Parte 1
A cama protestava, relinchando como um asno.
E não era para menos. Mais pareciam estar numa corrida de cavalos, investidas fortes e desajeitadas, tapas que ecoavam em grandes estalos. Gemidos descontentes, convergidos falsamente em demonstração de prazer.
Lily se segurava na cabeceira de ferro, que seguia o sacudir do casal. Encaixado em sua cintura, estapeando a lua cheia como se fosse um pandeiro, sorria e urrava o cliente mais fiel, o branquelo peludo e magricela. Era difícil de acreditar que as marcas deixadas na pele negra de tom claro de Lily, foram feitas por aquela mão tão pequena, e aparentemente tão delicada. Talvez a jovem tivesse a pele sensível demais.
— Vai com calma Bob! — reclamava Lily, olhando por cima dos ombros.
— Que calma, o que porra! Eu estou pagando, se você não aguenta, que pare de se vestir de mulher e trabalhar neste lugar — esbravejou o homem, agarrando nos cabelos de sua rameira, com as mãos, e puxou forte para trás.
Lily pensou em retrucar, ou quem sabe até empurrá-lo, cuspir uma dúzia palavras infames e mandar o magrelo barbudo ir embora, mas teve medo. Já perdera as contas de quantas vezes fora agredida por um ou outro cliente insatisfeito com suas reclamações, ou algum ogro que simplesmente pensava ter o direito de socá-la, só por ser uma travesti. Achou melhor ficar quieta, e esperar o fim de tudo aquilo, o que não tardaria, segundo o histórico de Bob.
E como era de se esperar, dois ou três minutos depois, a força com que o magricela segurava os cabelos de Lily, fora diminuindo, e logo soltou, e por fim, sentou-se à beira da cama. Puxou com os pés a calça que estava no chão, do bolso, retirou uma carteira de cigarros e procurou o isqueiro em outro bolso, mas não encontrou.
— Tem fogo, querida — ironizou, olhado por cima do ombro.
— Sim. — respondeu Lily, tirando do rosto os cabelos longos e cacheados, que brilhavam de forma acobreada, à luz das chamas das velas.
Ela se levantou e passou frente a Bob, foi até uma mesa no lado direito do quarto, onde havia várias coisas em cima, desde espelhos de mão a cigarros, luvas, calcinhas e uma dentadura.
— Pelos deuses, isso é uma dentadura? — questionou Bob, que acompanhou o caminhar da meretriz, não admitia, como os demais clientes, mas via muita beleza na jovem.
Na verdade, Lily era considerada umas das garotas mais bonitas daquele bordel, e nas inúmeras listagens dos marmanjos, sempre aparecia entre as três garotas mais belas de toda a vila. Mas claro, sempre com a ressalva: “Sei que ela não é mulher de verdade, mas foda-se, ela é gostosa!”
.
— Ah! Sim, é sim. — respondeu Lily, acendendo um cigarro e entregando o isqueiro em seguida. — É do desgraçado do Albert — disse, sobre a dentadura sobre a mesa.
— Casado com a dona Míriam? — surpreendeu-se o cliente após uma tragada de seu cigarro.
— Ele mesmo, veio até aqui, e garantiu ter dinheiro, pediu serviço completo — explicou gesticulando com as mãos, mostrando seu corpo rebolando até —, na hora de pagar, disse ter esquecido o dinheiro em casa, falou que voltaria no dia seguinte para repetir a dose, e pagaria o dobro, mas eu não sou idiota.
— Ainda não explica a dentadura!
— Disse-lhe que se não me pagasse, eu contaria para todos, e com medo de ter o nome na lama, ofereceu a dentadura, tinha três dentes de ouro. — respondeu Lily sorrindo.
— Você tem um sorriso, bonito, Lily — pausou, encarou a garota por alguns segundos. — Só isso.
— Não parece ser só isso, Bob, seus urros e sua euforia, quando está por cima diz o contrário. — rebateu Lily se sentando ao lado do homem que colocara o cigarro na boca, e vestiu a calça, se levantando.
— Urro até quando me satisfaço sozinho, não se gabe! — grasnou o homem, vestindo a camisa e saindo do quarto sem se despedir, deixando algumas moedas na mesa próximo à porta.
A garota foi até a janela, assoprava a fumaça quando viu alguém, um desconhecido com um grande capuz que impedia de ver seu rosto, mas dava para ver suas longas madeixas brancas. Surpreendeu-se por um momento, pois há anos não se via alguém de cabelos brancos – claro com exceção dos idosos. Contudo, aquele desconhecido não caminhava como um velho. Lily, até pensou em ir ver, mas logo desistiu, porque se fosse o que estava pensando, ela não teria chance.
— Que tola, se fosse um elfo, duvido que iria me querer! — Voltou, e se deitou na cama, ainda nua.
Lembrou-se de todas as histórias que já ouvira sobre a extinta raça élfica, e o quão cultos, delicados, refinados e exigentes eram, segundo as lendas. E fora exatamente por serem de tal modo, sucumbiram perante a invertida traiçoeira dos humanos, que não eram nada delicados e refinados, pelo contrário, desde sempre a humanidade se mostrou dominar a arte de guerrilhar. E a brutalidade humana foi a chave para dar fim a raça élfica.
