Capítulo 20
"A música é capaz de reproduzir, em sua forma real, a dor que dilacera a alma e o sorriso que inebria."
- Ludwig van Beethoven
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Embora Philipe e eu tenhamos ficado todo o percurso em silêncio. Quando paramos esperando o trânsito andar, meu chefe conversou comigo coisas aleatórias, e outras nem tanto, incluindo sobre o concerto.
Paramos o carro diante das portas do teatro e o manobrista aceitou as chaves logo que saímos do carro. Philipe demorou para pegar os tickets e foi tempo suficiente para que eu pudesse olhar todas aquelas pessoas de classe média e alta entrando no teatro.
Meu chefe veio até mim abrindo um largo sorriso. Fiquei parada calculando mentalmente como deveria caminhar elegantemente com aquele salto até as escadas e me direcionar as portas de vidro do teatro.
Philipe caminhou ao meu lado, fiquei torcendo para ao menos ele me estender a mão ou oferecer seu braço para eu me apoiar, mas nada foi feito. Alguns homens bem vestidos pararam ao nosso lado, juntamente com mulheres elegantes e bonitas e cumprimentaram meu chefe. Se eu não tivesse acompanhada pelo Philipe, com certeza não seria apresentada a nenhum deles.
Subi três degraus admirando as estatuas de mármore que seguravam os pilares das portas, iluminada pelas luzes amarelas lado a lado, expondo os cartazes que anunciavam as apresentações daquela noite. Não observei muito os nomes das pessoas ali e segui subindo a escada assim que Philipe me alcançou deixando seus amigos para trás com suas mulheres e filhos.
Subimos as escadas junto do fluxo de espectadores e meu chefe seguiu comentando sobre as pessoas que havia encontrado na entrada - pessoas fluentes e de classe alta. Estava me sentindo sozinha demais ali com todos aqueles olhares sobre mim, e perdida demais entre todas aquelas pessoas.
Conforme entravámos no saguão do teatro, mais pessoas nos acompanhávamos e outras cumprimentavam Philipe, era óbvio o quanto as jovens solteiras abriam sorrisos ao ver meu chefe passar. Isso não me incomodava, mas os olhares condenadores sim.
- Está tudo bem? - Philipe perguntou ao tocar meu braço levemente.
- Sim, sim - respondi de relance. - Estou apenas um pouco perdida em meio a esse fluxo.
- Ah! Não se preocupe, logo passa, é só o tempo para o pessoal entrar e se acomodar. Vamos, é por aquele corredor. - Ele caminhou ao meu lado, me guiando entre as pessoas que seguiam na mesma direção que a nossa.
Subimos uma última escada onde o fluxo de pessoas diminuía. Entregamos os convites para um atendente em uma das enormes portas que nos levavam para o interior do teatro e fomos encaminhados pelo corredor central, coberto por carpete vermelho que se estendia desde a entrada até o início do palco.
Quase cai quando tropecei no vestido longo de uma mulher que estava sentada na primeira cadeira de umas das primeiras fileiras quando passamos para sentarmos no nosso lugar.
Nosso lugar foi bem privilegiado, não conseguia ver todo o teatro, mas dava pra ver metade dele - ao menos todo o palco e a galeria do lado esquerdo também.
Minha expressão deixava bem claro todo meu encantamento por aquele lugar. Era a primeira vez que estava em um teatro como aquele para ver uma orquestra sinfônica. Aquilo era espetacular. Consegui ver a movimentação dos espectadores que arrumavam seus lugares, a afinação da orquestra e os músicos ocupando seus lugares no palco.
- Contente? - Philipe sorriu, tocando levemente em meu braço.
- Demais! Muito obrigada por ter me feito esse convite. Isso aqui é incrível.
- Minha amiga foi muito gentil em me conceder lugares tão bons. Podemos ir nos bastidores depois, o que acha?
- Podemos? - Meus olhos brilharam como uma criança ganhando presente de natal.
- Claro! Vamos tentar isso no intervalo, talvez conseguimos.
Assenti com um brilho no olhar e um sorriso nos lábios. Philipe olhou para minha mão e a tomou junto com a sua entrelaçando meus dedos ao seu.
O que estava acontecendo?
O que significava aquilo?
