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Prólogo

https://youtu.be/NpD0pSsGNP4

NOTA ESPECIAL DA AUTORA

Minhas trevosas, estejam avisadas: este livro não é um conto de fadas. Ele é um corte profundo, uma ferida aberta que sangra verdades incômodas e desejos perigosos.

O Gato não é apenas uma história de um casal ou um romance com tintas sombrias. Ele é uma jornada visceral pelo que há de mais podre e voraz na alma humana. Nele, vocês irão sentir o cheiro da terra molhada pelo sangue dos esquecidos, irão ouvir os sussurros de crenças antigas que nunca dormem, e irão tocar a dor de uma jovem que foi rasgada ao meio por sua origem e sua sorte.

Aqui, o terror não se limita ao sobrenatural – ele se enraíza na fome, na ganância, na perversidade que se esconde por trás de sorrisos e promessas. Há ficção, sim. Mas há também verdades brutais, inspiradas nos acontecimentos crueis que assombraram Goiás e Tocantins entre as décadas de 60 e 90. Há algo de lenda e muito de realidade.

Este é um livro que queima, que aperta o peito e que deixa marcas. Um terror erótico onde o desejo e o medo andam juntos, onde o perigo se confunde com o prazer, e onde o abismo sempre devolve o olhar.

Então, se preparem. Leiam, sintam, devorem. Mas saibam: algumas feridas nunca cicatrizam... e algumas histórias nunca soltam a gente depois que entram.

Com trevas e desejo,

AFRODITE DARK

AGATHA

Era noite, e eu vi as sombras engolindo o horizonte como uma fera faminta. Eram 19h, o momento em que o sol, cansado e derrotado, se despedia dessas terras de muitos donos que só existiam na imaginação deles. Não sobrava mais ninguém para vigiar, a não ser o próprio demônio, que, com certeza, observava com prazer o que o homem é capaz de fazer. Aqui, no coração do Tocantins, onde os ventos carregam rumores de almas perdidas, a escuridão não se contenta só em abraçar a paisagem; ela devora, ela consome.

Mas nem sempre foi assim. Eu lembro que essas noites já foram diferentes, cheias de risos, celebrações e uma vida simples, mas alegre. Hoje, elas são apenas um lembrete cruel. Um aviso constante de que a pior maldição não vem do inferno. Ela nasce aqui mesmo, no coração humano

Noites como essas já foram um pesadelo escandaloso, um tormento que me tomava inteira, arrastando minhas esperanças para o abismo. Sempre me assombrando com os fantasmas do passado.E não eram apenas os fantasmas dos que partiram. Eram os fantasmas de uma vida que nunca pudemos viver, de uma liberdade que nunca conhecemos. Não são mais pesadelos. São lembranças pesadas, amargas, que me apertam o peito e me sufocam. E eu não me envergonho de sentir raiva, porque raiva é o que me resta. Raiva dessa vida que me foi arrancada, raiva da dor que me foi imposta, raiva daquelas noites frias em que eu chorava, sozinha, por mais que estivesse rodeada de gente, ou ainda tivesse uma alma do passado ao meu lado. Não havia nada para me amparar, e a dor, ela me fez endurecer.

Lembro que tinha que rezar, reza apertada, com a alma retorcida, para conseguir dormir na cama de palha do depósito dos fundos da cozinha, onde o frio cortava como o facão a mata seca, e a escuridão nunca se ia. Por toda a minha vida, o que restou foram os fantasmas. Os fantasmas de minha mãe, de meu pai, da minha irmã morta, gritando nas sombras, no poço de sofrimento dentro de mim. Eles me chamam, me imploram, me pedem libertação, mas tudo o que eu sinto é a dor, a dor que não me larga. E uma raiva sem fim dentro do meu sangue. Como uma moléstia que se espalha dentro de mim, tomando meu corpo e minha alma, me deixando seca e agoniada nas sombras.

