* Sob o Domínio do Mal *
Júlio Denbrough sempre odiou ter de utilizar banheiro público. Pensar em toda aquela sujeira se impregnando em sua pele, o odor fétido cauterizando suas narinas e ainda ter que ver toda a podridão que o intestino humano é capaz de gerar, o fazia estremecer da cabeça aos pés. Todavia, estava diante de uma emergência e totalmente sem opção. Sobre a cabeça de Júlio, o sol rasgava as nuvens com seus raios escaldantes, transformando o único banheiro químico da obra em que o eletricista trabalhava no Maranhão, num micro-ondas. Ainda assim, o pobre homem de 28 anos obteve a coragem necessária para adentrar e explorar aquela selva de plástico imunda. Lá dentro, ele mordeu os lábios e se beliscou, seus olhos lacrimejaram e sua cabeça latejou, pois, tudo ao seu redor estava sujo. O odor de urina e fezes se mostrava onipresente naquele minúsculo cubículo abafado, mas Júlio se manteve firme. Após uma minuciosa averiguação de cada detalhe asqueroso do ambiente, o homem finalmente desafivelou o cinto de sua calça fazendo-a vir a baixo e, sentou-se confortavelmente para iniciar sua tarefa.
Júlio ainda se preparava para dar início ao processo de expulsão de fezes quando ouviu um som perturbador. O som de marretadas e serras elétricas não foram suficientes para camuflar o ruído de algo dentro daquele líquido azulado e fedorento. Ele levantou e olhou dentro daquele buraco negro no centro de onde antes estava sentado — usando a luz do display de seu Iphone para dissipar as trevas ali contidas — mas, não olhou nada além de fezes e moscas, entremeadas a pedaços de papel higiênico. Um ar frio percorreu suas tripas, e uma ânsia de vômito o obrigou a mais uma vez se acomodar no assento macio, ainda espantado com o som que ouviu. Alguns operários, já começavam a se amontoar em frente ao pequeno banheiro quando mais uma vez Júlio ouviu o som aquoso de antes. Ele se pôs de pé rapidamente, com as calças ainda abaixadas até os calcanhares protegidos pelo seu par de botas. Do lado de fora, socos e pontapés, acompanhados de palavrões e gargalhadas, iam de encontro à porta de fibra reforçada. Denbrough, dividia a atenção entre o som da obra, dos possíveis companheiros que o forçariam a sair dali — ainda que não tivesse concluído sua missão fisiológica — e o som dentro do esgoto da caixa de detritos.
Júlio, mesmo temeroso, se arrastou até a borda do assento, tomou fôlego e olhou mais uma vez para a escuridão da fossa séptica. O odor era nauseante e queimava os olhos, porém, nada além do conteúdo desprezível de antes. As entranhas de Denbrough mais uma vez se contorceram de dor, obrigando-o a se reposicionar no maldito assento. Entretanto, antes que o pobre eletricista se acomodasse, algo se debateu dentro da fossa, emitiu um som estridente e saltou. Júlio gritou grotescamente; caiu para a frente segurando com ambas as mãos suas nádegas e, consequentemente bateu com o rosto na porta do banheiro. Ele convulsionou de dor, enquanto algo viscoso penetrou ferozmente sua via retal.
Fora daquele ambiente claustrofóbico, os operários observavam atentamente os loucos movimentos de pêndulo que o banheiro químico realizava. Dentro dele, Júlio se debatia como um animal selvagem preso por uma armadilha e seus dedos tentavam, em vão, retirar o que quer que fosse o invasor de seu corpo. No entanto, o atacante era escorregadio e insistente, obtendo assim êxito em sua batalha por um hospedeiro com características propícias para sua reprodução.
O eletricista sentiu o intestino queimar e a saliva evaporar de sua boca, que ficou amarga como fel. A agonia roubou-lhe o raciocínio lógico, restando nada além do instinto de sobrevivência para guiar seus atos insanos. Denbrough, com sangue escorrendo por entre as nádegas, bateu com os punhos, o rosto e por fim, com o corpo nas laterais do banheiro, aumentando o vai e vem frenético do cubículo até tombar para a esquerda. Com a força do baque, a tranca da porta cedeu, libertando o infeliz. O Sol, quente como o Inferno, arrombou-lhe as pupilas acostumadas com a pouca luz de sua cela fedorenta como sinal de saudação e fez seus olhos assombrados perceberem quando seres sem forma surgiram ofuscando sua visão já comprometida em meio ao som de gargalhadas. Até tudo ficar escuro de vez.
***
O cheiro de Éter invadiu suas narinas, fazendo-o despertar de um coma profundo. Estava num quarto de hospital, percebeu isso quase que imediatamente. Rolou para o lado e por pouco não despencou da maca, onde estava há treze dias. Seu corpo, aos poucos foi retomando os movimentos, livrando-se de uma teimosa cãibra generalizada. Pensou em gritar por uma enfermeira, mas sua língua estava inchada. Resolveu então, ficar de pé, o que conseguiu após certa dificuldade. Em seguida, arrancou a pequena agulha que lhe injetava soro na veia e cambaleou na direção do pequeno cômodo que julgava ser o banheiro.
