A caixa está fechada
A caixa está fechada
"Nada é real até ser observado."
― John Gribbin, In Search of Schrödinger's Cat: Quantum Physics and Reality
Era como passar anos faminto para finalmente se sentir saciado. Mesmo quando as chamas se apagaram sentiu o balão finalmente se aquietar em seu peito, pela primeira vez desde que ele havia despertado. A sensação era tão prazerosa que suspirou em alívio. A mão tentou largar seu ombro, mas não permitiu, agarrando o pulso em seus dedos tortos um som de estresse saindo de sua garganta.
Abriu os olhos e viu a expressão alarmada e agora um pouco hostil do estranho. Largou a mão dele e se encolheu em si mesmo, a voz rouca e baixa quase inaudível.
— Me desculpe.
— O que fez? Como ativou minha quirk sem eu querer?
Se encolheu mais com o tom ríspido, tentando se afastar.
—E.eu não sei. Minha quirk...os supressantes.
Ele tinha esquecido deles totalmente no pânico. Procurou a bolsa ao redor, mas mal conseguia se mexer. Ouviu um suspiro exasperado acima e o estranho se ergueu.
—Não...por favor.
"Fiquei. Eu não quero ficar sozinho."
Algo tocou sua mão e abriu os olhos novamente. A seringa com o supressante estendida em sua direção. Olhou para o estranho, para o rosto dele que não parecia mais hostil, mas totalmente em branco, inexpressivo.
Izuku se sentia ainda mais envergonhado pelo o que havia feito, mesmo tendo sido por acidente.
— Obrigado.
Tentou pegar a seringa e quase a derrubou. Seus dedos tortos tremiam ainda mais que o normal no momento. O outro puxou a seringa de volta e se sentou no chão.
— Me diga como aplicar.
Izuku poderia chorar de gratidão no momento, mas estava muito exausto. Os dois propositalmente ignoraram os objetos tremendo nas prateleiras.
Izuku guiou o estranho nos passos, aplicando a agulha no músculo do seu braço. Algumas coisas que não havia notado que flutuavam caíram no chão e ouviu pessoas murmurando em alívio do outro lado da barreira.
Tanto para uma ida normal ao mercado.
Fungou de forma vergonhosa e o outro garoto arregalou os olhos minimamente, olhando ao redor, parecendo querer estar em qualquer lugar menos ali no momento.
—Não chora-
—Izuku.
Soluçou se encolhendo com as mãos no rosto. Ele queria Aizawa.
—Não chora, Izuku.
O outro testou seu nome, uma mão sem jeito tocando sua cabeça de forma relutante. O calor nela o fez se aproximar mais sem perceber. Os dois ignoraram isso e Izuku quase riu das batidinhas desajeitadas em sua cabeça. O outro garoto parecia ter mais problemas sociais do que ele, e isso em si já era algo absurdo.
Pessoas começaram a gritar do outro lado perguntando se os dois estavam bem e Izuku se encolheu mais com medo, se segurando para não se aproximar ainda mais do outro garoto. Depois sentiria vergonha de estar quase se jogando em cima de um desconhecido. No momento esse desconhecido era quente e podia criar uma barreira entre ele e as pessoas.
Cobriu o rosto com as mãos, tentando controlar a respiração, sua cabeça quase encostando no peito do outro a esse ponto, a voz em um mero sussurro frenético.
— Não deixa eles virem, por favor. Não deixa eles virem.
Uma mão relutante tocou suas costas, o assegurando.
— Não vou deixar ninguém se aproximar se não quiser.
—Izuku!
O grito conhecido do outro lado da barreira o fez se erguer tão rápido que apenas a agilidade do outro o impediu de bater a cabeça no queixo dele.
—Aizawa? Aizawa!
—Shooooto! O que diabos está fazendo?!
Uma fonte ainda mais quente de calor ardeu do outro lado, mas ignorou isso em favor da urgência de ver seu guardião. O outro garoto se colocou na sua frente quase de forma protetora, principalmente quando o gelo derreteu facilmente.
Do outro lado viu a forma em chamas de Endeavor em sua eterna carranca, mas seus olhos passaram de imediato para Aizawa empurrando o outro herói indignado da frente e passando pelo buraco na barreira.
O outro garoto o empurrou mais para trás, gelo se formando em seu braço por segundos até sumir quando os olhos vermelhos o fitaram.
Izuku tentou olhar seu guardião por trás das costas largas na sua frente, sua cabeça nem mesmo alcançava o ombro do outro.
—Quem é você?
Aizawa desativou a quirk e analisou o outro adolescente de cima a baixo.
— Guardião da criança problema nas suas costas. Me permite?
A última palavra foi claramente de sarcasmo, ainda assim o garoto finalmente o deixou passar. Não teria vergonha nenhuma de admitir que se jogou em cima de Aizawa no momento em que viu o campo livre, mesmo que sua quirk parecesse desgostosa em se afastar da fonte de calor a que havia já se acostumado.
A exaustão o tomou de imediato, mas Aizawa o segurou facilmente e erguendo do chão. Enfiou o rosto na scarf dele e conseguiu finalmente relaxar totalmente.
—Obrigado por cuidar dele-
—Shoto Todoroki.
—Shoto Todoroki. Obrigado.
A voz dele dessa vez pareceu sincera.
Izuku ergueu o rosto do peito de Aizawa ao sentir o fogo perto, vendo Endeavor passar por eles, a expressão tempestuosa encontrando seus olhos por alguns segundos. O calor dele era mais forte, mas não era reconfortante como o de Shoto. A quirk em seu peito não parecia interessada. Olhou por sobre o ombro do seu guardião, passando pelas pessoas que se afastavam de imediato com apenas um olhar dele. Olhos heterocromáticos encontraram os seus, parecendo ignorar o herói número dois na sua frente com sua voz estrondosa.
Izuku sorriu levemente. A expressão do outro garoto não mudou em nada, mas por alguma razão sabia que ele havia sorrido de volta.
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Eles receberam uma visita de Naomasa dois dias depois do incidente.
Izuku não confiava no detetive, mas não por alguma razão pessoal. A presença do homem na casa que julgava ser sua zona de segurança o deixava ansioso.
Eles não tinham ainda nenhuma notícia sobre sua mãe. Algumas pessoas estavam falando em parar as investigações, mas Naomasa não havia permitido, mesmo que o pessoal no caso houvesse diminuído drasticamente. Ele não havia falado nada, mas Izuku sabia que eles estavam esperando Izuku lembrar de algo. No entanto, por mais que forçasse sua memória tudo o que lembrava era de sair da escola e acordar na floresta. Ele não lembrava nem mesmo do ataque que havia interferido, de All Might salvando Bakugou e ele. Segundo Naomasa naquele mesmo dia, antes disso, ele havia tido outro encontro com o mesmo vilão e havia sido salvo por um herói, mas não lembrava disso também.