Dona Suzana Teixeira, com seu olhar invejoso e sorrisinho disfarçado, sabe disso. Ela me chama de arisca, rebelde, e tem razão. Eu sou. E é por isso que ela me odeia tanto. Dona Suzana Teixeira... que nome sujo. Ela não me vê como uma filha. Não me vê como uma pessoa. Ela me vê como uma escrava, como um peso, como algo que ela pode moldar à sua vontade. Tudo o que ela queria era fazer de mim uma escrava, amansada, submissa. Mas eu não era assim. Não sou assim. Eu sou filha da terra, filha da raiva que corre nas minhas veias. E ela... ela sabia e sabe disso melhor que ninguém.

Suzana adora cutucar minhas feridas. Ela se delicia em trazer à tona toda a dor que eu carrego dentro de mim. Cada vez que ela fala de minha mãe, do meu pai, da minha irmã, era como se estivesse esfaqueando minha alma. Ela quer que eu me lembre da fraqueza do passado, quando eu ainda tentava me encaixar no mundo que ela e os outros queriam que eu fosse. Uma mestiça sem voz, uma menina quieta, uma sombra no meio da vida dos outros.

Ela vê a minha dor como um cordel daqueles coloridos. Ela olha para mim com o orgulho de quem tem o poder de me espezinhar, de me mostrar que, no fundo, eu era fraca, tão fraca quanto qualquer um. Mas o que ela não sabe é que, em vez de me quebrar, ela só estava me alimentando. Cada palavra venenosa que ela lançava e lança em minha direção só me faz mais forte. A raiva que ela quer despertar em mim, já está aqui há anos. Sempre esteve. E ela está prestes a pagar caro por isso.

Culpados! Culpados são todos os Teixeiras por trazerem a doença, a maldição, desde aquela noite, a noite que destruiu qualquer chance de felicidade, a noite que apagou o futuro da minha família. A noite que eu nunca vou esquecer, a noite que rasgou o céu e a terra, que me jogou nesse inferno sem fim.

Era tarde, quase dez da noite, e eu lembro do calor insuportável de Xambioá, do gosto doce da cana caiana que eu chupava até a última gota, enquanto a brisa quente me acariciava, tentando me acalmar. Mas, naquela noite, até o ar estava sujo, pesado. Não havia mosquitos, a fogueira os mantinha longe, mas o calor parecia fazer o mundo derreter. Meus pais balançavam na rede, entrelaçados como sempre, tão apaixonados que o mundo lá fora parecia não existir. Minhas irmãs, as gêmeas, brincavam no tapete diante da porta, cantando suas cantigas, rindo e implicando com a caçula, aquela menina quieta que sempre preferiu o silêncio. Ela desenhava, desenhava nossa família, unida, com lápis coloridos, sem saber que o destino estava prestes a nos separar para sempre.

Eu... Eu era diferente. Não puxei a linda pele morena cor de canela e os cabelos pesados e escuros do meu pai filho da tribo Karajá, mas os olhos verdes acesos e os traços galegos da minha mãe. Alta, com a pele dourada beijada pelo sol e os cabelos castanhos claros que eu trançava como ela. Enquanto minhas irmãs eram cópias exatas de meu pai, eu parecia uma estrangeira entre eles, uma estranha no nosso próprio sangue.

Mas, até ali, nossa vida era doce. Nossa casa, boa. Minha mãe, filha única de um fazendeiro italiano, e meu pai, um dos muitos nativos das reservas ao longo do Araguaia. Eles se amaram em segredo, fugiram para ficar juntos, e minha mãe como era filha única de Francisco Mendoza herdou tudo que era do meu avô logo após o casamento. Já que meu avô morreu com a doença dos homens brancos. Com parte da sua herança, ela comprou mais terras e fez nossa vida brilhar. Nossa casa tinha tudo, tudo que precisávamos. Não faltava peixe, nem carne de bode fresca que meu pai criava nas matas. Nossas noites de sexta-feira eram um ritual de agradecimento aos espíritos reis, e santos milagreiros da minha mãe. Uma celebração silenciosa da sorte que ainda nos acompanhava.

