Esqueletos no Armário - Parte I
Sentada nas escadarias, saboreio a marmita que Nicolae insiste em deixar pronta para mim, interrompendo uma longa tradição de descuido alimentar e almoços negligenciados.
Peter, a quem eu estava esperando, senta-se ao meu lado, com uma expressão amigável.
- Eu lamento não ter conhecido o Nicolae antes de ... você sabe. A comida dele parece realmente muito boa.
- Ele é muito bom nisso, tenho que confessar. Nicolae não perdeu a mão para alguém que não deve ter cozinhado com frequência...
No último século...
Peter dá de ombros.
- Quando Mia era au pair de Lorie, ele cuidava da comida o tempo todo.
Levanto a sobrancelha, surpresa.
- Uma au pair sobreviveu à Lorie e ao Drogo na mesma casa?
- Enfim, isso foi há muito tempo.
Peter fecha a expressão, olhando para os próprios pés, como ele costuma fazer quando sente que falou demais. Não insisto no assunto, apesar da curiosidade. Conhecendo melhor os irmãos Bartholy, aprendi que ninguém é capaz de tecer um casulo em torno de segredos tão bem quanto Peter.
E é exatamente por isso que preciso dele.
O jovem vampiro me direciona um olhar acolhedor.
- Confesso que fiquei curioso quando você me pediu para encontrá-la... Precisa de minha ajuda para algo, Victória?
- Sim, Peter. Eu sinto muito por incomodá-lo... É que não queria conversar na mansão...
Observando meu rosto contra a luz, ele aperta os olhos, parecendo preocupado.
- Você está bem, Victória?
Balanço a cabeça assentindo. Hesito por alguns momentos, mas pretendo ir direto ao ponto.
- Sim! Não quero forçá-lo a nada, Peter, mas preciso pedir que o que conversarmos, fique entre nós. Você poderia guardar um segredo?
Seus olhos verdes me observam com cautela. Peter morde os lábios, de um jeito ansioso. Ele parece dividido por meu pedido nada habitual.
- Claro, Victória. Guardarei qualquer segredo seu como se fosse meu. Mas aqui não parece um bom lugar para isso. Venha comigo!
Acompanho Peter através do campus, até um descampado isolado, e nos sentamos em um banco, afastados da movimentação.
Este lugar me é familiar...
Olho ao redor, me certificando que não estamos sendo ouvidos.
- Há alguns meses, tenho tido sonhos bastante estranhos... E eles vem ficando mais frequentes...
Tento rememorar o máximo de detalhes.
- São como se fossem recortes das memórias de alguém. Algumas cenas se passam aqui no campus, mas há lugares que nunca vi. E por mais que eu tente, eu não consigo encontrar conexão entre elas...
- E você acredita que esses sonhos possam ter algum significado?
- Sim! Alguns deles se repetem, como se me convidassem a ouvir uma história. Há essa jovem, que vem me perseguindo. Ela está em um baile, ansiosa, como se estivesse prestes a fugir. Mas eu sei, eu sinto, que algo terrível está para acontecer com ela. E há esse garoto, que olha para ela de um jeito que me assusta, mas é apenas uma criança... Peter, eu não sei se é uma lembrança ou ...
Um silêncio reflexivo paira entre nós. Não consigo dizer a palavra visão. É estranho que meu lado racional ainda brigue tanto com aceitar que esses sonhos possam ter significados, depois de tudo o que vem me acontecendo.
Peter aceita a hipótese com naturalidade, me lançando um olhar perspicaz. Sua doçura desaparece por trás de um ar investigativo.
- Você sente que esses sonhos estão tentando dizer algo. E imagino que queira minha ajuda para descobrir quem são essas pessoas e o que elas significam, certo?
- Sim, Peter. Se você aceitar, é claro.
Não me sinto bem de forçá-lo por esse caminho. A verdade é que já procurei por esses nomes. Tentei encontrá-los na internet, sites de busca, sites da polícia, sem encontrar absolutamente nada. Listas de aprovação, notícias, obituários...