Era frustrante.
— Está tudo, não precisa se forçar assim.
— Mas minha mãe-
O homem sorriu, trocando um olhar com Aizawa de pé perto do sofá.
—Vamos cuidar disso. Temos alguns bons heróis no caso, inclusive All Might.
Ele o olhou firmemente com isso, como se tentasse passar alguma mensagem. Izuku apenas o olhou confuso, trocando um olhar com seu guardião, que deu de ombros.
—Tem mais uma coisa, tivemos notícias de seu pai.
Izuku ficou tenso, se perguntando porque ele havia deixado isso para o final. A expressão do homem estava profissional, mas havia certa piedade em seus olhos. Aizawa tocou em seu ombro e notou que havia prendido a respiração. Izuku nem mesmo sabia o que sentir sobre esse assunto, não quando soube que durante seu desaparecimento ele não havia ligado nem uma vez.
—Izuku, seu pai desapareceu há anos. O governo do Japão abafou a notícia e eu não tenho liberdade de esclarecer a situação inteira para você, o trabalho dele era sigiloso, até para mim. Algo alto no governo.
Izuku ficou confuso, demorando alguns segundos para entender o que ele queria dizer.
—Ele está-
Pausou, tentando organizar seus pensamentos e não se sentir mal por não sentir muito sobre. Ele nem mesmo conhecia o homem.
—Mas e os cheques que ele mandava?
—Ah, sim. Ele havia deixado uma conta e instruções para o empregador, para que mesmo que algo acontecesse a ele, você e sua mãe estivessem seguros.
Izuku sentiu culpa dentro de si. Por anos ele acreditou que seu pai havia ido embora por sua causa, por não querer um filho como ele. Ele nunca havia dito isso a sua mãe, mas o pensamento sempre esteve na sua mente desde a primeira vez que algum colega havia o atingido com isso. O abandono sempre esteve lá. E agora descobria que ele havia feito de tudo para a esposa e o filho não ficassem desamparados. Ele não havia vindo porque não se importava. Ele não havia vindo porque estava morto.
—Oh.
Aizawa sentou do seu lado, Mochi subindo em seu colo. Os adultos ficaram em silêncio, o deixando assimilar a situação, aguardando sua reação. Vendo se sairia do controle de novo.
—Minha mãe sabia?
Naomasa o olhou com mais simpatia e assentiu.
— Acho que ela queria te proteger disso. Como de todo o resto.
—Faz sentido.
Murmurou, olhando Mochi em seu colo. Esperou o balão em seu peito expandir, mas não havia nada.
Certa melancolia, como se recebesse a morte de um conhecido distante.
O que de fato era.
Na sua cabeça, sem perceber, seu pai já estava morto há anos.
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Alguém batia na porta. Pancadas fortes que ecoavam em sua cabeça, musgo e larvas caindo com cada impacto.
Izuku se encolheu contra a parede, sentido um peso em seu pulso, mas estava escuro demais para ver o que era. Não havia nada a não ser pavor e a porta.
Dentro do seu peito sua quirk expandiu e expandiu, até abri sua caixa torácica e sair de lá, em uma massa branca que tomava passagem por seus ossos, esmagando e tirando, destruindo tudo pelo caminho.
Até que não existisse nada em seu peito além de um grande vazio.
Sentiu um beijo em sua cabeça por trás, a voz da sua mãe suave.
"Não vou deixar que te machuquem mais."
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Izuku já treinava em U.A já há algum tempo, mas ainda não havia conversado com diretor Nedzu. Nesse meio tempo ele havia conhecido vários professores, mas principalmente Cementoss, responsável por reconstruir a área que destruía com sua quirk na zona que usavam. Power Loader também estava envolvido, já que o herói havia se oferecido a criar um equipamento que o ajudasse com sua quirk. Ele havia visto de longe alguns alunos que frequentavam o campus mesmo nas férias, principalmente alunos do último ano ou do departamento de suporte que vinham para usar os laboratórios.
Os treinos não eram tão terríveis quanto no começo, pelo menos não havia mais entrado em pânico sempre que utilizava sua quirk como nos primeiros dias. Eles haviam descoberto também que quando sua quirk realmente saia do controle Aizawa tinha grande dificuldade em a desligar até desenvolver hipotermia e nessas situações tinha que usar supressantes e passar o restante do dia na enfermaria. Recovery Girl já havia visto sua cara mais do que ninguém naquele ano, e ainda estavam nas férias.
Nas duas semanas antes dos exames de admissão começarem o campus começou a ficar mais cheio e Aizawa, que tinha que participar dos planejamentos, tinha que passar o dia lá, consequentemente com Izuku, que preferia ficar perto do seu guardião o máximo possível. Talvez fosse o fato do homem poder apagar sua quirk, ou mesmo que já estava irremediavelmente apegado, sempre havia sido uma criança grudenta, mas era comum o ver andando atrás do herói como um patinho atrás da mãe. Se Aizawa não estivesse disponível, ele estava com Kayama e até mesmo havia começado a se aproximar mais de Yamada, principalmente ao perceber que Present Mic no fundo era tão criança quanto ele, era difícil o encaixar na categoria de homem adulto o suficiente para ter medo.
E foi assim que conheceu Yagi Toshinori.
A primeira vez que havia o visto ele lhe pareceu estranhamente familiar, como se houvesse um nome na ponta da sua língua, mas que não conseguia sair. O homem havia o assustado um pouco ao o fitar sem piscar durante muito tempo de onde estava sentado do lado de Aizawa na cantina quase vazia. Ele só havia parado quando Aizawa o olhou de forma mortal para que parasse.
Demorou alguns dias para que ele se aproximasse e Izuku, intimidado com sua altura, havia se esforçado para não se esconder atrás de Kayama no corredor, mas no fim havia falhado.
— Está tudo bem Zuko, esse é Yagi. Ele é um professor daqui.
Izuku havia olhado o homem por trás dela, acenando timidamente. Yagi sorriu de forma suave com uma expressão estranha na sua cara, ainda mais quando Kayama tentou segurar uma risada, fazendo-o ficar vermelho e tossir. Izuku arregalou os olhos quando viu sangue.
— O senhor está bem?! Claro que não está. Recovery Girl! Kayama, porque está rindo?!
— Está tudo bem, jovem Midoriya.
Yagi riu divertido, limpando a boca com um lenço.
— É algo que acontece com frequência, nada a se preocupar.
Izuku estava preocupado. Agora ainda mais. Sua expressão devia dizer isso claramente. Kayama olhou com certo desespero ao redor procurando Aizawa. Provavelmente pensando que ele iria chorar.