Mas nós não sabíamos. Não sabíamos que a sorte estava prestes a virar, que um estranho se aproximava, alguém de fora, alguém que não podia ver o que tínhamos sem desejar para si. Ele veio, atraído pela mulher branca que se casou com o "índio imundo", como eles diziam. Uma mulher ousada que teve a audácia de tomar para si as terras da fazenda Andaluz, sem o aval dos velhos coronéis da região. Uma mulher que, com seu veneno, corrompeu tudo o que estava certo, tudo o que era "deles".

A ganância trouxe o caos. O pasto verde que meu pai cuidava com suas próprias mãos, a riqueza que ele semeou com suor e amor, tudo foi tomado, dilacerado. O Araguaia, que antes era nossa fonte de vida, agora parecia zombar de nós, testemunha de nossa destruição. Eles praguejavam contra os colonos, peões, que trabalhavam no que era nosso. Não entendiam. Não podiam entender que éramos a terra, que a terra nos pertence. Eles queriam tudo, o que era da nossa gente, da nossa cultura, e já não podiam mais ver os Karajá como algo puro. A guerra não começou com flechas e gritos, começou com os olhos de cobiça. Eles nos tomaram pela força, e o sangue do rio ficou mais denso, mais quente. A cada passo, o cheiro da morte se espalhava, sufocando a beleza do nosso lar.

Ainda posso ouvir. Ouço as vozes deles, as dos nossos ancestrais, chamando por justiça. Ouço o calor daquele verão, o suor que escorria pelas nossas faces, misturado com lágrimas e sangue. Um verão insuportável, como o peso de todas as memórias, todas as dores que nos restaram. E não há alívio. Não há salvação. Só o grito eterno da minha irmã, ainda ecoando dentro de mim, me pedindo para salvar o que não pode ser salvo.

Eu me lembro. E eu nunca vou esquecer.

Doze anos atrás...

— Sem barulho, meninas. Já brincaram muito, agora é hora de dormir. Agnes e Alicia, Agatha me disse que vocês duas estavam amolando...

— Não é verdade, mamãe. Ela só não sabe brincar.
— Ela é a irmã mais nova, vocês têm 11 anos! Sejam gentis com ela. Agora chega de conversa. Já deveriam estar roncando faz tempo.

Mamãe beijou a testa de cada uma de minhas irmãs, como sempre fazia. O cheiro doce de seu perfume de flores me envolvia enquanto ela me abraçava, e eu me agarrava ao meu ursinho de pelúcia marrom. Meu coração batia forte, um turbilhão de emoções misturado com uma sensação agridoce. Eu amava esses momentos, os beijos, os abraços, a segurança de estar com ela, mas havia algo no fundo de mim, algo escondido nas sombras daquela noite que não me deixava descansar. E então, como sempre, ela sussurrava em meu ouvido, sua voz suave e reconfortante, mas com um toque de algo que eu não sabia nomear, algo que me fazia sentir um arrepio na espinha:

– Durma bem, meu anjinho, vamos nos encontrar nos seus sonhos essa noite.

– Eu te amo, mamãe. – eu disse, engasgando com a emoção, sentindo uma dor oculta se apertar em meu peito, como uma ferida que eu ainda não entendia. Ela sorriu, seus olhos brilharam com uma ternura que parecia esconder segredos, apagou as luzes e saiu, deixando o quarto com um silêncio pesado, sem porta, apenas o som abafado da noite lá fora.

Eu sempre tive dificuldades para dormir, mas naquela noite, algo estava diferente, como se o ar estivesse denso, carregado de algo que eu não conseguia definir. A exaustão me dominou e eu finalmente adormeci, caindo em um sonho vívido, onde um castelo dourado brilhava ao longe. Dentro dele, minha mãe, a rainha Anesia, governava com graça, sua figura majestosa irradiando um poder sereno. Mas então, esse sonho encantado se desfez, como cristal quebrado, dilacerado por um choro desesperado, sufocante, muito próximo da minha cama.