Nem um único registro.
A inexistência de provas de que estas pessoas são reais garantiu minha tranquilidade por algum tempo, mas essa sensação vem desmoronando como um castelo de areia.
Há alguns meses, eu teria varrido meus receios para debaixo do tapete, acreditando tratar-se de imaginação, mas os últimos fatos tem mostrado que minha mente foi menos criativa do que capaz de negar a verdade ao longo dos anos. Peter me tira de meus devaneios.
- Victória, você é nossa família agora. Farei qualquer coisa para ajudá-la, Mas não entendo... Por que você não fala sobre isso com Nicolae? Ele é um excelente investigador!
Engulo em seco diante das palavras de Peter. Encaro seus olhos verdes. Ele me observa em silêncio, sem saber o que esperar.
- Porque ele ficou tão feliz quando acreditou que não havia nenhuma maldição a meu respeito que eu prefiro ter mais certezas antes de trazer essa angústia a ele.
Peter me encara com uma expressão indecifrável.
- E você tem motivos para achar que ele está errado?
Falar isso em voz alta não vai tornar a situação mais real, mas é impossível não me sentir dessa forma.
- Peter, eu sinto em meus ossos que Nicolae está errado.
Ele parece confuso diante de minha certeza.
Não o culpo.
É nítido que na relação entre os irmãos, Nicolae é a figura que paternal em quem os demais depositam a confiança.
- Não é possível, Victória. Nicolae foi claro sobre a profecia. Sua mãe teria que ser a descendente dos Zingari!
Balanço a cabeça, frustrada.
- Eu ainda não sei como as coisas se encaixam. Mas eu sinto que meu destino está seguindo um caminho sobre o qual eu não tenho controle!
Peter me encara com uma expressão cheia de ternura.
-E você vem carregando o peso desta dúvida sozinha porque acha que Nicolae merece ter um período de felicidade? Essa é a coisa mais corajosa, mas ao mesmo tempo mais condescendente que eu já ouvi, Victória!
Dou de ombros.
- Não vejo por que aborrecê-lo antes de ter certeza de qualquer coisa!
Ele suspira.
- E eu não vejo por que você deveria passar por isso sem dividir com Nicolae! Se o que você está falando tiver a menor chance de ser verdadeiro, você não conseguirá realmente protegê-lo ! Não percebe que a mente dele está em conflito o tempo todo sabendo que um dia você vai...
Peter se interrompe bruscamente, mas eu não preciso que ele complete a frase. Ergo uma sobrancelha.
- Que um dia eu vou morrer?
Ele se cala, como se tivesse falado demais. Coloco uma mão em seu ombro, com carinho.
- Peter, escute... Já encarei a perda da pessoa mais importante do mundo para mim. Quando vocês cruzaram meu caminho, eu soube o que era ter novamente uma família.
O mais novo dos Bartholy me dá um sorriso de canto de derreter o gelo das calotas polares.
- Mas por mais que eu possa amar as pessoas novas em minha vida, a falta que ela me faz se tornou parte de mim. Não preciso que vocês me ensinem a sobreviver a um luto... Mesmo que seja ao meu próprio.
Peter me olha como se estivesse me vendo claramente pela primeira vez. Ele parece compreender bem.
Bem até demais...
Seus olhos traduzem um brilho sombrio enquanto ele me encara em silêncio.
- Eu a ajudarei. Mas você deve prometer uma coisa! Qualquer evidência de que você esteja certa, contaremos ao Nicolae. Imediatamente.
Assinto, concordando com suas condições. Peter me observa, hesitante.
- Você não tem medo?
- Seja mais específico, Peter.
Ele me olha de canto de olho. Mal ouço sua voz fraca.
- De estar certa...
Rio, sem humor.
- O tempo todo. Mas se for realmente inevitável, a única escolha que terei é se vou aceitar de olhos abertos ou fechados. E eu pretendo entender melhor o que eu sou...