Yagi se tornou, depois disso, uma presença constante.
O sentimento de que o conhecera antes sempre estava lá, mas tentou não focar mais nisso.
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Izuku viu Shoto pela segunda vez em U.A. Era o dia em que iria conversar com Nedzu, para resolverem de vez sua questão educacional. Era também o dia em que as crianças recomendadas estavam fazendo as entrevistas e demonstrações. Ele estava sentado em um banco do lado de fora esperando por Aizawa quando sentiu um calor conhecido. Quando virou ele estava parado há alguns passos, as mãos no bolso e o fitando com a mesma cara inexpressiva de antes.
Izuku viu atrás dele outros adolescentes saindo do prédio, a seleção provavelmente havia terminado. Uma garota com rabo de cavalo a certa distância, sendo chamada por uma mulher para irem embora.
Os dois garotos continuavam se olhando e Izuku sorriu levemente, tentando ignorar o balão em seu peito, que parecia ter despertado, flutuando excitado, tentando alcançar o que havia se tornado, ao que parecia, sua fonte favorita de calor.
— Você é Izuku Midoriya, o garoto desaparecido.
Seu sorriso morreu ao ouvir isso, desviando a cabeça para seus pés pendurados no banco. Alguém parecia ter feito a sua pesquisa depois da última vez. Não poderia realmente culpá-lo.
—Não mais desaparecido.
Resmungou baixo, mas o outro pareceu ter ouvido. O sentiu hesitar, mas pela excitação da sua quirk, ele havia decidido se aproximar e sentar ao seu lado.
— Eu percebi.
Izuku sentiu seu lábio se curvar levemente. O silêncio era estranho. Balançou os pés levemente, franzindo o nariz em desagrado quando viu que o outro conseguia apoiar os dele no chão sem problema.
— Eu não li nada sobre ser filho de um herói, mas isso explica a divulgação ampla do caso. Embora os tabloides tivessem apontado All Might, por ele estar tão envolvido. Eu mesmo acreditei nisso, mas vejo que estava errado.
Isso o fez pausar, olhando o outro de forma embasbacada, a boca abrindo levemente.
—Pai?
Todoroki o olhou de cima, a testa levemente franzida. Como se ele tivesse o direito de ficar confuso depois de soltar uma dessas.
—Eraserhead. Ele disse que era seu pai.
Izuku tentou segurar a risada, mas não conseguiu. O outro garoto o fitou e mesmo parecendo tão inexpressivo viu que ele estava insultado. Ergueu as mãos em defesa, tentando engolir o riso.
—Desculpe, desculpe. Aizawa não é meu pai, ele é meu guardião. Está cuidando de mim até-
O riso morreu ao lembrar da situação e desviou a cabeça para baixo, ficando em silêncio. O outro garoto mexeu os pés no cimento, os sapatos caros parecendo estranhos perto do seu tênis sujo de molho de tomate.
—Oh. Sua mãe. Não a encontraram.
Izuku assentiu, querendo que o outro parasse de vez com o assunto.
—Eu-
O outro pausou subitamente e o olhou de canto de olho, vendo que ele parecia um pouco constipado. Ele queria perguntar algo, analisando sua expressão como se fosse um terrível quebra-cabeças. Realmente, Todoroki tinha ridículos problemas sociais.
—Pode perguntar.
Não precisou dizer duas vezes.
—Eles disseram que não tinha uma quirk, mas naquele dia-
Sempre as perguntas difíceis.
—Quirk invisível. Surgimento forçado. Tardiamente.
Sua voz saiu dura. O outro virou o rosto levemente.
—Estou te aborrecendo?
—Não.
"Só um pouco."
Olhos heterocromáticos o fitaram, constatando de forma sincera: — Você é estranho, Midoriya.
—Obrigado.
—De nada.
Veio a resposta sincera ignorando seu tom sarcástico.
Izuku suspirou. Era difícil ficar aborrecido com alguém que parecia não fazer as coisas por maldade, mas por falta de jeito.
— Você é estranho também.
Todoroki piscou os olhos, o fitando com a mesma expressão de antes. Izuku queria dizer que não se esforçasse tanto ou teria um aneurisma.
A boca dele tremeu, mas não sorriu, os olhos fitando Izuku tão fixamente que sentiu seu rosto corar. Em seu peito sua quirk estava ainda mais insistente, querendo se aproximar.
—Eu creio que-
—Shoooto!!
A expressão de Todoroki se fechou e não precisava virar para ver que Endeavor estava por perto. Podia sentir o calor de longe. Olhou por cima do ombro e viu o herói perto da porta, olhando na direção dos dois com uma cara terrível.
—Quem queimou o café da manhã dele? Que estressado.
Tapou a boca aturdido ao perceber que havia falado em voz alta. Estava convivendo demais com Kayama. Olhou de forma relutante para Todoroki que havia começado a se erguer e o viu fazer uma expressão estranha, a cara dele se contorcendo entre a incredulidade e algo mais. Era o mais expressivo que havia o visto desde que o conhecera.
Ele se recompôs rápido, mas havia sido tarde demais. Izuku deu uma risada abafada, ainda mais ao notar o lábio do outro tremendo levemente em quase um sorriso.
Todoroki acenou se erguendo, caminhando tão devagar até seu pai que tinha certeza que estava fazendo propositalmente.
Quando Aizawa chegou para o levar até Nedzu, Izuku ainda estava sorrindo.
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Nedzu era uma criatura peculiar. Se Izuku tivesse o conhecido antes, teria ido preparado para derrota. Não havia como negar nada a ele, em cinco minutos de conversa sem perceber já tinha aceito os termos e estava ansioso pelas sessões que viriam.
Ele também o deixava nervoso, havia algo nos olhos pequenos que lhe era familiar, que lhe fazia se sentir exposto. Quando Aizawa saiu da sala no meio da conversa quase se ergueu e foi atrás dele, mesmo que fosse apenas para atender uma ligação de um chamado.
Nedzu o olhava do outro lado da mesa, uma xícara de chá servida e um olhar analítico, mesmo que o sorriso fosse agradável.
— Midoriya, eu tenho um pedido a fazer.
O olhou curiosa, ainda mais ao ver que a expressão do diretor havia ficado mais verdadeira.
— Eu sei que fez as sessões mandatórias ainda no hospital, mas eu indicaria a busca de um terapeuta o quanto antes e não apenas em razão da sua quirk. Aizawa concorda comigo.
Izuku fechou suas mãos trêmulas no joelho, olhando para a porta.
— Não precisa me olhar assim, não vamos obrigá-lo a ir. Já tiraram sua autonomia mais de uma vez, precisa ter sua escolha.