A dor, aquela a qual o levou ao desmaio, voltou ainda mais intensa. Júlio Denbrough, com um esforço quase hercúleo, adentrou ao banheiro e, ao ver sua imagem refletida no espelho sobre a pia, quase perdeu a sanidade. Estava magro e com a pele amarelada, tinha seus olhos soterrados nas próprias órbitas e a carne de seus lábios rachadas como vidro trincado. Ele aproximou-se ainda mais de seu reflexo, analisando cada detalhe e rezando para que tudo aquilo não passasse de um pesadelo oriundo dos contos de Lovecraft, contudo, antes que um fio de esperança surgisse, ele viu sua pele fina se avolumar até quase se romper diante de seus olhos de moribundo. Inconscientemente, Denbrough levou as mãos esqueléticas de encontro às nádegas ossudas, lembrando da dor que o consumiu, ou talvez... do invasor inescrupuloso que o sodomizou.
O eletricista rompeu em lágrimas e já abandonava o banheiro quando sentiu a primeira das muitas ferroadas que estavam por vir. Era o maldito parasita, o verme ou o próprio Satã, que o destituía do domínio de seu próprio corpo, usurpando suas vontades. Júlio o sentiu sob a pele, rastejando como uma serpente. Sentiu quando ele viajou por trás de seus olhos castanhos e também quando ele dilacerou as paredes de seu estômago. O parasita percorreu as vísceras do pobre homem com rapidez e violência, fazendo-o finalmente defecar. Júlio se prostrou de joelhos e, numa atitude desesperada abraçou a si mesmo.
Enquanto seu corpo se entregava à penitência imposta por seu inimigo invertebrado ele recordou de um relato de seu pai, sobre um interno do Manicômio onde trabalhou no Uruguai. Era um homem idoso que jurava ser um oficial da Aeronáutica brasileira e responsável por uma série de investigações secretas sobre óvnis, na qual ele mesmo havia sido abduzido e sofrido experiências invasivas. Incluindo uma sonda alienígena inserida em sua via retal. Na época seu pai não deu ouvidos, contudo, Júlio sente na pele a verdade daquele relato.
Durante vinte minutos, Júlio Denbrough se debateu e rastejou no porcelanato frio do quarto. Não surgiu nenhum médico ou enfermeira para o socorrer e, assim que o duelo foi brevemente interrompido, por misericórdia do verme, Júlio voltou ao banheiro. Ele cambaleou, mas estava convicto do que fazer. Reuniu seus últimos resquícios de força e desferiu um soco contra o espelho do banheiro, reduzindo-o a inúmeros cacos que refletiam sua aparência esquálida. Denbrough se armou com um dos pedaços de vidro e, assim que as dores excruciantes em seu estômago recomeçaram, ele iniciou os cortes.
O vidro rasgou sua carne, tão logo foi forçado contra seu abdômen. Júlio salivou até espumar, gritou e chorou, mas não hesitou um instante sequer. O corte foi profundo o suficiente para que ele inserisse sua mão direita até a metade, vasculhando suas tripas, até encontrar algo que feriu a ponta de seu dedo indicador. Júlio habilmente imitando uma pinça com os dedos, finalmente capturou o parasita invasor.
Por quase cinco minutos Denbrough puxou e esticou o pequeno invertebrado de seu intestino, ignorando a dor e o sangue que já fabricava uma poça viscosa sob seu corpo. O grunhido que a pequena fera fez ao ser finalmente removido, empalideceu ainda mais o já doente rosto de Júlio. O pequeno ser possuía um par de ferrões em ambas as extremidades, aproximadamente vinte centímetros e uma pele coberta de anéis escamosos que retiniam entre si, produzindo o som estridente que ele ouvira antes. Júlio correu a mão pelo chão e encontrou o caco de vidro que imediatamente foi usado para mutilar o parasita, que grunhiu até o último espasmo de seu corpo esguio, enchendo de prazer o eletricista moribundo.
A porta do quarto foi aberta e um médico e uma enfermeira entraram.
O desespero os possuiu ao verem a cena diante deles.
Ali, no chão do quarto 202 do Hospital Psiquiátrico Nina Rodrigues, Júlio Denbrough sorria alucinadamente, acreditando ter vencido o pequeno verme maldito. Mas, o que o Doutor e sua auxiliar presenciaram, contrariava miseravelmente as expectativas do infeliz: inúmeros parasitas brotavam incessantemente dos olhos, boca, narinas e ouvidos do amaldiçoado, mostrando-se numerosos como estrelas no céu.
A enfermeira despejou todo o conteúdo de seu estômago na lateral do jaleco do desnorteado Doutor que, por sua vez, desmaiou. E, em meio a tudo isso, Júlio Denbrough perecia, definhando com a boca cheia de vermes, imerso em sua insanidade. Seu coração implodiu, seus olhos estouraram como bexigas, seus órgãos se liquefizeram e suas veias entupiram, diante da supremacia numerosa dos vermes malditos.
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