O choro não era de um bebê ou de uma criança perdida; era o choro de alguém que estava sendo destruído. Não acordei imediatamente, mas o som da respiração ofegante de um homem, abafado e grosseiro, me fez estremecer até a alma. Eu podia sentir o calor do corpo dele, a pressão de sua presença, e o medo começou a me consumir, tomando conta de cada fibra do meu ser. A sensação de terror era palpável, como se as paredes do quarto estivessem fechando ao nosso redor.

Eu abri meus olhos, e a escuridão parecia engolir tudo. Na cama ao lado, minha irmã Alicia estava deitada, mas não havia paz em seu rosto. Ela estava em agonia, lutando contra algo, alguém. Seu corpo se contorcia, tentando se libertar. Eu olhei para o canto da cama, e o horror que vi fez meu sangue congelar.

Buscando ao redor por ajuda, vi Agnes chorando agachada e muito encolhida no canto mais afastado do quarto com as mãos sobre a boca, e pânico brilhando em seus olhos castanhos claros. Ela não estava ajudando Alicia, ninguém estava.

O homem, velho, com a pele enrugada e uma barba grisalha, estava sobre ela, suas mãos grosseiras segurando seu corpo com uma força monstruosa. Alicia estava indefesa, seu corpo pequeno e frágil, sendo esmagado sob aquele peso. Ela sacudia, sacudia e sacudia com cada esfregar do homem estranho em seu corpo. O choro dela era um som horrível, cortante, e eu pude ver a dor em seus olhos, um pedido mudo de socorro. Eu não sabia o que estava acontecendo exatamente, mas o terror foi instantâneo. Eu sabia que não era algo que qualquer criança deveria ver. E o pior era que, no fundo, eu já sabia o que estava acontecendo, mas meu corpo paralisou, não conseguia mover as pernas, os braços, e eu estava impotente.

Era um pesadelo real.

Eu era apenas uma criança, mas algo dentro de mim se rompeu. O pavor tomou conta de mim, mas havia algo mais, algo que me fez gritar. Gritei por mamãe, meu corpo tremendo, minhas mãos espalmadas sobre o colchão enquanto tentava me levantar. Fui correndo até o homem, sem pensar, sem noção, pulei sobre ele e puxei e arranquei seus cabelos, tentei socá-lo, morder, qualquer coisa para afastá-lo de minha irmã.

— SOLTE-A MALDITO! SOLTE-A!!!!! — o grito ainda parece arder na minha garganta.

Ele não parou. Ele apenas riu, um riso abafado, baixo e sujo, que fez minhas entranhas se revirarem. Ele não se importou com minha luta. Ele apenas continuou, cruel e desumano.

A cada segundo, eu via a dor nos olhos de Alicia. Ele a machucava com uma crueldade que não se pode compreender. O homem não parecia humano. Ele era uma besta, uma criatura horrível, cujos olhos maldosos e traidores tinham o poder de fazer qualquer um se perder na escuridão. Ele apertava o pescoço de minha irmã com tanta força que eu vi o ar deixando seus pulmões, e seus olhos estavam quase fechados. Eu queria gritar mais, mas a dor em meu peito cortava minha garganta. Eu queria correr e chamar ajuda, mas minhas pernas estavam fracas, minhas forças se esvaindo, por lutar com aquele homem feito de pedra e maldade.

Eu ainda podia sentir o cheiro de seu corpo sujo, o odor repulsivo daquela boca podre. O ódio e o medo começaram a ferver em meu peito, a raiva subindo como um fogo ancestral, um desejo insano de lutar.