Se encolheu um pouco com a frase. Claro que o homem devia ter lido sua ficha, em retrospecto, era algo óbvio.
—Coisas assim tendem a ficar com você, pode empurrar o quanto quiser, enterrar, mas uma hora elas apontam para atrapalhar sua vida. Pedir ajuda não é nenhuma vergonha, bem ao contrário, requer coragem.
—E.eu nem mesmo lembro o que aconteceu.
Nedzu concordou, bebendo um gole do chá.
—Não, mas você sente.
Mordeu o lábio e desviou os olhos. Era difícil escapar da verdade. Como era difícil de escapar das sensações. Era o que o deixava acordado a noite, que o atormentava em seus pesadelos. Mãos e vozes, o sentimento que nunca ficaria limpo, que nunca estaria seguro novamente.
— Eu não posso mentir e dizer que sei exatamente o que está passando. Cada um sabe o peso que carrega nas costas e nossas situações de cativeiro foram diferentes, em vários sentidos. Eu não sei se sabe, não é nenhum segredo, sobre como passei algumas dificuldades nas mãos de humanos.
Ele apontou para cicatriz no rosto com a pata.
— Eu sei, no entanto, como é se encontrar em uma situação vulnerável e esperar alguém vir, mas no fim ter que ser seu próprio herói.
Izuku sentiu o balão expandir, a xícara em sua mão trincou e controlou a respiração. Sua voz saiu em um tom mais vazio e distante.
—Eu não sou um herói, diretor. Eu nunca vou ser.
Nedzu assentiu, os olhos em entendimento. Agora que percebia que dali via a semelhança. Era uma expressão parecida quando se olhava no espelho.
—Talvez sim, talvez não, mas é um sobrevivente. Apenas pense nisso.
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Izuku saiu da sala com uma lista de leitura e com muito sobre o que pensar.
Aizawa o olhou tentando conter uma risada e fechou a cara com isso.
Estar em U.A durante as férias era uma coisa, durante o semestre era outra. Só de pensar na multidão de alunos se sentia ansioso e em pânico. Ainda mais ao saber que um daqueles alunos seria Bakugou, sem dúvidas. Izuku não queria ver seu antigo amigo de infância. Não com uma quirk sem controle, diretamente ligada a suas emoções e que podia derrubar um prédio em minutos.
Suspirou guardando a folha de papel e se abraçando. Aizawa passou a mão em seus ombros e olhou para cima, vendo a expressão do outro quase de desculpas.
— Vai ficar tudo bem.
Izuku queria acreditar nisso.
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Izuku sonhou com a porta, o que já era um costume. A madeira apodrecida, o odor fétido que ela emanava. O lugar ainda escuro, o piso de madeira barulhento e o som de chuva acima, a única luz vinda de algum ponto do teto.
Havia algo diferente no sonho dessa vez. Ele estava caído de frente à porta, sem conseguir se mover. Suas mãos estavam à sua frente, os dedos tortos e distorcidos, esmagados e sangrentos. Seus olhos arregalados fitavam pés caminhando ao seu redor, o circulando, mas não conseguia erguer a cabeça e ver quem era. Ele só conseguia ver suas mãos e a porta. Um objeto caiu na sua frente e sua respiração parou ao ver que era uma marreta, jogada e suja de sangue.
Soluçou baixo, vendo os pés desaparecerem atrás, uma mão tocar seu cabelo em um aperto firme, o obrigando a olhar para a porta. Uma respiração em seu ouvido, murmurando algo que não conseguia entender, como um mantra sinistro.
A porta se moveu. Algo querendo sair de lá. Gritos.
—IZUKU!
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Quando acordou sua janela havia explodido, assim como todas as lâmpadas perto da cama, o caos de vidro quebrado flutuando ao redor do quarto. Sua respiração estava acelerada e notou que também flutuava acima do colchão, quase alcançando o teto.
Kayama estava na porta, se segurando no umbral, seus pés levantando do chão e chamando por seu nome, tentando o alcançar. Piscou aturdido e ouviu um miado estressado. Mochi o fitou de cima do armário, uma seringa de supressante na boca. Ergueu os braços e a gata se preparou e saltou até seu peito onde flutuava.
Izuku aplicou no desespero.
— Izuku, espera!
Ele não pensou na distância que estava até o chão.
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—Uma concussão.
Recovery Girl não parecia feliz de o ver de manhã cedo, mas não havia o que ser feito.
—Podia ser pior, pelo menos não quebrei o pescoço.
A heroína o olhou nada impressionada e fechou a boca. Ela suspirou e balançou a cabeça.
— Shota-kun está sendo uma terrível influência.
—Nem me diga, Zuku treinou a gata para trazer os supressantes.
Izuku sorriu levemente com isso, Kayama, depois do susto, estava tentando não rir enquanto lembrava da situação. Aparentemente era engraçado acordar e ver as coisas flutuando pela casa.
Sua quirk era estranha.
"Você é estranho, Midoriya."
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Izuku já havia iniciado as sessões com Nedzu há uma semana quando o semestre em U.A finalmente começou.
Como não era realmente um aluno, ele não precisava usar um uniforme e Aizawa não comentou nada quando o viu empacotado em um casaco que era claramente do herói, grande demais ao ponto de ter que enrolar as mangas para a ponta dos seus dedos aparecerem. Ele precisava de algum conforto, mesmo que não fosse sair da sua sala até Aizawa ir o buscar, o campus ainda estaria muito barulhento e seria o dia que passaria mais tempo longe de Aizawa desde que haviam se conhecido. Se enrolou em um cachecol amarelo que Kayama havia lhe dado e jogou o capuz na cabeça escondendo seu cabelo branco chamativo. Conferiu os supressantes e todas as barras de proteínas diárias que tinha que levar, seu material de leitura e os exercícios que havia feito em casa.
Assentiu, respirando fundo enquanto Aizawa o esperava na porta pacientemente.
Colocou a mochila pesada nas costas e caminhou o mais confiantemente que conseguia, mas antes de passar pelo umbral uma mão o parou. Engoliu em seco e olhou para cima de forma desconfiada.
Aizawa revirou os olhos e o virou, abrindo sua mochila e tirando Mochi de lá.
—Não é permitido gatos dentro da escola, Izuku.
—Mas-
—Sem 'mas'.
O fitou fixamente, os olhos largos e pedintes. Aizawa suspirou e soltou a gata em seus braços.
—Vai se virar com Nedzu sobre isso.
Assentiu rapidamente, Mochi satisfeita, agora fora da mochila. Aizawa resmungou fechando a porta e o puxando pelo casaco pelo corredor até a garagem.