- Victória....Quem você é! E isso todos nós sabemos. Você é uma pessoa boa! Não importa o que tenho vindo com você!
Fico emocionada com suas palavras. O introvertido Peter que se expressa tão lindamente com suas músicas, mas que esconde seus sentimentos e segredos atrás de um silêncio educado. O mais jovem e mais sensível dos irmãos. Coloco o indicador no meio de sua testa.
- O mesmo vale para você, você sabe, não?
De um vampiro centenário e sábio, ele desmonta de timidez, até se tornar um jovem adulto recém saído da adolescência com um sorriso de canto constrangido.
Encantador como ele deve ser antes de ter seu destino transpassado por Viktor Bartholy.
Eu me pergunto que fim trágico levou sua vida...
Gosto de imaginar que ele teria encontrando uma pessoa sensível e criativa que investiria seu tempo para conhecer o lindo mundo interior deste rapaz e o ajudaria a se traduzir para as demais pessoas... Definitivamente alguém especial.
Alguém como minha mãe...
Por cima do ombro de Peter, reconheço finalmente a familiaridade da cena. Este é o exato banco onde, em meu sonho, minha mãe observava Peter, ao longe, ao lado de Anita.
É claro. Como não pensei nisto antes?
- Peter, acho que sei por onde podemos começar! Há um registro sobre antigos alunos aqui no campus?
Seu olhar torna-se perspicaz. Ele sussurra.
- Sim. Não vai ser fácil, mas é algo que posso providenciar. Mas precisamos nos encontrar aqui quando ninguém estiver observando. Há uma troca de turnos por volta das onze horas... Hoje a noite é muito cedo para você?
Sempre vai ser muito cedo...
- Não. É perfeito!
- Ótimo. Eu espero você aqui!
Apertamos as mão, selando nosso acordo.
Meu pensamento é rapidamente invadido por uma preocupação elementar. Como passar pelo sensor de mentiras humano de Nicolae Bartholy?
A resposta vem andando em minha direção, vestida em um lindo conjunto bem cortado de linho.
Mesmo em um dia de semana, Sarah consegue parecer um oásis no meio do deserto, enquanto eu devo estar parecendo com algo que lembra, vagamente, uma escoteira depois de um apocalipse nuclear.
De qualquer forma, eu não sei se me sinto completamente representada por essa versão de mim mesma...
Há algo em mim que protesta ferozmente todas as manhãs, quando me escondo por trás dos coques de grampos e das blusas sem formato que cabiam tão bem em minha vida pregressa...
Definitivamente preciso de umas compras... além de ser a desculpa perfeita para não estar na mansão. Corro para interceptá-la.
- Sarah! Você poderia de me ajudar com uma coisa hoje? Depois das aulas.
Seu olhar desconfiado repousa sobre minhas bochechas coradas pelo constrangimento.
- Claro, meu anjo. Do que você precisa?
Suspiro, tomando coragem e pego em minha blusa, de forma ilustrativa.
- Roupas. Acho que preciso de algumas coisas novas...
A surpresa em seus olhos castanhos é rapidamente substituída por um sorriso malicioso.
- Oh Victória... Você nem imagina o quanto esperei por este momento!
Isso vai ser interessante...
O dia se passa sem intercorrências, embora o relógio se arraste. Sinceramente, não estou nem um pouco ansiosa para encarar Nicolae.
Quando ele me procura no final do expediente, é quase uma tortura saber que falto com a verdade diante daqueles olhos azuis tão francos que observam meu rosto com devoção.
Eu me escondo por trás de uma expressão casual.
- Não vou à mansão hoje, Nicolae! Sarah e eu teremos uma noite de garotas!
Ele parece decepcionado, mas me direciona um olhar compreensivo que faz meu estômago se revirar de culpa.
- Jantar? Espero que não tenha enjoado de minha comida!
