38
Deitado em sua cama, estava Lian com os olhos presos no teto, imaginando como sua vida teria sido diferente se ele não tivesse tido o pai que teve, se não tivesse feito as escolhas que fez. Com certeza ele seria um homem bom, um marido excelente, e mais importante teria sido um pai melhor. Mas não foi, porque as circunstâncias não permitiram que isso acontecesse, elas contribuíram para que o jovem policial se tornasse uma pessoa fria e conturbada. E se sua mãe estivesse viva agora provavelmente estaria decepcionada com o tipo de homem que ele se tornou.
Ele se esforçava para se levantar da cama, para jogar um pouco de água fria no rosto. Os dias pareciam intermináveis, e o tic tac do relógio parecia um bomba em sua cabeça, contando os minutos para explodir os seus miolos. Havia vozes gritando o tempo dizendo que ele era fraco, que não iria ter nada em sua vida, porque todas as coisas que teve, ele perdeu por pura arrogância e descuido. Ele sabia que jamais seria um homem feliz.
Mas mesmo com tudo contribuindo para o fim da sua sanidade, ele se levantou da cama, pegou o carro e dirigiu até um lugar onde jamais imaginou que iria.
-- Que surpresa - Disse o homem do outro lado da cela, desafiando Lian com um olhar inexpressivo.
-- Eu poderia te matar aqui e agora - Lian rebateu a ironia do velho com toda a raiva do mundo.
-- E porque não faz, não veio aqui para me desejar os parabéns ou veio? - O homem soltou confiante.
-- Você é a única pessoa que me faz sentir raiva, mas que eu não tenho coragem de matar
-- Não se mata uma pessoa que é igual a você - O homem sorriu, avaliando a postura vulnerável de Lian - Por acaso já se olhou no espelho.
-- Eu não sou igual a você - Lian soltou entre os dentes, esmurrando a grade, e sentindo seu punho vibrar de dor depois.
-- Ah, você é sim, não é à toa que é o meu filho.
Essa única palavra foi capaz de liberar uma série de lembranças ruins na cabeça de Lian.
-- Você é o grande culpado de tudo isso - Ele falou irado, mas não pôde conter as lágrimas que escorriam deliberadamente do seus olhos
-- Não é culpa minha você não conseguir resolver os seus próprios problemas, ah quanta irresponsabilidade, que tipo de homem você é?
-- Você matou a minha mãe - Lian gritou em meio às lágrimas, enquanto se manteve apático e calado - Você destruiu a minha vida, eu era apenas um garoto e depois disso eu nunca mais consegui me recuperar daquilo, se hoje eu sou um fracasso como homem, foi porque você contribuiu para que eu me tornasse assim...
-- Não espere que eu me ajoelhe e implore pelo o seu perdão, já estou pagando pelo o que fiz, e sei o que eu fiz, mas e você, sabe? já pagou pelos seus crimes? O que veio fazer aqui, descarregar todo o seu ódio em cima de mim, já se passou muito tempo, e ainda vejo aquele garoto medroso, um inútil que vivia embaixo da mesa se escondendo, tá mais do que na hora de você crescer, meu filho e deixar essa parte da sua vida pra trás.
Lian olhou nos olhos do pai e em seguida se afastou. Por que se deu conta de que tudo aquilo que ele havia dito, era verdade. Ele baseou sua vida toda em um único momento, e a partir daí passou a viver e se comportar de maneira passiva. Assistiu sua vida desmoronar e não fez absolutamente nada pra mudar. Se comportou a vida inteira como um garotinho medroso.
-- Espero que apodreça aqui, e que as piores coisas te aconteçam - Soltou para o pai as palavras que guardou a vida inteira pois nunca teve coragem de confronta-lo.
-- Obrigado.
-- Você matou a minha mãe a sangue frio, e nem a morte mais dolorosa que você sofrer vai ser o suficiente.
Dessa vez seu pai não rebateu, apenas abriu um sorriso maquiavélico e levantou a mão em um breve aceno.
Lian saiu dali se sentindo um fracassado, por não conseguir enfrentar um dos seus piores monstros, do qual ele vem lutando para destruir. Ele se sentia um fraco diante do pai, incapaz de levantar um braço para ele, aquele homem que o diminuiu a vida inteira continuava a fazer isso inconscientemente, mesmo atrás das grades.
Quando chegou em casa, descontou toda a sua frustração nos seus móveis e objetos, quebrando tudo que o via pela frente e berrando enfurecido afim de canalizar toda aquela ira que estava o consumindo por dentro. Depois que terminou, se sentou no sofá e enterrou o rosto nas mãos sentindo a sua respiração falhar e o seu corpo tremer.
Ele olhou em volta e viu a bagunça que havia feito, reflexo da bagunça que ele era por dentro. E depois que todo aquele sentimento passou, ele voltou tentando arrumar o estrago, não percebendo que havia cinco ligações perdidas em seu celular.
Ele ouviu a mensagem da caixa postal que dizia o seguinte:
(Soube que veio me procurar, e deixou seu número na minha porta então eu retornei, me ligue assim que receber essa mensagem)
Lian se esforçou um pouco para lembrar, porque havia um turbilhão de outros pensamentos, atrapalhando o seu raciocínio.
... Bom, eu estou em casa, já que sabe onde é o meu endereço.
Era uma suposta voz feminina na mensagem, e isso deixou Lian ainda mais confuso.
Depois de alguns minutos, ele se recordou de quem se tratava.
Tomou algumas cervejas que estavam na geladeira, pegou as chaves do carro e depois caminhou até a porta um pouco zonzo.