—Tira essa cara de vitória do rosto. Você me lembra muito um outro idiota. Ele achou um dia um gato de rua e o trouxe para a escola, o levava todo dia escondido, queria dar comida humana ao coitado. Se não fosse eu para alimentar o gato ele teria o deixado doente. Se Nemuri não tivesse se apaixonado pelo gato ele o levaria escondido na bolsa até o final do semestre.
Izuku olhou interessado. Geralmente Aizawa não era tão falante pela manhã. Ou no geral.
— Sushi?
Seu guardião assentiu, abrindo a porta do carro, antes checando sua mochila para ver se tinha as proteínas e os supressantes.
— E seu amigo?
Aizawa apertou a direção, silencioso por alguns segundos antes de ligar o carro.
— O nome dele era Shirakumo.
"Era."
Izuku não perguntou mais nada. Os dois foram em silêncio até U.A.
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Izuku já estava há duas semanas dentro do termo quando o inevitável aconteceu e esbarrou em alguém que não queria. Até aquele momento havia conseguido evitar contato com os alunos, estudando com Nedzu, lanchando com Aizawa, Kayama, Yamado e em algumas ocasiões até Yagi, embora sempre quando Kayama estava por perto.
A coisa mais excitante que havia ocorrido era ter avistado All Might andando no campus pela janela da sala. Quem diria que ainda existia um pouco do antigo fanboy dentro dele?
Izuku ainda treinava em uma das zonas livres quando Aizawa liberava a turma, os dois voltando de noite para casa, onde o homem ia patrulhar e ficava com Kayama ou Yamada, nunca sozinho, principalmente depois do último incidente com sua telecinese.
Era uma rotina puxada, mas estava se acostumando com ela.
E como tudo que ia bem na sua vida, algo tinha que dar errado.
Esse algo sendo se esbarrar com Bakugou.
Em retrospecto, ter saído da segurança da sua sala havia sido uma terrível ideia. Mochi havia debandado e estavam em horário de aula, por isso se sentiu seguro o bastante para a procurar. E então encontrou as placas de graduação dos alunos e tentou encontrar a de All Might, ficando terrivelmente suspeito quando notou o espaço ausente. A placa havia sido removida e, pelo estado da parede, havia sido algo recente. Não poderia ser pelo nome, All Might tinha cuidado em preservar seu nome real, se isso fosse um problema a placa teria sido removida bem antes, ou o nome dele já seria público.
Era um mistério e Izuku estava distraído, ou teria notado o calor dele mais perto.
—Deku?!
O nome o fez gelar no lugar, olhando devagar para o lado e dando de cara com olhos vermelhos em uma expressão bem 'Bakugou', que envolvia raiva, confusão e a promessa de explosões.
Izuku conhecia bem aquilo. Ele conhecia a sensação dessas explosões em sua pele exposta e a língua afiada destilando cada insegurança sua. Até aquele momento ele não tinha certeza porque havia evitado tanto ver Bakugou, ou quando ele se tornou 'Bakugou' e não Kacchan em sua mente. Anos e anos de abuso, mas havia sido algo a que havia se agarrado. Talvez por ele ter sido seu primeiro amigo, ou porque, do jeito dele, Bakugou era o único que o via de verdade. O fato do garoto mais forte que conhecia o ver como competição o bastante para tentar o fazer desistir era quase um elogio e Izuku havia se agarrado a isso.
"Talvez um dia eu tenha Kacchan de volta." Era o que pensava. "Como amigo ou como rival. Como um igual."
Era uma ilusão do antigo Izuku. O Izuku que queria ser um herói.
O Izuku que era uma boa pessoa.
"Ele me deixou para trás."
A frase, feia dentro da sua mente finalmente ganhou voz.
"Se tivesse me esperado, se estivesse comigo, como prometeu quando era meu Kacchan, eu não seria isso que sou agora."
Dentro do seu peito sua quirk expandiu, despertando.
"Eu salvei você, me disseram que eu salvei você do vilão. Onde você estava quando eu precisei?"
Era um pensamento feio e injusto, só mais uma coisa que havia trancado dentro de si e que agora não podia trancar de volta.
—Deku.
A repetição do nome dessa vez foi quase incerta, os olhos vermelhos vendo algo diferente do que era antes. Izuku queria rir, gargalhar, até chorar. Bakugou estava falando e falando agora, mais perto. Os olhos furiosos, as mãos postas em luta, como sempre. Para ele sempre era uma luta. Se aproximando mais e mais, mas não conseguia o entender, não por trás das palavras feias em sua mente, da quirk furiosa em seu peito.
— -aldito! Quando ia dar as caras? Ãh? Não vai falar nada?
Franziu o cenho, tentando alcançar qualquer medo que sentia, nervosismo, algo comum entre os dois. Qualquer coisa menos aquele sentimento feio que queimava em seu peito.
— Onde está a tia Inko? A velha está louca atrás de saber, desgraçado, estava aqui o tempo todo? Acha isso engraçado?
Izuku fechou os olhos e trincou a mandíbula, tentando respirar, se concentrar, apaziguar o balão em seu peito, o monstro ali dentro que queria destruir coisas no momento.
Uma mão agarrou seu pulso e abriu os olhos, fitando os vermelhos muito perto.
—Bakugou.
Apenas um nome, mas isso pareceu desestabilizar tanto o outro que seria engraçado em outra situação.
—Me larga.
Ele devia a Aizawa não perder o controle, por isso tinha que sair dali.
Bakugou trincou os dentes e sabia o que viria antes mesmo de ele erguer a mão. Ele poderia afirmar com certeza que o conhecia bem.
— O que está acontecendo aqui? Ei! Bakugou? Quem é esse?
Uma explosão perto do seu rosto, sua quirk sugando o calor antes mesmo que chegasse perto demais. Sua visão nublou e deixou o balão expandir em seu peito, os vidros das placas explodindo no corredor, gritos surpresos.
As coisas desandaram bem rápido a partir daí.
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Mais tarde Izuku saberia que tudo acabou bem rápido, mesmo que tivesse parecido uma eternidade quando acontecia. Ele lembrava de sons e coisas quebrando, de gritos ao redor. O mais claro, no entanto, foi quando notou o calor conhecido, seguido de uma baixa de temperatura abrupta. Havia uma barreira de gelo na sua frente e alguém o segurando enquanto se debatia como um lunático.
— -doriya! Izuku!
Tão rápido quanto perdeu o controle o balão acalmou em seu peito. Seus olhos focaram e viu alunos assustados. Bakugou caiu no chão de onde estava contra a parede, seguro por sua quirk. Um dos alunos correu e tentou o ajudar a levantar, sendo empurrado.
Olhou para cima e encontrou os olhos de Todoroki, as mãos dele o segurando pela cintura por trás, um aluno mais velho estava na frente dos outros estudantes, como uma barreira de proteção. Contra ele.
