Assinto, sentindo meu humor se afundar em desespero...
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