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XI - A Criança

Juan chegou à sua caverna com o bebê nos braços, que não parava de chorar. Sentiu que o menino estava com os panos molhados e precisava trocar a sua roupa. Pegou uma de suas túnicas e a rasgou para que cobrisse o pequeno. O mago não estava mais acostumado a ter crianças à sua volta... Havia perdido a família e, consequentemente o contato com a humanidade... Aquele choro realmente o irritava.

— Criança dos infernos! Eu não mereço isso. Estava em paz, contando os dias para abraçar a minha morte e agora tenho de cuidar de você. O que os Deuses querem comigo? Será que nem no final de minha jornada param de me castigar? — Reclamava ele, enquanto limpava a criança.

Após ver-se limpa e seca, a criança sorriu para ele. E mesmo que parecesse um velho ranzinza e sem coração, Juan abriu a sua barba branca, sorrindo de volta. O contato só foi interrompido quando a águia chegou com o cajado de Agathor, deixando-o no chão da caverna. Fora ele que o pegara, dando um voo rasante quando todos estavam no calor da batalha. A ave ficou na entrada, vigiando, enquanto a coruja se posicionou no galho de uma árvore próxima, junto com a outra ave igual a ela que estava no conclave.

Os lobos que sobreviveram acabaram por se dispersar, e Lua Negra regressou, com a espada de prata presa à boca. Ele colocou a lâmina aos pés do mago. O grande lobo uivou na entrada da caverna, expressando a sua tristeza pela morte dos companheiros da matilha. Ele ainda tinha sangue escuro envolvendo o seu focinho.

— Meus sentimentos, amigo Lua Negra. As batalhas podem nos levar à vitória, mas sempre há perdas e cicatrizes que nos marcam pelo resto de nossas vidas. Obrigado pela sua coragem e o espírito de união da sua matilha, que lutou bravamente contra os inimigos.

Lua Negra se sentiu bem com o agradecimento de Juan, mas abaixou a sua cabeça, triste pela morte de seus companheiros. Como se compartilhasse da sua dor, o mago colocou a mão sobre a sua cabeça, lhe acariciando o pelo. Juan olhou para ele, apertando os lábios. Virou-se para o menino, pegou-o no colo e deixou-o acomodado no canto da caverna, em um aconchegante ninho improvisado com várias roupas velhas. O pequeno Phillip então dormiu.

Ficou por alguns instantes olhando o menino e sentiu dentro de si o desejo de cuidar dele e protegê-lo.

— O cajado de um mago e uma espada de prata. Que objetos interessantes vocês trouxeram para mim... — comentou Juan, quebrando o silêncio. — Só não entendi o motivo. Vocês me conhecem bem e sabem que não uso as armas dos homens. Na verdade, depois que perdi minha família gostaria que uma delas acabasse com a minha vida miserável!

A lua refletiu a sua luz sobre a espada e ela brilhou. A pedra na ponta do cajado também cintilou. Ele pegou a espada na mão, vendo que nela refulgia a palidez do astro noturno.

— É uma espada da mais pura prata! Pelos símbolos que estão gravados nela parece ser nórdica. E o cajado só pode ser o do Rei dos Magos. Ouvi dizer que ele usava um objeto de grande poder parecido com um bastão que concentrava muita energia. E se o bastão está aqui, pode significar somente uma coisa... — Juan por fim entendeu o que tinha acontecido. — Como alguém pode tê-lo matado? Somente uma emboscada bem preparada poderia dar cabo de todos que estavam naquela congregação. Precisarei ter muito cuidado para proteger esta criança, porque o mal que matou seu pai certamente virá atrás dela.

O mago pegou a espada que ainda estava suja de sangue e, olhando para o lobo, entendeu que a arma pertencia a um bruxo da região do Norte da Europa, pela qualidade do trabalho artesanal. Ele guardou-a, depois de limpá-la com um pano umedecido em uma poção que preparou como se a estivesse ungindo. Também guardou o cajado.

— Se vocês os trouxeram, sei que eles terão serventia no momento certo. Mas agora preciso pensar nesta criança. A primeira coisa a se fazer amanhã é sair para conseguir leite para... Droga, eu nem sei o nome do pequeno!

A coruja maior, que observava tudo à distância, aproximou-se do mago; contou tudo o que assistira e o nome da criança, que ouvira na reunião. Falou, entre piados, o que havia acontecido no círculo de fogo, sobre a traição do bruxo Klaus e a criatura tenebrosa que matou muitos, inclusive os lobos da matilha de Lua Negra. Mencionou que Phillip era filho do Rei Mago Agathor, e que nem a mãe do pequeno fora poupada.

— Hum, então havia um Doppelgänger ajudando o bruxo.... Devo redobrar os meus cuidados então. No mundo da magia nunca enfrentei coisa igual a ele. Isso significa que o bruxo invocou o lado sombrio da magia. O que me pego a pensar é: tantos bruxos juntos, com tantos poderes, como puderam perder essa batalha? Como não perceberam que seus inimigos estavam chegando?

O que o mago Juan não imaginava era que o vilão a ser enfrentado vinha absorvendo o poder dos outros bruxos através dos anos, tornando-se aos poucos um ser quase que invencível. Derrotá-lo se tornaria uma tarefa cada vez mais difícil. Juan ajoelhou-se, abriu um baú velho feito com restos de madeira e pegou o livro que havia guardado. O manuscrito se abriu para ele e novamente o vento soprou, virando as páginas para que ele pudesse localizá-las:

— O mundo entrará em uma era de escuridão com pestes, guerras e fome. O príncipe protegerá a humanidade da magia do mal. Enxergará o mundo sobrenatural e lutará contra as criaturas que atravessarem o portal dos espíritos. Aprenderá a lutar como um guerreiro e sua espada de prata não terá piedade dos seres cruéis que habitam a escuridão.

Depois de pensar por mais alguns minutos, olhou para a criança que dormia:

— Agora tenho um motivo para viver! Alguém precisa ensinar esta criança a ser um grande mago e proteger o mundo contra as forças das sombras. Agora entendo porque fui escolhido para realizar esta missão. Embora tenha desejado a morte por muitas vezes, abraço a vida por esse motivo nobre. Já que eu não pude salvar as minhas crianças, agora tenho a oportunidade e o dever de proteger este menino — jurou o mago, de forma solene, diante do bebê adormecido.

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