Mudei bruscamente de postura, ficando tensa, muito tensa! Toda aquela aproximação me incomodava. Soltei minha mão levemente e virei meu pescoço para trás disfarçando todo aquele constrangimento olhando para as pessoas atrás de mim.
Um arrepio surgiu em minha nuca quando vi a pessoa que estava sentada uma cadeira de distância de mim. Meu coração estourou em uma pulsada, não podia ser. O que ele estava fazendo ali? Nossos olhares ficaram presos por alguns segundos. Queria fazer algo. Sorrir seria o adequado?
Edward exibiu um sorriso de canto. Mas não precisei fazer nada que não fosse voltar minha atenção para frente novamente. O aviso para o início da apresentação foi o alarme que precisava. Respirei fundo e sorri.
O homem ao meu lado sorriu também, retribuindo meu gesto. Mas eu sabia o motivo do meu sorriso. E tudo tinha a ver com a presença do Edward ali.
Se contenha, Luara
Você só precisa prestar atenção na apresentação!
O maestro Riccardo Muti subiu ao palco e todos aplaudiram, os músicos agradeceram a recepção calorosa dos aplausos e permaneceram em pé enquanto o nome Cristhian Davies D'Lewis era anunciado como um dos solistas daquela noite.
Meu Jesus Cristo!
Era ele! O mesmo Cristhian que eu conheci no barnes & coffee. Que nome chique ele possuía.
Ele era músico. Violinista, para ser mais exata.
Eu precisava tomar água, necessitava de algo para beber. Tinha muita coisa para raciocinar. E a presença do Edward ali... por que ele estava ali? Gostava de música clássica também?
Cristhian agradeceu os aplausos antes de se posicionar e aguardar o maestro conduzir o início do concerto.
Voltei a olhar para trás novamente, na expectativa de encontrar os olhos daquele indivíduo novamente. Mas não. Ele não estava mais lá. Vasculhei meus olhos o quanto que consegui nas pessoas atrás de mim, mas nenhum sinal dele. Eu não podia estar ficando louca.
Passei a mão pelo meu cabelo, somente na tentativa de me acalmar. Philipe notou minha inquietação e fixou seus olhos em mim.
- Está tudo bem?
Não, não está nada bem.
- Oh, claro. Por quê não estaria? - fingi um sorriso.
- Talvez por ficar espantada em saber que o Cristhian é um dos solistas dessa noite.
- Bem, eu fiquei surpresa, mas nem tanto. - dei de ombro. - Não conheço ele.
- Ah, okay.
- Eu só preciso ir ao banheiro. - passei a mão novamente pelo cabelo.
- Se for agora, vai perder a apresentação da primeira parte.
- Hã, eu preciso muito ir, não vou demorar.
Levantei rapidamente da cadeira onde estava sem ao menos ter escutado o que meu chefe disse por último. Caminhei pelo corredor lateral me direcionando para a porta. Perguntei para uma das atendentes que continuou na porta onde ficava o toalete mais perto dali. Ela me indicou por onde deveria seguir, e foi o que fiz. Desci a última escada que me levou para um saguão enorme onde havia várias pessoas aproveitando a bomboniere. Duas, na verdade.
Segui a placa que me indicou o toalete e entrei. Fitei meu reflexo no enorme espelho, me desligando totalmente das outras mulheres que retocavam suas maquiagens se vendo nos espelhos. Soltei o ar dos meus pulmões e lavei minhas mãos.
Aquele lugar era chique demais pra mim.
Consegui ficar mais calma. Olhei meu rosto pela última vez no espelho vendo se minha maquiagem ainda estava intacta.
- Você é a namorada do senhor Thomas Smith? - Uma voz "alfinetante" falou ao meu lado. Ergui minha cabeça para ver quem era. Uma jovem elegante e bonita. Ela continuou se vendo no espelho retocando seu batom vermelho nos lábios carnudos. Ela era totalmente desconhecida por mim. Nunca tinha a visto na minha vida.
- Não conheço nenhum senhor por esse nome, acho que você está me confundindo com alguém. - Voltei a me olhar no espelho. Com certeza ela deveria estar me confundindo com alguém, mas seria difícil já que eu não era conhecida ali.
- Claro que conhece! - Olhei para ela através do espelho e a moça sorriu, nada amigável.
- Quem é você?
- Pensei que saberia. - Ela guardou seu batom na carteira azul que combinava muito bem com o seu vestido azul turquesa e se voltou para mim. - Me chamo Elizabeth, -
Ela estendeu a mão para me cumprimentar. Retribuí seu gesto em silêncio.