Lily terminou de fumar o cigarro olhando para o teto, logo depois, adormeceu
No outro dia pela manhã, levantou-se, vestiu-se de uma camisola branca, e tendo pegado toalha e uma espécie de sabonete de cor verde, saiu do quarto. Abriu a porta devagar, e caminhou até o fim do corredor, onde ficava o banheiro compartilhado da hospedaria – que comportava inúmeros quartos, e apenas as suítes do terceiro e quarto andar tinham banheiros, o terceiro era o andar das mulheres com mais tempo de trabalho por ali. Já o quarto andar, ela reservado para clientes com maior poder aquisitivo, e eles poderiam levar para seus quartos, quem bem entendessem.
Lily sempre escolhera as primeiras horas do dia para se banhar, pois, era o momento em que as demais garotas estariam exaustas, muitas até, teriam acabado de pegar no sono, isso evitaria alguns insultos e xingamentos. Após o banho, voltou ao quarto, e se vestiu para o trabalho diurno, que diferia do noturno. Durante o dia, Lily lavava as roupas das demais garotas, os lençóis e fronhas, tapetes e panos usados na cozinha.
Desceu as escadas e foi para a cozinha, fez seu desjejum e dirigiu-se para os fundos do edifício, onde ficavam as cestas de roupas, lençóis e tudo mais que teria de ser lavado.
Quando a noite chagava, ela subia novamente para seu quarto, e esperava até todas as garotas tomassem seus banhos, o que geralmente acontecia em grupo, só após isso, Lily tomava mais outro banho, e diferente do banho matinal, este era quente, pois a água era aquecida pelos canos de ferro que passava por dentro do fogão da cozinha, que era aceso assim que o sol despontava no horizonte.
— Ei, Lily! — escuto-se uma voz vinda do corredor atrás de si.
— Merda! — sussurrou Lily, segurando seus pertences, não queria se virar, mas cessou os passos e se virou — Ah! É você Stela, que susto, pensei que fosse uma das populares vindo me insultar.
— Nossa garota, sua vida é só ficar morrendo de medo? — questionou a loira, que desfilava nua pelo corredor até a amiga. — Você tem que enfrentar essas piranhas. — Aconselhou Stela, parando frente a Lily, e encarando-a com seus olhos verdes.
— Com toda a cidade contra mim, fica difícil!
— Pare de chorar, e vamos tomar nosso banho! — bradou a loira, mais alta que Lily, passando-a e caminhando até o banheiro. — Não vem?
Lily logo apressou-se a entrar no cômodo, antes que a amiga fechasse a porta. No lugar havia cerca de umas dez banheiras, e uns canos de ferro que serviam de ducha, mas eram como torneiras. Cada uma entrou em uma banheira, após enchê-las. A água quente, esquentou os corpos, alegrou-as, e logo estavam rindo e falando sobre coisas variadas.
— Viu o cara que chegou ontem a noite, ou estava ocupada demais com o traste do Bob? — questionou Stela saindo se sua banheira, passando para a de sua amiga. — Chega para lá!
— Sim, eu vi, não era um elfo era? — Perguntou Lily se ajeitando.
— Sim, lindo da porra! — animou-se a loira, passando uma mão no pescoço, fechando os olhos e mordiscando os lábios. — Eu pensei que, estivessem extintos, mas ele disse que ainda há vários por aí, espalhados, e existe apenas uma única cidade só de elfos, e ele está indo para lá.
— Aposto que se deitou com a Minerva.
— Na verdade, ele não se deitou com ninguém, apenas bebeu, e pediu um quarto. Disse que ficaria apenas dois dias na cidade, e partiria. — explicou Stela se mexendo.
Ficaram mais alguns minutos a conversar, e logo foram para seus respectivos quartos, se trocaram, e encontraram-se no balcão do salão principal da hospedaria. Tagarelavam enquanto bebiam licor em taças douradas. Falavam sobre os homens da noite, e como eram sujos e repugnantes, guerreiros das guerras que ocorriam nas regiões vizinhas, mercadores, camponeses que fizeram uma boa venda de seus produtos, vendedores dos mercados, e muitos, muitos bandidos e desertores de exércitos.
Stela fora requisitada por um homem alto de pele negra, cabelos longos e trançados.
— Desculpa amiga, mas eu acredito que o melhor de hoje será meu — comentou, dando o gole final em sua bebida, e deixando a taça sobre o balcão. — Olha aquela barba. — comentou, referindo-se a grande e bem cuidada barba do homem — Ele está em uma suíte — alegrou-se.
Lily apenas sorriu, enquanto a amiga subia as escadas como o cliente. Bob não estava no bar naquela noite, e nenhum dos clientes regulares de Lily.
— Dia difícil hoje, não é? Suponho que não vai ter cliente essa noite .
Comentou uma senhora, na casa dos sessenta anos, de trás do balcão.
— Você sabe o combinado, querida, uma noite sem cliente, você ajuda nas tarefas do bar. — concluiu, servindo mais um pouco de licor.
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