Porque Izuku era perigoso. Izuku era o vilão.
Tentou falar algo, mas sua garganta estava fechada. Amoleceu seu corpo, seu peso sendo seguro por trás e o impedindo de cair.
— Você está gelado. Midoriya?
Se virou no agarre, fechando os olhos e enfiando o rosto no peito de Todoroki, tentando encontrar o calor conhecido, fugir do olhar dos outros.
— Midoriya?
— Ele está bem?
Alguém perguntou hesitante, passos se aproximando. Se encolheu mais perto de Todoroki, passando os braços ao redor dele. Para sua surpresa ele o abraçou de volta, dando um passo para trás e o trazendo junto.
— Ele não gosta de gente em cima dele.
— Cara, ele meio que está agarrado contigo, mais em cima é difícil.
É, mas Todoroki não era como os outros. Sua quirk estava calma em seu peito, o descontrole passando mesmo sem supressantes. Ele era tão seguro quanto Aizawa no momento, o calor saciando sua quirk, o frio impedindo que ela atacasse. Todoroki era o máximo que chegaria perto de um botão de desligar.
— Está rindo?
A voz dele parecia confusa, exasperada. Deu uma pequena risada e então o primeiro soluço saiu.
— Eu quero Aizawa.
Izuku desabou em soluços, ignorando as vozes ao redor, focando apenas no conforto estranho. Sentiu Todoroki passando as mãos em suas costas, os dois sentando no chão perto da parede. Se aproximou ainda mais dele sem perceber, escondendo os olhos da destruição ao redor, vidro de placas em todo o chão.
— Iida foi chamar Aizawa-sensei. Ele está melhor?
Uma voz feminina avisou. Olhou de relance de onde ainda estava em cima de Todoroki e viu a garota de rabo de cavalo de antes. Ela havia sentado no chão perto, mas não tão perto que o incomodasse. Viu que outros fizeram a mesma coisa o fitando de forma preocupada. Ergueu um pouco a cabeça ao ver um garoto com rosto em formato de pedra com algo conhecido nos braços.
— Mochi.
Sussurrou e a gata saltou dos braços do estranho, vindo até ele e subindo em seu peito.
—Koda pode se comunicar com animais, ele disse que ela estava te procurando.
A garota falou gentilmente e afundou o rosto no pelo branco, o ronronado o confortando imensamente.
Talvez mais tarde ficaria mortificado pela situação. Estava praticamente no colo de Todoroki, com um medo absurdo de se afastar e perder o controle de novo, soluçando na frente de estranhos como se não houvesse amanhã.
Naquele momento ele apenas fechou os olhos e ficou à deriva.
Quando deu conta de si novamente estava em um sofá conhecido na sala dos professores, encolhido contra um corpo, sentindo uma mão morna em seu ombro. Piscou os olhos, ouvindo vozes baixas e sentindo o cheiro de café.
A sensação de frio e calor o fez despertar de vez, seus olhos seguindo sapatos lustrosos e pernas longas em um uniforme, subindo até encontrar um rosto já conhecido.
Fitou o outro aturdido, que o olhava de volta na mesma forma inexpressiva de sempre.
— Todoroki?
— Midoriya.
Piscou novamente, o outro ainda o olhava. A expressão terrivelmente parecida com a de Mochi.
— Está aqui. Por que?
O outro ergueu uma sobrancelha.
— Estudo aqui, Midoriya.
— Acho que ele está perguntando porque no momento vocês dois estão agarradinhos no sofá.
Olhou para frente e viu Kayama dar uma piscada de olho, voltando ao computador em seguida.
— Oh.
Todoroki assentiu a cabeça em entendimento.
— Você atacou Bakugou e quase destruiu o prédio-
Izuku se encolheu com isso, é, ele lembrava dessa parte.
— -depois você se agarrou em mim e não quis me soltar, mesmo quando Aizawa-sensei chegou. Por alguma razão ele pareceu chateado com isso.
Kayama escondeu uma risada em uma tossida, ainda digitando.
— Então tive que vir com você, já que as coisas começavam a explodir quando tentava sair. Sensei me liberou e disse que viria buscar você quando acordasse.
Izuku estava mortificado.
Ele queria sumir dali. Mudar de país e de nome. Soltou o outro rapidamente, ignorando sua quirk que não queria sair de perto do calor. Aquele comportamento era um pouco preocupante.
— M.me desculpe, eu-
Todoroki se espreguiçou como um gato, seus ossos estalando e Izuku se sentiu ainda pior ao ver o leve desconforto dele pela posição.
— Eu acho que posso ir agora, vou avisá-lo que acordou.
Ele não se deu conta do que fazia até agarrar o pulso do outro rapidamente. Os dois se olharam e arregalou os olhos, corando terrivelmente. Todoroki o olhou em questionamento e Izuku soltou antes que pudesse parar:
— Desculpe, minha quirk gosta de você.
"Me mate."
Yamada parou na porta, o canudo de um smoothie a meio caminho da boca, olhando para cena intrigado.
Todoroki franziu levemente o cenho, o rosto virado como Mochi quando encontrava algo curioso.
— Sua quirk gosta de mim?
— É, ela acha você quente.
Izuku arregalou os olhos. Yamada se engasgou e Kayama bateu em suas costas, um sorriso terrível no rosto.
—Não, não é bem isso! É o calor, minha quirk gosta do seu calor! P.por isso a reação. Ah, desculpe.
Izuku olhou a janela, ponderando se poderia pular para fugir da situação. Todoroki piscou repetidamente e então assentiu a cabeça de forma séria.
— Ela ativou a minha, naquele dia. Faz sentido.
"Faz?"
— Estou curioso, Midoriya.
Izuku também estava.
— Talvez pode me passar seu número, Midoriya?
Kayama derrubou alguma coisa atrás e a ignorou. Seu lábio tremeu. Todoroki ainda o encarava de forma impassível. O cérebro de Izuku demorou um pouco para reiniciar.
—Ah! P.para conversar? Da quirk. Certo, claro.
Todoroki assentiu novamente, o rosto sério. Seus olhos tinham um brilho intrigado, ele murmurou algo abaixo da respiração sobre teorias e tirou o celular do bolso o entregando para colocar seu número. Izuku se achava sortudo por Todoroki ser tão estranho e não ter saído correndo ainda da montanha-russa que foi aquela conversa.
Quando finalmente deixou o outro ir Izuku queria que o chão se abrisse e o engolisse, enfiando o rosto no sofá com um grunhido que lembrava um animal em sofrimento.
— "Minha quirk gosta de você." Suaaave, Zuko!
— Mas é verdade!
— Oh my god! Era por isso que Shota estava de mal humor?
