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Road Movie

A felicidade é uma bolha de sabão que muda de cor como a íris e que estoura quando tocada. 

– Balzac 

— Liam, abra, sou eu! 

Enfaixado em seu uniforme, Niall batia à porta com a força e a autoridade que a lei lhe conferia. 

PACIFIC PALISADES 

UMA CASINHA DE DOIS ANDARES 

ENVOLTA NA NEBLINA DA MANHà

— Vou logo avisando: aqui quem fala é o policial, não o amigo. Em nome da lei do estado da Califórnia, ordeno que me deixe entrar. 

— Estou me lixando para a lei da Califórnia – resmungou Liam, entreabrindo a porta. 

— Muito útil, realmente! – Horan o repreendeu, seguindo-o para dentro da casa. 

Ele estava de cueca e com uma velha camiseta do Space Invaders. Estava pálido, com olheiras e desgrenhado. Tatuados em ambos os braços, os signos cabalísticos da Mara Salvatrucha reluziam como uma chama doentia. 

— Não são nem sete horas da manhã, eu estava na cama e não estou sozinho.

Sobre a mesa de vidro da sala, Niall percebeu o cadáver de uma garrafa de vodca barata, bem como uma embalagem de maconha quase vazia. 

— Achei que você tivesse parado com isso. 

— Pois é, não parei, como você pode ver. Minha vida está à deriva, eu arruinei a vida do meu melhor amigo e não tenho forças para ajudá-lo quando ele tem problemas, então, sim, eu tomei um porre, fumei três ou quatro baseados...

—... e está acompanhado. 

— É isso aí, assunto meu, deu pra entender? 

— Quem é? Sabrina? Vicky? 

— Não, duas putas de cinquenta dólares que peguei na Creek Avenue. Satisfeito com a explicação? 

Pego desprevenido, ele pareceu sem graça, incapaz de saber se ele dizia a verdade ou se decidirá provocá-lo. 

Bocejando, Liam ligou a máquina de café e inseriu uma cápsula. 

— Estou esperando, Niall. Acho bom você ter um bom motivo para me acordar de madrugada. 

O jovem policial hesitou um pouco antes de ser recobrar. 

— Ontem à noite deixei as coordenadas do Bugatti na delegacia, pedindo que me avisassem se surgisse alguma novidade, e adivinhe o que aconteceu? Acabam de encontrar seu carro num bosque perto de San Diego.

O rosto de Liam se iluminou. 

— E o Harry? 

— Nenhuma notícia. O Bugatti foi abordado por excesso de velocidade, mas o motorista se recusou a parar. 

— O motorista? 

— Segundo o policial da região, não era o Harry quem estava dirigindo ao volante, mas um garoto. De qualquer forma, o boletim declara a presença de um passageiro do sexo masculino. 

Niall prestou atenção no banheiro. Ao barulho do chuveiro acrescentara-se o de um secador. Havia mesmo duas pessoas ali...

— Perto de San Diego, é isso? 

Niall consultou o boletim. 

— É, num descampado perto de Rancho Santa Fe. 

Liam coçou a cabeça, espalhando um pouco mais de caspa no cabelo espetado. 

— Acho que vou até lá no carro que aluguel. Enquanto espaireço, pode ser que eu descubra alguma coisa que me coloque na pista do Harry. 

— Vou com você! – Niall decidiu. 

— Não vale a pena. 

— Não estou pedindo a sua opinião. Eu vou, querendo você ou não. 

— E o seu trabalho? 

— Não tiro folga faz séculos! Além disso, é melhor que sejam dois a investigar. 

— Tenho medo que ele faça besteira – confessou Liam, com os olhos voltados para o nada. 

— E você, não está fazendo uma besteira? – o loiro lhe perguntou duramente. 

A porta do banheiro se abriu e duas latinas saíram tagarelando. Uma delas seminua, com uma toalha enrolada no cabelo, a outra usando um roupão. 

