O Soldado
Na quinta-feira, encontrei Rhodes uniformizada com colete à prova de bala junto a outros dez policiais na delegacia. Ela disse que encontrou o bando que estava assaltando algumas lojas de luxo de Manhattan em uma joalheria da região. Eles estavam cercados, mas precisávamos correr.
Em menos de dez minutos, estávamos prontos para invadir o prédio. Havia carros de polícia cercando o local e a jornalista do Canal 7 que me reconheceu no mesmo instante. Ela sorriu para mim e eu retribuí o sorriso.
— Sério? Ela? — Rhodes me perguntou enquanto nos aproximávamos da porta trancada da joalheria com mais doze agentes armados.
— Só saímos uma vez — respondi, dando de ombros — E eu não repito.
— Uau — Rhodes rebateu e antes que eu pudesse dar uma resposta, um policial da força pesada arrombou a porta com o aríete tático.
Nós entramos na loja, eu levantei a pistola, esperando os quatro bandidos armados e as reféns em seus braços, mas o que encontramos foi silêncio. Havia vidro espalhado pelo chão e prateleiras quebradas, e as mochilas cheias que eles usavam para carregar as joias jogadas no chão.
Os três atendentes e um segurança da loja estavam amarrados em um canto com os lábios tampados por fita. Weston, nosso colega, abaixou a arma e se agachou para tirar os lacres dos braços das reféns.
— Onde eles estão? — perguntou o homem alto da força tarefa.
Avaliei a loja. Tinha uma porta trancada ao lado de uma prateleira de vidro que antes deveria guardar as peças mais valiosas da loja, mas, agora, estava vazia. Ainda armado, caminhei até lá. Sem querer, pisei em um anel com um rubi no centro que me lembrou o anel de Jessie.
Eu continuei até a porta, coloquei a mão na maçaneta e senti... uma vibração estranha. A vibração que sentia quando estava perto demais dos mortos.
— Russell — Rhodes sussurrou.
Não esperei, empurrei a porta e entrei na sala dos funcionários. Três homens mascarados estavam agachados perto de um quarto que havia tirado a máscara e tinha sangue nos lábios. Ele estava com os cabelos loiros escuros grudados na testa e parecia ter corrido uma maratona.
— Olá — falei. Os quatro se viraram na minha direção — Vocês têm um problema.
Os mascarados se levantaram e ergueram as mãos, mas o que estava no chão não se moveu. Nenhum deles estavam armados. Ele virou os olhos escuros na minha direção com uma confusão que eu só enxergava nas almas penadas.
— Você também, Troy Bolton! — gritei.
Rhodes se aproximou com a arma levantada.
— Ele está ferido — disse o mascarado — Ele... Alguma coisa aconteceu...
— Quem é você? — perguntou o homem. Ele não devia ter mais de vinte e cinco.
— O cara que vai te levar para passar um tempo agradável em uma cela privada — sorri de lado.
Weston e Garrett passaram por nós para pegar os ladrões. Eles nem mesmo resistiram, pareciam chocados demais para reagir, mas eu não sabia dizer se era pela chegada dos policiais ou... algo a mais.
Eu senti aquela energia na sala, porém estava todo mundo vivo. Procurei por um corpo. Não parecia haver mais ninguém ali. De acordo com o relatório passado para Rhodes, a loja ainda estava fechada quando eles invadiram, apenas três funcionárias e o segurança se organizavam para começar o primeiro turno. Então... de onde vinha aquilo? Por que eu não conseguia enxergar ninguém?
— Não me toque! Não me toque! — O homem no chão começou a gritar quando Weston lhe deu um puxão.
— Não dê uma de bebê chorão agora, imbecil — Weston continuou forçando-o, mas ele resistia e balançava todo o corpo para se livrar do aperto dos seus dedos.
— Marcus não está bem — O mais alto dos mascarados teve sua máscara arrancada por Garrett.
— É, estamos vendo — Rhodes murmurou ao meu lado, observando o show que Marcus fazia. Outro policial foi até lá para fazê-lo ficar de pé.
— Não, vocês não entendem! — ele disse — Ele estava bem quando chegamos aqui. Saudável. Mas, de repente, Marcus começou a ter um ataque. Ele esperneava e gritava, estava sentindo muita dor, só que ninguém tocou nele! Ele desmaiou e quando acordou, não sabia quem era a gente e começou a dizer que seu nome é Reed.