Sua falsa modéstia é traída por um bom humor bastante vaidoso.
- Não... sua comida é perfeita.
Nicolae me lança um olhar triunfante.
- Eu sei, o que posso fazer? É um dom! Mas prefiro ouvir isso de você!
Que janota pretensioso!
Ele me abraça rindo, enquanto cola seus lábios em minha testa.
- Então, qual destino se obsequiará da visita das damas?
Sorrio internamente. Alguém que não o conhecesse pensaria tratar-se de uma brincadeira, e não de um velho hábito que escapa quando ele está suficientemente relaxado para não se vigiar.
- Adoro quando você fica vitoriano!
- Não mude de assunto, minha bela! Eu sei quando você está escondendo algo!
Seu olhar malicioso se fixa em meu rosto. Mesmo com nossos esforços em manter a privacidade de meus pensamentos, às vezes eles gritam tão alto que Nicolae percebe algo em torno deles. Meu coração acelera, mas tento manter a calma. Suspiro, resignada.
- Vamos comprar roupas...
Ele ri com vontade, desenhando aquela covinha que me reduz ao estado de pó.
Sinto a culpa revirar minhas entranhas.
A boa notícia é que o meu constrangimento é tão grande que qualquer outro sentimento permanece encoberto.
Nicolae inclina minha cabeça para trás, enquanto me envolve em seus braços e beija meus lábios.
- Divirta-se! Mas espero que você saiba que nada do que trouxer das lojas vai fazer justiça à minha visão preferida...
Reviro os olhos e ele me responde com uma piscada charmosa. Vejo o contorno de seus ombros largos enquanto ele se afasta, com meu coração apertado.
Não percebo a aproximação de Sarah até o momento em que a surpreendo, medindo minha silhueta com um entusiasmo quase maligno.
- Não vejo a hora de colocar você dentro de um par de calças decentes e incendiar esses jeans!
Céus...
Descobri que Mystery Spell tem um número insano de lojas de roupas e Sarah parece extremamente motivada a me arrastar por cada uma delas.
Para falar a verdade, eu até saberia escolher sem precisar de tanta ajuda. Mas Sarah realmente tem um olhar artístico sobre as coisas. Minha amiga percebe potencial em peças que eu não me daria sequer ao trabalho de tirar do cabide.
O resultado de seu trabalho parece deixá-la satisfeita.
- Muito bem, já conseguimos dar um jeito nas suas roupas de trabalho e para o dia. Agora precisamos de algo mais... distrativo para você!
Ela me sorri com malícia. Sinceramente, prefiro não ter testemunhas para escolher coisas... distrativas.
Eu a interrompo, planejando já estar livre no horário de encontrar Peter.
- Na verdade, precisamos de um café! O universo está em expansão acelerada, mas meu salário não....
Sarah me dá um tapa na cabeça, me fazendo rir.
- Você poderia ser só um pouco menos a nerd "de exatas" às vezes! Vamos tomar seu café, marmotinha teimosa. Depois de tirar você a noite inteira do Nicolae, o mínimo que eu poderia fazer seria devolver você em um embrulho interessante.
Dou de ombros, revirando os olhos de modo significativo.
- Ah, já entendi. Ele não liga a mínima para isso! Pelo jeito a pressa não abandona nem mesmo os homens imortais!
Rimos juntas. Quando nos sentamos, olho para Sarah, que parece distraída admirando sua obra prima em minhas sacolas e pensando nas combinações que pretende me obrigar a usar.
Meus pensamentos tomam um rumo inesperado.
- Sarah, hoje Peter me falou sobre algo surpreendente. Você sabia que os Bartholy já contrataram uma au pair para Lorie?
Sarah engasga com sua bebida.
- Sim. Mia Cooper. Assunto para outra hora.
Sarah sussurra apressadamente, com um tom quase irritado. Ela parece olhar ao redor, como se eu tivesse acabado de fazer algo proibido. Pelo jeito, este assunto tem mais desdobramentos do que eu imaginava... Deixo que minha amiga se recupere e decida se deseja ou não dividir essa história.