Ele me empurrou com uma força que nunca senti antes, e eu voei para o outro lado do quarto, caindo no chão com tanta força que quase desmaiei. Mas não pude parar, não podia. Levantei-me com os olhos lacrimejando, já tonta, e tentei novamente, mas ele voltou a se concentrar em minha irmã, ignorando completamente a minha luta. Ele a sufocava ainda mais, como um animal que esmagava seu corpo fazendo meu estômago revirar.

Foi então que a porta se abriu. Mamãe entrou, os olhos arregalados, a respiração curta, e viu o que estava acontecendo. Ela gritou, mas o grito dela foi como o som de um animal ferido. O medo estampado em seu rosto fez minha alma se congelar. Ela correu até nós, gritando, tentando salvar Alicia, mas o homem, esse monstro, esse demônio, não parou. E a luta, a agonia, a dor... Não acabou até que mamãe tivesse visto o horror, o mal que ele trouxe para dentro de nossa casa.

Mas o velho não estava sozinho. O terror que se instalou na nossa casa se multiplicou em uma tempestade de desesperança que eu jamais imaginaria. Eles eram muitos. Demônios disfarçados de homens, homens que estavam dispostos a acabar com tudo o que era puro, a destruir nossas vidas sem piedade.

O som do disparo cortou o ar como um trovão, reverberando dentro de minha cabeça. Meu corpo se encolheu, um arrepio de pavor me atravessou. Um homem jovem, com o olhar de pedra, sem misericórdia, surgiu em nosso quarto, levantou a pistola e disparou. O tiro ecoou nos meus ouvidos como o grito do inferno, um som que nunca mais seria apagado de minha memória. O corpo de minha mãe tombou como o meu coração.

O velho nojento, aquele ser repugnante, terminou sua fúria sobre Alicia com um gesto final. O som do pescoço dela se partindo, o estalo seco que ecoou pelo quarto, é uma memória que nunca vou poder esquecer. E, então, ela estava lá, deitada na cama, seu corpo sem vida, o sangue ainda quente misturado com as cobertas, sua expressão congelada na dor.

— Vadiazinhas sempre dão trabalho, vocês vêm comigo. — A voz do homem era baixa e grave, com o timbre de algo terrível, vindo diretamente do abismo. Ele arrumou as calças e olhou para o pequeno corpo de Alicia, a morte estampada nela.

Com uma pistola em punho, ele nos forçou a sair do quarto, puxando-nos pelos braços, seus dedos rígidos e frios como garras. Mamãe ainda se contorcia no chão, seus olhos verdes preenchidos de terror, lágrimas caindo e se misturando ao sangue que escorria da sua boca. Ela tentava falar, mas a dor a sufocava.

— Anda, garotinha, não me dê mais problemas. Você pensa que não senti as suas mordidas? — A voz dele estava impregnada de malícia.

Eu queria gritar, queria correr até minha mãe, abraçá-la, protegê-la, mas fui esbofeteada sem aviso e arrancada de perto dela, meu ursinho de pelúcia esquecido na poça de sangue que ainda se acumulava ao redor da minha mãe. Foi o último vestígio de minha infância que ficou para trás, enquanto o terror me arrastava para longe do que eu amava.

E então, enquanto éramos arrastadas para fora da casa, algo mais aconteceu. O horror se aprofundou.

Meu pai. O grande guerreiro Karajá, o homem que eu sempre vi como invencível, estava preso, amarrado, com cordas apertadas em seus pulsos, atado a um carro sujo, um carro que parecia ter sido feito no inferno. Seu cabelo, que antes era escuro e brilhante, agora estava faltando em vários pontos, arrancado, como se a violência tivesse arrancado sua dignidade.

Eu vi o que eles fizeram com ele. As marcas de seu sofrimento estavam espalhadas por seu corpo, uma prova de que a resistência dele, de que sua força, foi quase quebrada. O ar estava pesado, carregado com o odor do medo e da morte, quando um dos muitos homens que o velho comandava se aproximou, suado e exausto, ao lado do jovem que havia agredido minha mãe. Sua voz soou grave e fatigada, como o murmúrio de um ser condenado a um destino sem fim.