— Talvez tenha sido um ataque epilético e ele bateu a cabeça — Rhodes deu de ombros — Vamos levá-lo até a ambulância lá fora.
O homem assentiu e não disse mais nenhuma palavra.
Marcus continuou lutando contra os dois policiais. Não parecia haver nada de errado com ele, exceto ele sendo um idiota teimoso.
— Deixem ele aí e busquem o médico. Eu cuido dele — falei para Rhodes que ergueu as sobrancelhas — Não vou interrogá-lo e roubar seu caso, se é essa sua preocupação.
— Sinceramente, eu ficaria feliz se sua intenção fosse apenas essa — Rhodes abaixou a arma e chamou Weston e o outro policial.
Marcus se sentou novamente no chão. Ele se encolheu na parede e olhou para mim com espanto nos olhos.
— O que é isso no seu peito? — ele perguntou, tinha um sotaque do sul dos Estados Unidos.
— Uma câmera para alguém no governo se divertir à noite.
— Uma câmera...?
Eu me aproximei com cuidado. Marcus tentou recuar, mas não havia mais para onde ir.
— Reed... Seu nome é Reed?
— Sim.
— Você teve um ataque epilético?
— Eu... Eu não sei o que é isso — ele respondeu e acreditei nele — Eu levei um tiro, então tive esse sonho esquisito e quando acordei estava nessa loja... — Reed disse, então em um movimento muito arriscado para ele, ele agarrou minha farda — Preciso saber, nós ganhamos?
— Ganhamos o quê? — franzi o cenho.
— Contra os alemães.
Empurrei seu peito para trás e perguntei o que estava preso na minha garganta:
— Quando você nasceu?
Reed me olhou nos olhos e sem pensar, ele respondeu:
— Vinte e nove de maio de 1912.
— Ei, o médico está aqui — Weston anunciou e uma mulher de cabelos cacheados se apressou para atender Marcus ou Reed... Quem quer que estivesse naquele corpo.
Eu me levantei, sentindo o chão balançar. Eu precisava ligar para Trenton e Jessie agora mesmo. Se aquele ali no corpo de Marcus era uma alma que fugiu do Outro Lado, estávamos com problemas sérios.
Em teoria, eles deveriam ser incapazes de possuir o corpo de alguém, mas havia muitas coisas que eram apenas teoria e estavam acontecendo nesta semana. O mais importante agora era saber se Marcus ainda estava lá dentro. Ele podia ser o bandido que eu estava caçando há semanas, mas não merecia isso.
Trenton chegou acompanhado de Jessamine lá pelas cinco da tarde. Ele estava com uma camisa azul e calça jeans preta, enquanto Jessie usava um vestido vermelho com flores.
Ontem, ela e Trenton saíram para arrumar algumas roupas novas, sapatos e "produtos femininos que provavelmente não tem na casa de um brutamontes". Fiquei feliz apenas por ter alguém para distrair Jessie.
— Quero que vocês conheçam Marcus — disse e abri a porta do quarto onde os médicos colocaram Marcus com as mãos presas à cama — E Reed, o fantasma que está dentro dele.
Jessie passou por mim e caminhou até a cama. Marcus estava desacordado. Os médicos lhe deram um sedativo depois que ele basicamente surtou ao se ver em um espelho no saguão.
Weston acha que ele está apenas fingindo um surto para não ir preso e Rhodes, por alguma razão, foi convencida dessa ideia. Em alguns minutos, Marcus provavelmente seria removido do hospital e levado para outro lugar, um lugar que ficaria inacessível para mim e Jessie.
— Ah, merda — ela murmurou.
— Acha que Marcus ainda está aí?
— Você não enxerga? — ela se virou para mim e eu apenas balancei a cabeça — Há um espectro dentro dele, mas não pertence a ele. Parece errado.
— E Marcus?
— Há apenas um — Jessie falou cautelosamente — Tem alguma forma de podermos falar com ele?
— Precisamos esperar que ele acorde, mas, da última vez, não obtive muito sucesso. Ele só falou que levou um tiro da infantaria alemã e acordou aqui.
— O que está acontecendo?
Respirei fundo e me virei para ver Rhodes na entrada do quarto. Ela olhou para mim, depois para Trenton em seu jeans e, então, para Jessamine, próxima demais do nosso detento para conseguirmos forjar uma desculpa aceitável.
— Oi, Carey, você cortou o cabelo? — Trenton perguntou com um sorriso curto.
— Por Deus, por que você está aqui, Montague? E por qual razão você trouxe a sua namorada para um lugar restrito para civis? Você perdeu o juízo de vez?