Diante de meu olhar intrigado, Sarah recua, parecendo cautelosa.
– O que Peter falou sobre isso?
- Nada em especial! Algo sobre Nicolae cozinhar para ela... Apenas fiquei curiosa.
Sarah suspira.
- Vou me arrepender disso, mas já sei que não adianta esconder nada quando você fica curiosa! Mas isso fica entre nós!
Assinto, tranquilizando-a. Ela começa sua história, de modo que ninguém nos escute
- Há muitos anos, essa jovem, Mia Cooper, mudou-se para Mystery Spell. Dizem as histórias de nosso clã que Mia tinha um raro dom. Ela era capaz de diminuir e modular os poderes de outros seres sobrenaturais. Ninguém sabe porque ela veio à cidade, mas o fato é que a despeito do que pensaram as bruxas, foi na porta dos Bartholy que ela bateu. E para o choque de todos, Nicolae a acolheu como au pair . Apesar do conflito que isso causou, minha tia avó Eliza insistiu em se aproximar dela, e convenceu minha avó a fazer o mesmo. Elas se tornaram melhores amigas.
Eu me recordo da avó de Sarah. É a mulher que vi conversando com Sebastian Jones, prevenindo-o contra Nicolae. O outro nome também me soa familiar...
- As duas tentaram convencê-la a deixar a mansão dos Bartholy, mas já era tarde demais para ela.
- Por que tarde demais, Sarah?
- Mia estava apaixonada.
Sinto o sangue sumir de minha face.
- Apaixonada?
Sarah se adianta, como se entendesse meus temores.
- Por Drogo. E dizem que ele era completamente louco por ela. Aparentemente a garota era uma beldade.
Desta vez sou eu que engasgo. Como eu nunca soube disso?
Não faz o menor sentido... Drogo é um lutador. Ele jamais desistiria tão facilmente de alguém que amasse.
- Céus, Sarah, o que aconteceu com essa garota?
Sua expressão se fecha.
- Ninguém sabe, Vic. Mia desapareceu após ser vista indo uma noite para mansão. Por muitos anos, os Osborne culparam os Bartholy por seu desaparecimento.
Balanço a cabeça, negativamente. Conheço cada um dos três. Eles dariam a vida antes de ferir alguém que eles amassem.
Sobretudo Drogo. Por baixo de sua superfície hostil, encontra-se um dos homens mais leais que já conheci. Impulsivo e verdadeiro, ele jamais toleraria continuar existindo se tivesse feito algo dessa monta. Meu coração boxeia meu peito.
Algo ruim certamente deve ter acontecido com mulher por quem Drogo se apaixonou.
Seja lá o que for, tenho certeza de sua inocência, mas sei como deve ser fácil para quem não o conhece, delegar a ele a culpa. Olho para Sarah e digo firmemente.
- Não. Apenas um Bartholy seria capaz de fazer mal a uma garota inocente. E ele não mora naquela mansão.
Minha amiga dá de ombros, concordando, para minha surpresa.
- Sim, também acho. Não acredito mais que Drogo seja culpado. Certamente deve ter algo a ver com o sociopata que eles chamam de pai.
Sarah olha para as próprias mãos, imersa em pensamentos. As ideias fervem em minha mente. Se Viktor Bartholy decidiu fazer algo a essa garota, com certeza não foi de graça.
Nunca realmente questionei os motivos pelos quais o sempre tão contestador Drogo submete-se aos desmandos de Viktor... Será que ele a tem como prisioneira? Será que é em sua existência se fixam os grilhões que amarram Drogo ao sobrenome Bartholy?
Meu coração congela, percebendo uma simetria dolorosa.
A amiga de infância transformada por Viktor. A belíssima garota da foto em família. A mulher tão desesperada por Nicolae que colocou minha cabeça a prêmio....
Sierra.