—Devia ter visto a cara dele quando entrou com eles, a mágoa e a rejeição porque Zuko estava agarrado em Todoroki e não queria ele.
Aqueles dois eram terríveis pessoas e Izuku não queria saber deles mais. Mochi pulou no sofá e a abraçou.
— Ah, não precisa ficar assim, little listener! Até trocaram números.
Kayama fingiu que limpava uma lágrima: — Nosso bebê está crescendo, Zashi.
— Eu sei! Parece que foi ontem que ele era desse tamanho assim. Pobre Shota!
— É, Zuko, não faz essa cara. Devia ter visto como ele te olhava fixamente enquanto dormia, nunca vi alguém tão concentrado em alguma coisa, era um pouco assustador. Sorte dele que Aizawa não viu isso ou teria enforcado ele com a scarf.
Izuku preferiu os ignorar, ele tinha problemas maiores. E como se lesse seu pensamento Aizawa entrou na sala naquele momento, a expressão fechada, exceto por uma ruga de preocupação na testa. Izuku o olhou por cima do sofá, mas não conseguiu segurar seu olhar, desviando-os para os próprios pés. A situação o bateu como uma pedrada na cara. Ele havia atacado Bakugou e destruído propriedade da escola, mesmo depois de todo o controle que Aizawa tinha tentando colocar nele. Izuku havia apenas provado que era perigoso.
— Me desculpe.
Aizawa sentou ao seu lado, os outros dois haviam parado de rir. Sentiu a mão dele em seu rosto, levando sua cabeça para cima. As mãos tocaram suas bochechas o impedindo de desviar os olhos. Izuku segurou os pulsos dele, mas não tentou fugir. Aizawa ainda tinha a mesma expressão fechada.
— O que aconteceu?
— Bakugou-
Aizawa franziu o lábio, sua expressão se tornando azeda.
— Eu já falei com ele, quero sua versão das coisas.
— Eu-
Izuku não sabia o que dizer. Aizawa aguardou, tentando manter a paciência.
— Nós nos conhecemos. De antes. Tínhamos problemas, eu acho. Ele me confrontou, não me deixou recuar. Perdi o controle.
Era o mais sucinto e verídico que podia ser. Pela expressão do homem sua versão não havia sido tão diferente da de Bakugou.
— Você não usou supressantes.
Negou.
— Todoroki me ajudou. M.minha quirk gosta da dele.
A sobrancelha de Aizawa tremeu e ouviu uma risada atrás deles. Não sabia porque estavam rindo, era a verdade.
— É? Interessante.
Izuku assentiu, tendo o rosto liberado.
— O calor atua como combustível, o frio impede que ela saia do controle. E antes, naquele dia, minha quirk ativou a dele. É estranho.
— É, estranho.
Estranho também era o olhar de Aizawa no momento. O homem suspirou e passou a mão nos olhos. Izuku se sentiu pior.
—Aizawa, as coisas que eu destruí-
—Não se preocupe com isso. Cementoss e Nedzu já cuidaram disso. E não me olhe assim, você perdeu o controle, isso é ruim, mas foi menos ruim do que poderia ser.
Izuku franziu a testa e o homem apertou seu nariz com força.
—Criança problema, pare com isso.
—Mas-
—Você tem ideia do quanto sua quirk é estranhamente forte? O controle que teve para destruir apenas algumas placas e jogar Bakugou longe já é uma vitória.
Ele tentou enforcar Bakugou na parede também, mas se ele não contou isso, não seria Izuku que contaria
—Mas eu não devia ter saído.
—Não é um prisioneiro aqui, Zuko.
Kayama o fitava de forma suave.
— Você pode sair pelo campus se quiser, apenas saiba o tanto que aguenta e fale com um de nós antes, se possível. A única pessoa que criou a regra de não sair da sala foi você.
—Apenas um aviso que meus alunos parecem agora muito intrigados.
Aizawa falou isso como se fosse algo terrivelmente inconveniente. Izuku não sabia o que pensar, a não ser que passar mais tempo com Todoroki não era algo ruim, se pudesse controlar sua quirk e sua língua.
Olhou para o telefone nas mãos e quase sorriu.
Ao menos uma coisa boa.
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S.Todoroki: Sua quirk te passa sensações? Como algo vivo?
Izuku: É, principalmente quando está precisando de combustível.
Falar com Todoroki pessoalmente e por mensagem não era muito diferente. Havia a mesma estranheza, a forma como ele entendia tudo ao pé da letra, desconhecedor de sarcasmo e com uma tendência a ser extremamente sincero, o que em algumas situações se assemelhava a ser rude.
Em pouco tempo entendeu que sua análise inicial era verdadeira: Todoroki era inapto socialmente.
Mesmo assim, havia algo agradável em falar com alguém assim. Quando você entendia Todoroki era impossível não gostar dele. O que ele tinha de rancoroso, socialmente estranho e teimoso, ele tinha de gentil, altruísta e verdadeiramente curioso. Sua tendência a se jogar em teorias da conspiração era algo que o antigo Izuku teria muito assunto em comum e muitas vezes Izuku se pegando sorrindo lendo as mensagens dele, mesmo que fossem sobre um assunto tão desagradável quanto sua quirk.
Só porque ele havia aprendido a necessidade de conhecer e controlar sua quirk, não queria dizer que gostasse dela. Havia dias que a sensação em seu peito lhe dava a mesma ânsia da primeira vez.
S.Todoroki: Eu desisto, Midoriya. Sua quirk não faz sentido algum.
S.Todoroki: Tem um garoto na minha sala com uma quirk que é uma sombra viva, talvez devesse conversar com ele.
Izuku: Sério?
S.Todoroki: Sim, ele tem uma cabeça de corvo. Tem alguém assim na sua família? Talvez vocês sejam primos? Talvez sua quirk vá tomar forma também.
Izuku: Todoroki? Está me zoando?
S.Todoroki: Não? Por que eu faria isso?
Izuku riu baixo, Mochi cochilando em sua barriga, os dois deitados no sofá.
Izuku: E você diz que minha quirk é estranha.
S.Todoroki: Não me respondeu.
Izuku: Omg, não, não tem ninguém na minha família com cabeça de corvo. Certeza.
Izuku enviou uma imagem.
S.Todoroki: O que foi isso que enviou?
Izuku: Um meme?
S.Todoroki: ?
Izuku: ??? Não sabe??
Izuku: Não se preocupe, Todoroki, eu vou te ensinar.
Izuku: Vou desfazer essa injustiça.
S.Todoroki: Você é estranho, Midoriya.
Izuku: Isso é ruim?
O viu digitar algo de forma demorada e se sentiu estranhamente ansioso com isso. No fim sorriu.