Ele olhou para a casa da frente uma última vez, esperando que Sarah aparecesse na janela com sua filha pois ele estava morrendo de saudade das duas. Mas depois de esperar alguns minutos e não notar nenhuma movimentação, ele se cansou e entrou em seu carro, partindo logo dali.
Durante o trajeto ele ficou pensando em como era estranho Sarah não ter aparecido na janela, assim como também não viu mais ela na rua, nem levando Kevin para escola. Lian também se recorda de algumas vezes, ter visto o garoto indo sozinho para a escola. E imaginou que pelo fato da escola ser perto, Sarah talvez tivesse permitido que ele fosse só.
Mas era estranho. Havia um silêncio suspeito justo no dia que Lian sairá para investigar os tais telefonemas . Nem sequer o choro de sua filha matinal fora ouvido naquela manhã fria com nuvens cinzentas no céu. Porém ele estava focado demais para perceber que tinha alguma coisa errada acontecendo.
Ele chegou no endereço lembrado, e foi recebido por uma velha mulher de cabelos grisalhos e olhar profundo.
-- Boa tarde, eu sou o polícia Lian Gordon - Ele se apresentou com o seu velho amigo do peito, o distintivo..
-- Ah sim, entre por favor - A mulher se afastou da porta.
-- Obrigado - Lian passou por ela, e logo se deparou com um ambiente incomum cheio de velas, caveiras e outros objetos sinistros.
Ele se sentou e encarou a mulher seriamente, mas antes de começar a falar ela tocou o seu rosto.
-- Vejo quanta raiva você guarda dentro de você, ela está te consumindo, te matando aos poucos.
-- Não vim aqui pra falar sobre mim - Lian se desviou da mulher e meteu a mão no bolso, pegando uma foto, depois voltou-se pra ela - Conhece essa mulher? Ele mostrou pra ela que não se surpreendeu.
-- Sim, essa é a Marjorie - Ela disse com uma expressão de pena e raiva em seu rosto.
Por um instante, Lian se animou por finalmente encontrar resposta.
-- Então você deve saber o que aconteceu de fato com ela.
-- Sim - A velha disse pensativa.
-- Pode me explicar do início?
A velha se sentou na cadeira e olhou para Lian.
-- Ela era uma garota meiga, inteligente e gentil, sua mãe e eu éramos amigas de muito tempo, então ela sempre vinha me visitar - A mulher começou a contar com um olhar perdido.
Enquanto Lian a observava atentamente.
-- Até que um dia ela apareceu grávida aqui em casa, e bastante assustada, dizendo que sua mãe havia expulsado de casa, e perguntou se poderia morar comigo, eu recusei, até porque aqui era um espaço desajustado para se criar uma criança, mas ofereci uma de minhas cabanas na floresta para ela morar até encontrar outro lugar... eu a ajudava no que podia, com alimentos, roupas para ela se agasalhar durante os dias de frio.
-- O que deu errado?
-- Resolvi procurar a sua mãe para conversar, e ela disse que nem sabia que sua estava grávida e muito menos teria expulsado ela se soubesse, que um dia, ela simplesmente saiu com o namorado e nunca mais voltou... quando o menino nasceu, marjorie começou a se comportar de maneira estranha, quase sempre estava agitada, com medo, e quase nunca estava sóbria, vivia ingerindo uma quantidade exagerada de remédios para dormir e aquilo me preocupava, de princípio pensei que fosse pela frustração de ser mãe, afinal de contas, ela era só uma menina. Mas depois que eu mesma tive a chance de conviver com ela, percebi que na verdade o motivo era simplesmente a criança.
Lian sorriu incrédulo.
-- Sério, você acha que uma criança fez isso com ela?
-- Não a criança, mas o espírito maligno que habita dentro dela, nunca senti nada tão sombrio antes.
Lian continuou zombando da história absurda que a mulher havia inventado. E considerando que a sua casa estava cheia de parafernalha, ficava cada vez mais difícil de acreditar.
-- A senhora vai me desculpar, mas eu não acredito em você, eu estava naquela casa, vi coisas terríveis ali, aquela mulher maltratava muito aquela criança...
-- Sim, mas Marjorie não era mais a Marjorie de antes desde que teve essa criança, e depois do que ela me contou...
-- E o que ela te contou?
-- Que o seu namorado fazia parte de uma seita, na qual ela foi oferecida para gerar o fruto do mal semeado ali, marjorie foi escolhida para ter o filho do ...
Lian Interrompeu a mulher com uma risada.
-- Está me dizendo que Kevin é o fruto da relação da mãe dele com o demônio?
-- Não ria disso
-- Olha, eu não vou escutar isso -
Lian levantou-se.
-- Você nunca escuta, é sempre teimoso, não mudou nada desde que tinha oito anos.
Lian se virou e encarou a mulher, assustado.
-- Eu não te enxergo como homem, te enxergo como um garotinho medroso e assustado.
As lágrimas vieram sem aviso e molharam os olhos de Lian sem ele entender.
-- O único garoto que você deveria sentir pena e desse que você prende dentro de você, precisa deixá-lo ir pra viver em paz, menino, deixa o passado aonde ele está.
-- Não sabe porra de nada sobre mim.
-- Eu sei de muitas coisas, e sei o que está pensando em fazer, mas não sei se vai conseguir chegar a tempo de dizer isso a ela.
-- Por que diz isso?
-- Porque ao anoitecer as chamas terão consumido tudo.
Lian pensou que aquela poderia ser mais uma das paranóias daquela mulher, mas ele assimilou as palavras dela com o pressentimento que estava sentindo desde de cedo, e resolveu acreditar nela dessa vez, até porque ele nunca se abriu com ninguém sobre sua vida, e aquela mulher parecia conhecê-lo muito bem, sabia até sobre os seus sentimentos mais profundos.
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