Nicolae, que falou livremente sobre ter sido casado, nunca citou seu nome. Mas ela vem sempre voltando para me assombrar, seja pelas palavras de Lorie, seja por suas fotos perdidas. Uma intuição de algo ruim me domina. Viktor é um ótimo leitor de pessoas pelo que pude perceber.... Se ele a transformou, eu me pergunto que tipos de sentimento ele acreditava que Nicolae nutria por ela... Lorie já confirmou que eles não são apenas amigos e não creio que Viktor gastaria espaço por um affair. Algo me diz que essa história não está resolvida.
A ideia me perturba, mas não tenho tempo para ela. Meu alarme toca, indicando que está quase na hora de encontrar Peter. Eu me despeço de Sarah, deixando a conta paga, com o pretexto de que esqueci algo na faculdade.
Deixo minhas coisas em meu apartamento, e após um banho e roupas confortáveis, encontro Peter em nosso local combinado. Ele me olha sério.
- Victória, os arquivos estão ali.- ele aponta para uma pequena escotilha no telhado.- O acesso é por uma porta oculta no quinto andar, que dá início às escadarias que levam até o sótão. Apenas uma pessoa tem acesso à essa chave e ao segredo de onde está encoberta essa porta: o presidente dos colegiados. Mas posso levá-la até os arquivos, se você puder confiar em mim!
Sorrio para ele.
- É claro, Peter. O que eu preciso fazer?
Ele me lança um olhar constrangido.
- Apenas.. segure-se. E tente não olhar para baixo.
Sem grandes esforços, Peter me coloca em suas costas e habilmente começa a escalar a face escura do prédio, para que não sejamos vistos. Peter me acomoda cuidadosamente atrás de uma viga, para que fiquemos ocultos no telhado.
- Muito bem! Vou abrir a escotilha e então, eu a ajudo a descer.
Eu o vejo forçando a porta por alguns minutos. Peter retorna com um ar desapontado.
- Droga, Victória!! Eles vedaram a entrada com uma estante enorme de livros!
Peter leva as mãos a cabeça, frustrado. Com cuidado, me esgueiro até a escotilha. Uma ideia arriscada me ocorre.
Sei como atravessar esta porta. Sei também, que Peter está condicionado a proteger meu segredo, mas isso pode ser demais até mesmo para ele. Eu me dirijo a Peter com cautela.
- Pete, eu sei um jeito de entrar!
Ele me observa, desconfiado.
- A chaminé está bloqueada, já tentei outras vezes...
- Não Peter... Feche os olhos e confie em mim.
Ele parece intrigado, mas obedece. Eu me concentro em meus poderes. Já fiz isso antes, no desespero de uma fuga, mas sem ter outra pessoa comigo. Entretanto, sei que posso fazê-lo de novo. Abraço Peter e abro o portal, mentalizando sua saída do outro lado da escotilha.
- Peter, dê dois passos para sua direita.
Ele obedece ao meu comando, e entra no outro mundo.
Meu outro mundo.
Apesar de sua confiança em mim, eu o sinto cambalear um pouco. Estar nessa dimensão parece enfraquecê-lo.
- Victória, onde estamos?
-Vamos sair logo. Apenas mantenha os olhos fechados.
Coloco sua mão em meu ombro, guiando-o até a outra saída. Ele mantem-se religiosamente sob meu comando. Fecho o portal atrás de nós.
- Abra os olhos.
Ele olha ao redor, estupefato.
- Victória, você...? Como...? Nicolae, ele sabe?
Eu o interrompo.
- Depois teremos tempo para explicações! Eu prometo...
Seus olhos verdes me direcionam um olhar cuidadoso.
- Você está pronta para isso?
Assinto, preparando meu ânimo.
- Muito bem. Por onde devo começar a procurar?
Respondo, um pouco angustiada.
- Ana Tereza Rodrigues. Entre 1980 e 1985.