S.Todoroki: Não acho que seja.
Izuku: Deveria me ofender com a demora.
S.Todoroki: :)
—Por que está sorrindo para seu telefone, criança problema?
—Nada!
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Izuku viu seu celular vibrar durante o almoço, ainda escondido dentro da sala dos professores como um fugitivo, Aizawa tirando um cochilo em seu saco de dormir no canto.
S.Todoroki: ?
Izuku: O quê?
S.Todoroki: Sensei falou comigo.
S.Todoroki: Sobre participar do seu treino?
Izuku se engasgou com a comida.
— Aizawa?! O quê?
O homem o olhou com a cara feia por ter atrapalhado sua soneca, já bem ciente do assunto antes que precisasse esclarecer.
— Você disse que sua quirk gosta dele, fiquei curioso.
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Nos dias que se seguiram Todoroki passou a fazer parte da sua rotina.
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Naquele dia Izuku se sentia inquieto. Sua quirk parecia mais problemática do que de costume e Nedzu cancelou algumas lições por fazer coisas flutuarem por acidente. Quando estava assim sempre ficava grudado em Aizawa, mas não era uma opção com ele fora do campus.
Kayama aguentou seu humor com maestria, como sempre, acostumada depois de anos com Aizawa.
Com o passar das horas a sensação apenas piorou e Izuku se pegou tendo uma crise repentina, as janelas trincando e um choro compulsivo o tomou. No fim teve que usar um supressante quando coisas começaram a quebrar na sala, ninguém conseguindo o acalmar.
Foi uma boa eles terem usado o supressante, porque minutos depois eles souberam do ataque em USJ.
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Izuku estava lá quando o tiraram da ambulância e só conseguia ver sangue. Ele não lembrava de muito depois disso, tendo sofrido uma forte dissociação. A imagem de seu guardião sobreposta em outra que não entendia, sangue escorrendo em um chão de madeira e uma forma parada no chão, torta como um boneco de trapos.
Quando voltou a si estava sentado no chão de frente a sala de cirurgia. Ninguém havia o conseguido tirar de lá depois de então. Kayama, Yamada, até mesmo Nedzu havia tentado, mas ele continuou sentado no mesmo lugar, abraçando os joelhos e olhando fixamente para a porta. O supressante ainda estava sob efeito, o que era uma sorte, mas por isso não sentiu Todoroki se aproximar.
O outro sentou ao seu lado em silêncio e viu que ele parecia sujo, mas bem. Nenhum ferimento. Todoroki empurrou duas barras de cereal em sua mão e percebeu com certo distanciamento que deveriam ter o trazido ali para isso. Não era uma boa ideia Izuku não comer, ou sua quirk ia começar a devorá-lo.
Olhou as barras sem fazer nada, os olhos voltando para a porta.
Uma mão quente tocou a sua, barulho de embalagem e algo tocou seus lábios. Olhou para o lado e Todoroki o fitava com firmeza. Era um olhar que dizia que se não agisse logo ele iria o derrubar no chão e o obrigar a comer.
Izuku abriu a boca e mastigou.
No fim ele o puxou para perto, falando algo que ignorou, seus olhos nas luzes vermelhas acima da porta.
Ele nem mesmo percebeu quando ele foi embora, sentindo só depois a ausência do calor.
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Aizawa estava lá, como uma múmia enfaixada, mas vivo.
Eles se olharam por longos segundos. Izuku imaginava como ele estava o vendo, sujo e com olhos vermelhos, tão parecido como era meses atrás.
Recovery Girl falou algo com Kayama, mas as ignorou, como ignorou todo mundo que havia tentado o fazer sair de frente da porta nas últimas horas, ou o impedir de seguir a maca quando o levaram para o quarto, onde sentou novamente de frente até o deixarem entrar.
Izuku tinha medo de virar as costas e nunca mais o ver, como não tinha visto mais sua mãe.
O homem fez um leve movimento com a cabeça e Izuku se aproximou da cama, se encaixando no espaço livre e deitando ali.
Só então conseguiu respirar direito.
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No fim das contas o que o levou a sair no campus não foi sua curiosidade, mas a necessidade de ficar perto de Aizawa desde o incidente.
O homem era muito teimoso para ficar parado e onde ele fosse Izuku iria, por isso quando ele insistiu que podia dar aulas Izuku olhou para Nedzu que suspirou, mas assentiu em concordância.
Não podia culpar as pessoas por olharem quando os dois passavam no corredor. Aizawa parecia uma múmia e Izuku era uma criança estranha e sem uniforme, usando um casaco enorme, agarrado na blusa de um adulto e fazendo coisas flutuarem por onde passava.
Sua quirk parecia tão inquieta como ele, mas pelo menos não de uma forma destrutiva no momento. Era comum agora coisas flutuarem quando se sentia ansioso.
Izuku abaixou a cabeça e tentou se controlar, ignorar a sensação que tantos olhares causavam.
Quando finalmente chegaram na sala e Aizawa chutou a porta para abri-la, quase deu para trás ao ver cada olhar em seu rosto.
— Deku?!
Bakugou começou a se erguer da cadeira, mas um olhar de Aizawa e ele voltou a sentar, de forma relutante.
Izuku o ignorou, se escondendo descaradamente atrás do seu guardião.
— Hn, Sensei?
— Yaoyarozu?
— É bom ver que está bem ou, mas não devia estar descansando?
— É! E quem é esse?
— Ashido, sente direito. Logo vou explicar. E esse é Midoriya.
Todoroki encontrou seus olhos e apontou para uma cadeira ao seu lado. Izuku olhou para sua mão segurando a camisa de Aizawa e depois para a cadeira repetidas vezes.
Aizawa suspirou e o olhou de cima.
— Vai, ou não vou conseguir dar aula com você em cima de mim.
Seu rosto corou e ouviu algumas risadas baixas.
Soltou Aizawa de forma relutante e sentou com Todoroki, perto da mesma garota que havia falado antes, ela sorriu com curiosidade em sua direção.
Todoroki puxou sua cadeira para mais perto e viu alguns dos alunos virarem a cabeça tentando o ver melhor, até Aizawa chamar a atenção de todos para frente.
Todoroki colocou o braço na tampa da sua cadeira e Izuku se aproximou como um gato em direção ao calor.
Sua quirk em seu peito finalmente calma.
Notas finais
Só uma coisa, agora teremos um epílogo, então serão cinco capítulos.
Como podem ver os eventos são passados bem rapidamente quando Izuku não tem envolvimento direto, porque é escrito com a perspectiva dele da situação.
E quando ao Bakugou, não se preocupem, logo eles vão fazer as pazes, do jeito deles.
Até o próximo capítulo.
Que devido a minha ansiedade será logo
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