— Ele é difícil de matar. O encontramos do outro lado do rio, e só conseguimos capturá-lo porque pegamos as fêmeas dele. Ele corre mais rápido que um garanhão. Esses selvagens devem ser bons para a pedreira, eles são fortes como a peste maldita.

Aquelas palavras cortaram o silêncio da noite como uma lança afiada, um veneno que queimava o ar. O jovem ao lado dele balançou a cabeça, rindo de forma contida, com a expressão fria de quem já estava irritado com o rumo de tudo.

— Vamos levar as que restam. O meu pai desperdiçou uma e eu tive que eliminar a Sinhazinha Mendoza.

O que ouvi me fez perder o controle. Algo dentro de mim se rompeu. Era como se o espírito dos Karajás, meus ancestrais, se manifestasse através do meu pequeno corpo. O ódio e a fúria tomaram conta de cada centímetro da minha alma, como um vulcão prestes a entrar em erupção. Eu não era mais uma criança indefesa. Eu era um espírito indomável, um rugido da terra, uma força imparável.

Eu me desvencilhei daqueles monstros, lutando como um animal selvagem, rasgando o ar com meus movimentos desesperados e rápidos. Corri até meu pai, a única pessoa que sempre foi a minha rocha, o meu protetor, meu rei.

– Papai! – gritei, minha voz quebrada pela dor, pela incredulidade. – Olhe para mim, papai, acorde!

Seus olhos, negros como pedras de rio, brilharam por um instante, e foi ali, naquele olhar profundo, que vi as últimas palavras que ele poderia me deixar. Não havia mais tempo. Ele não tinha mais forças. Mas o espírito dele ainda falava através de mim.

Com um suspiro rouco, ele disse, suas palavras um eco ancestral, um chamado da terra e do vento:

— Ina wede kari itxoko, inã zani iborai, kidanu birorotena. (Você é a força do rio, a firmeza da rocha, o rugido do trovão.)
— Kida witxa, kida wexi, kida ibẽ! (Ninguém te doma, ninguém te mata, ninguém te vence!)
— Ina wede kari edõ ibu marã, (você é o espírito da natureza, filha da mãe terra.)
— Kidaxã xerexi marã itõ i, ita itõ! (Morda as serpentes do mal, e lute sem parar!)
— Ikorẽ, inẽ ibotxoko, iborẽ itõ ibetxã. (Quando estiver forte, destrua todos que ousarem desafiar você.)
— Xe kiri, xe wadu, xe irẽ, kida irẽ. (Meu sangue, meu espírito, minha vida, agora são os seus.)
— Emi ire karawa edõ! (Siga, filha da terra, e que o mundo sinta sua força!)

As palavras dele ressoaram em meu peito, como um trovão rompendo o silêncio, ecoando nas profundezas da minha alma. Eu senti o poder de seus ancestrais correndo por minhas veias, um poder antigo e primitivo, que não poderia ser controlado. Mas antes que eu pudesse fazer mais, antes que pudesse honrar sua última vontade, algo impiedoso me arrancou de cima dele.

Meus cabelos foram puxados com uma força brutal, como se o próprio inferno estivesse me segurando. Meu corpo foi jogado para longe dele, os gritos de desespero e fúria misturados ao som de meus ossos estalando de dor. Mas eu não pude parar. A raiva que eu sentia, a injustiça que vi diante dos meus olhos, a morte de minha irmã, o sofrimento de minha mãe, tudo isso se transformou em um furor que me impulsionou. A fome de vingança era maior que tudo. Era maior que a dor, maior que o medo, maior que qualquer coisa.

INA WITXA! INA! (Ninguém me doma! Ninguém!)