Peter retira alguns volumes de pastas arquivo da biblioteca. Após alguns minutos de procura, ele me responde.
- Não Victória, nenhum Rodrigues.
Suspiro aliviada. Finalmente, era apenas um sonho. Minha mãe nunca deve ter colocado os pés neste lugar. Mas há outro nome que se repete em meus sonhos ligado à Universidade. Reúno a coragem necessária para fazer a dupla checagem.
- Peter, você poderia olhar para mim, Anita Facchin?
Ele assente, revirando os arquivos, e após pouco tempo, retira uma ficha. Sua expressão parece tão intrigada quanto a minha.
- Aqui está ela. Facchin , Anita, naturalidade italiana, turma 1982.
Olho para o livro, ainda surpresa.
- Posso? – digo, pegando seu arquivo mãos de Peter como se ele pudesse me morder.
Diante de meus olhos, está uma prova material da existência da jovem de meus sonhos. Reconheço, na foto de seu prontuário, os cabelos vermelhos. Sinto meu estômago embrulhar.
Se Anitta é real, não posso aceitar ir sem checar as evidências que minha mãe esteve aqui. Não posso deixar este lugar sem esta resposta...
Determinada, analiso febrilmente as fichas, nome por nome.
Minhas mãos tremem quando pego a ficha da pasta de documentos.
- Esteves, Ana Tereza. Naturalidade brasileira. O nome não bate, mas seus indescritíveis olhos azuis celestes me encaram do auge de sua juventude, encravados sobre suas bochechas rosadas.
A boca que ouvi tantas vezes entoar canções e histórias, está aberta em um semi sorriso constrangido.
É ela.
Muitas perguntas se embaralham em minha cabeça. Por que o nome falso? Como nunca soube que ela havia morado no exterior?
Mas há algo ainda mais errado.
Antes que meu cérebro pudesse ter processado a informação, a leitura dinâmica já havia feito com que meus olhos percorressem toda a sua ficha.
Uma pontada de dor aguda me impede de respirar, fazendo com que meu tronco se dobre sobre si mesmo.
Não é possível...
Peter vem em meu auxílio, sem hesitar.
- Victória? O que houve? Respire!
Junto o meu folêgo e disparo, ainda incapaz de dizer em voz alta.
- O negativo, Peter.... O negativo...
Uma inundação de pensamentos percorre minha mente, repleta dos furos de coerência que jamais questionei.
Era tão óbvio, esse tempo todo...
Não consigo conter as lágrimas. Peter me olha confuso, enquanto tento parar de soluçar convulsivamente.
As fotos, as palavras do reitor naquele lugar amaldiçoado...
Junto toda a força para me acalmar diante de seu olhar paralisado.
Quando finalmente recobro posse de mim, encaro Peter, com a voz ainda entrecortada.
- Na escola, uma criança sofreu um acidente e o banco de sangue estava sem reservas. Organizamos uma campanha de doação. Foi quando descobri... que meu tipo sanguíneo era AB positivo.
Minhas mãos tremem.
As palavras não fazem sentido para ele, apesar de meus pensamentos estarem claros como a luz do dia.
Os sonhos, o mistério sobre meu pai...
Peter me olha como se eu tivesse perdido a sanidade.
Mostro a ele a ficha.
- Ana Tereza Esteves, tipo sanguíneo O negativo.
Ele parece compreender o que estou tentando dizer, absorvendo a revelação subtraiu de mim o que havia sobrado de minha história.
Seu olhar de entendimento finalmente me alcança finalmente quando consigo disparar em voz alta.
- Peter... ela não pode ser... Ela não é a minha mãe!
Desculpem a demora - viagens e plantões e viagens e plantões, mas enfim o capítulo saiu! Estavam esperando por essa? Alguém já tinha desconfiado desse detalhe do passado de Victória? =O
Espero que tenham gostado! Mais revelações vem por aí no próximo capitulo!
Não se esqueçam da estrelinha e de deixar um comentário contando o que estão achando!
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