Seja educada, Luara
- Pensei que conhecesse o Philipe pelo sobrenome também.
O quê?
Ela estava falando do mesmo Phlipe que estava me acompanhando naquela noite? Quantas pessoas ele conhecia? Ou melhor, as mulheres o conheciam.
Também não sabia qual era o sobrenome dele, aquilo me ajudaria em algo?
- Não. Não sabia qual era o sobrenome dele.
- Ah sim, compreendo. - Elizabeth se esticou em frente ao espelho que refletia todo o corpo, passando a mão pelo vestido sobre suas curvas. Ela era muito bonita. O cabelo preto estava semi preso, deixando mais aparente seus ombros, e o que chamava mais atenção - atenção dos homens - eram as marquinhas de biquini que estavam expostas demais, já que seu vestido tinha o formato tomara que cai.
Fiquei em silencio e caminhei me direcionando a porta.
- Mas, você ainda não respondeu minha pergunta. Você é a namorada dele? - A ouvi perguntar.
- Não! Claro que não!
- Ah, sim. Qual é o seu nome?
Fingir uma falsa identidade me ajudaria nesse momento?
- Luara.
Saí imediatamente do toalete, completamente perdida. O Philipe poderia estar me esperando. O saguão se enchia de pessoas, possivelmente tinha dado os minutos de intervalo. Difícil seria encontrar o caminho de volta com todas aquelas pessoas descendo as escadarias para o saguão.
Meu Deus! Eu estava ficando perdida novamente no meio daquelas pessoas.
Subi a escadaria novamente. Tropecei em alguns degraus, mas cheguei viva no fim.
Olhei ao meu redor procurando pelo meu chefe. Avistei ele próximo à porta. Uma salvação! Ele me viu e caminhou até mim.
- Estava ficando preocupado. Aconteceu alguma coisa?
- Não, acabei me perdendo, mas já está tudo bem.
- Você perdeu toda a apresentação.
- Não tem problema. - Suspirei.
- Tudo bem... - Ele me analisou. - Vai querer ver os bastidores? Acho que consigo as credenciais rápido, espera só uns minutos, você pode esperar no saguão se quiser, assim não vai se sentir só, vou só conseguir as credenciais e já volto, tudo bem?
Abri a boca para respondê-lo, mas não tive tempo, pois em fração de segundo alguém passou em minha frente se jogando nos braços do meu chefe oferecendo um abraço caloroso e exibido.
Elizabeth.
A mesma mulher que encontrei minutos antes no banheiro. Bem, se ela até sabia o sobrenome do meu chefe, não era de espanto para mim toda aquela cerimônia.
Aquilo estava ficando cada vez pior.
- Philipe! - Ela desgrudou dos braços dele e ficou ao lado do meu chefe, de frente para mim.
- Elís! Pensei até que não viria mais.
- Ha ha, jamais! Se tive que conseguir acentos privilegiados para você, teria que me esforçar para vir também, só cheguei um pouco atrasada.
Oh! Então ela tinha a ver com nossos ingressos. Mas meu chefe disse que tinha sido um amigo dele, talvez ele não mentiu pois era visível o tanto de pessoas que ele conhecia.
- Ah! Luara. - Meu chefe olhou para mim. - Essa é a Elizabeth, uma amiga.
- Nós já nos conhecemos! - Elizabeth o interrompeu. - Aliás, foi um enorme prazer pra mim.
Não sabia se acreditaria de verdade nas palavras dela. Algo não estava me cheirando bem.
- Sério? Que bom então. - Phlipe sorriu. - Bem, eu vou tentar conseguir as credenciais para os bastidores, aproveitar esse intervalo para levar a Luara para conhecer, poderia fazer companhia a ela enquanto eu me ausento?
- Claro!
- Não deixe ela se perder...
Desde quando ele estava tão atencioso comigo daquele jeito?
- Você estará em boas mãos. - Ele falou em direção a mim e saiu de nossas vistas.
- Vem... Vamos para o saguão, é melhor para ficarmos esperando em alguma bomboniere. - Ela se voltou em direção a escada novamente e eu a segui, ao menos estava sem a companhia do meu chefe, mas em compensação não saberia se acompanhada pela Elizabeth teria a paz que queria.
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