Eu me debatia, a raiva me consumindo enquanto mordia o braço do homem que capturara meu pai. Mas ele não se importava. Ele riu, um riso baixo, maligno, como o de um espírito vingativo que se alimentava da nossa dor. Aquele som insuportável me fazia tremer, não apenas de medo, mas de uma revolta tão profunda que eu não sabia mais se ainda era humana.

Eu e Agnes fomos jogadas, como objetos, na caçamba da caminhonete, e o som das correntes rasgando o ar era como o prelúdio de um pesadelo ainda maior. Ali, entre a dor e o desespero, vimos o pior da humanidade. O pior da crueldade. O nosso pai, agora uma sombra de quem fora, preso e humilhado, sendo arrastado como um animal de carga, sua carne sendo arrancada, seu sangue escorrendo pelas pedras e barro da terra que ele amava.

Aqueles homens, aqueles monstros, haviam destruído tudo. Roubaram nossas vidas, queimaram nossos sonhos com um ódio tão profundo que até o fogo parecia envergonhado diante de tamanha maldade. As chamas lamberam as ruínas da nossa casa, a casa que um dia fora cheia de risos e esperanças. Minha mãe e Alicia queimaram junto com aquilo que nunca mais voltaria. E, com isso, morreu o último vestígio de nossa infância.

O que restou, então? A miséria. A crueldade. Eu e Agnes fomos levadas como escravas, jogadas para a família Teixeira, uma família que alimentava os garimpeiros do vilarejo, um lugar imerso em pobreza, seco, infernal.

Ali, a cada dia, o sofrimento se tornava mais profundo, mais insuportável. Nenhum dia trouxe paz, e as noites se tornaram ainda mais pesadas. Os pesadelos, essas sombras insuportáveis, me perseguiam, me lembravam da dor que não tinha fim. Eles estavam sempre ali, como fantasmas, sussurrando que minha luta era em vão. Mas a dor... A dor nunca me deixou esquecer.

Em uma noite dessas, quando o mundo parecia ter se calado, eu fiz um juramento, um juramento que queimava no fundo da minha alma, mais forte que qualquer fogo, mais poderoso que qualquer grito de dor:

Nuỹrĩ ibi ka-torã! – (Eu vou me vingar e nadarei no sangue deles.)

E foi isso que eu prometi a mim mesma. Em nome de cada um daqueles que amei, que perdi, eu não descansarei até ver cada um dos Teixeira de Rio Dourado pagar por tudo o que fizeram. A minha vingança será a minha redenção. Eles não escaparão. Eu não permitirei. Nem que eu tenha que me casar com o barqueiro do inferno ou tenha que beijar os lábios de satanás! Eu terei a minha vingança...

TREVOSAS, prestem bem atenção.

Se vocês esperam um livro onde haverá uma mocinha sofrida e indefesa, esqueçam. Esqueçam completamente.

Agatha não é vítima, nem salvadora. Ela é um nome que ecoará nas sombras, uma sobrevivente talhada no ódio e na fome de justiça. Esqueçam qualquer delicadeza, qualquer fraqueza. Ela é uma mulher forjada na brutalidade do agreste, onde a maldade humana finca suas raízes mais profundas.

Nos anos 70, na parte árida de Tocantins, onde as crenças são tão afiadas quanto as lâminas que cortam carne, Agatha pisa firme, deixando um rastro que não pode ser apagado. Seu corpo, sua mente e sua alma pertencem a um único propósito: sangue. E quem cruzar seu caminho descobrirá o verdadeiro significado do medo.

Este livro não é para corações fracos. As cenas são impactantes, cruas e dilacerantes. Se quiserem saber até onde essa estrada de sombras pode levar, terão que seguir os rastros.

Como prometi, alguns finais estarão aqui, no Wattpad, mas os mais pesados? Esses, apenas no canal. Quem quiser se aventurar ainda mais fundo, inscreva-se. Procurem minha editora e enviem as informações para serem adicionadas. O perfil dela estará nos meus avisos.

Sejam bem-vindas à escuridão.

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