— Em primeiro lugar, Jessie é minha prima...
— Eu não caio mais nessa!
— Ela é uma estudante de Medicina e eu pensei em mostrar um pouco do hospital...
— Cale a boca! — Rhodes colocou a mão na testa e gritou — Apenas cale a boca! Eu não aguento mais suas desculpas, Russell... Você vai embora daqui e vai levar a sua estudante... E quer saber de mais uma coisa? Eu irei pedir que Owston te dê uma suspensão.
Eu ri.
— Fala sério, Carey, eu não matei ninguém...
— Não, mas você estava pesquisando sobre desaparecimentos no sistema da delegacia e, então, é atacado por um desses desaparecidos e, agora, está investigando um cara qualquer que já está sentenciado. Só isso é o suficiente para Owston abrir um caso sobre você — Rhodes disse e, pelo tom de voz e a veia que pulsava na sua testa, eu sabia que ela estava falando sério.
— Ok, não é necessário tudo isso — ergui as mãos em rendição — Eu mesmo pedirei uma suspensão de duas semanas para Owston.
O rosto de Rhodes mudou. De raiva foi para... surpresa. Eu sabia que ela não falaria sobre mim para Owston. Toda vez que eu fazia algo fora do planejado por Rhodes, ela blefava que falaria com a capitã, mas, no final, nunca fazia isso.
— Você tem razão. Eu tenho que resolver meus problemas pessoais sem envolver o departamento.
— Sinceramente, essa foi uma ideia de merda — Trenton disse assim que saímos do hospital — Precisamos dos recursos da polícia.
— Eu não posso arriscar meu trabalho para caçar fantasmas, Coleman, essa merda já tomou minha vida — respondi irritado, passando a mão pelo cabelo — E, bem, quem exatamente é você para me dar uma bronca por me afastar da delegacia?
Jessie me observou, mas se tinha alguma opinião sobre tudo o que aconteceu, ela guardou para si mesma. Ótimo. Eu já estava estressado e provavelmente acabaríamos entrando em mais uma discussão inútil. Faz tempo que não tínhamos uma dessas e eu não queria estragar tudo agora.
— Bem, você deveria saber que Marcus não é um caso isolado — Trenton pegou o celular no bolso e começou a ler — Adolescente em Nova York acorda depois de coma alcoólico falando russo. Segundo os tradutores, ela afirma ser uma mulher de trinta anos que nasceu em 1870.
— Maravilha — murmurei — Como diabos Carrie está fazendo isso? Espectros não podem possuir corpos... Certo? — Olhei para Jessamine.
— Ele está puxando os espectros e substituindo por outros. Nada disso deveria ser possível.
— Precisamos agir.
— Não — Trenton balançou a cabeça — Temos que esperar até que vocês dois estejam recuperados da transferência. Se fizermos isso de maneira apressada, correremos o risco de desgastar você e Jessie, então teremos que esperar sei-lá-mais quanto tempo para tentar novamente... Até lá, deveríamos conversar com esses espectros.
— Reed não é uma opção — Olhei para o hospital atrás de mim — Você sabe falar russo?
— Um pouco — Trenton deu de ombros —, mas talvez não seja o suficiente. Eu e Nathan vamos procurar por mais casos. Eu já ia encontrá-lo essa noite, de qualquer forma.
Ergui as sobrancelhas.
— É só um jantar — ele disse na defensiva — Não é nada demais... Não importa... Jess, você ficará bem com esse idiota?
Ela estava de braços cruzados ao meu lado. Faz cinco dias desde que voltou a vida e parecia que eu a via menos ainda. Tirando o primeiro dia, todos os outros ela passou com Nathan e Trent na loja ou, então, eles a levaram para conhecer algum lugar da cidade.
Quando chegava a noite em casa, ela estava dormindo na minha cama com Bolt ao seu lado. Eu tentava dizer que ela não devia acostumar aquele cachorro a dormir na cama, mas era impossível.
— Eu já lidei com pessoas piores — Jess respondeu — Bom jantar — ela sorriu.
Trenton se despediu de nós e caminhou até a sua Evoque estacionada do outro lado.
Dei uma última olhada no hospital e enfiei as mãos no bolso. Bom, a situação com a delegacia já foi resolvida. Precisava focar no resto e esquecer isso.
— Você já provou sorvete?
— Não — ela franziu o cenho.
— Ótimo. Eu irei mudar sua vida hoje.
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