Ao vê-las, Niall sentiu náuseas – aquelas duas garotas pareciam com ele. Mais vulgares, mais acabadas, mas uma tinha seus olhos claros, e a outra, a mesma estatura alta e a covinha. Eram o que ele podia ter sido se não tivesse escapado de MacArthur Park. 

Ele disfarçou o choque, mas Liam percebeu. 

Ele se escondeu de vergonha, mas Niall não deixou de notar. 

— Então vou dar uma passada na delegacia para comunicar minha ausência. – terminou por dizer, quebrando um silêncio que se tornara opressivo. — E você, tome uma ducha, despache suas amigas e encontre comigo em uma hora, entendido? 

* * * 

PENÍNSULA DA BAIXA CALIFÓRNIA, MÉXICO 

OITO HORAS DA MANHà

Abri um olho trêmulo. A estrada seca refletia o sol ofuscante, que espetava seus raios matinais no para-brisa, coberto de pingos de chuva. 

Envolto em um cobertor felpudo, com os músculos dormentes e o nariz congestionado, emergiu do sono encolhido no banco do passageiro no Fiat 500. 

— Dormiu bem? – perguntou Tommo. 

Eu me endireitei fazendo careta, quase imobilizado por um torcicolo. 

— Onde estamos? 

— Numa estrada deserta, entre nada e lugar nenhum. 

— Você dirigiu a noite toda. 

Ele concordou bem-humorado, enquanto eu observava pelo retrovisor minha cara amassada pelos socos de véspera. 

— Ficou bom assim – ele disse, sério. — Eu não gostava muito do seu jeito de adolescente mauricinho, dava vontade de dar uns tapas mesmo. 

— Você tem mesmo talento para distorcer elogios. 

Olhei através do vidro: a paisagem havia se tornado selvagem. Estreita e esburacada, a estrada atravessava paisagens montanhosas desérticas de onde emergiam alguns esparsos vegetais: cactos pedregosos, agaves com folhas carnudas, arbustos cheios de espinhos. O tráfego fluía bem, mas o acostamento estreito tornava perigoso qualquer encontro com um ônibus ou caminhão. 

— Vamos revezar para você dormir um pouco. 

— Vou parar no próximo posto. 

Mas os postos de combustível eram raros e nem todos estavam abertos. Até encontrar um, passamos por diversos lugarejos solitários que lembravam aldeias fantasmas. Foi na saída de um deles que cruzamos com um Covette laranja parado na beira da estrada, com o pisca-pisca ligado. Recostado no capô e pedindo carona, um jovem – que teria causado furor em um anúncio de desodorante – segurava um pequeno cartaz: out of gas.* 

(Sem gasolina)**

— Vamos dar uma mãozinha? – sugeriu Tommo. 

— Não, parece o golpe clássico, a pessoa finge uma pane seca para depenar os turistas. 

— Você está querendo dizer que os mexicanos são ladrões? 

— Não, estou querendo dizer que essa sua mania de querer confraternizar com todos os galãs do país ainda vai nos criar problemas. 

— Bem que você ficou contente quando nos deram carona! 

— Ouça, está claro como água: esse cara vai roubar nosso dinheiro e nosso carro! Se é o que você quer que aconteça, pare, mas não peça a minha bênção. 

Felizmente, ele não se arriscou e nós seguimos adiante. 

Depois de reabastecer o tanque, fizemos uma parada em uma mercearia familiar. Atrás de uma vitrine comprida e antiga, havia disposta uma sumária seleção de frutas frescas, laticínios e doces. Compramos o suficiente para matar a fome e improvisados um piquenique alguns quilômetros adiante, ao pé de uma arvore-de-josué. 

Bebericando um café muito quente, observei Tommo com certo fascínio. Sentado sobre um cobertor, ele devorava vorazmente polvornes com canela e churros cobertos de açúcar cristal. 

— Delicioso! Você não vai comer nada? 

— Há um ponto que não abre – respondi, pensativo. — Em meus romances você tem apetite de passarinho, mas agora percebo que engole tudo que aparece pela frente...

Ele refletiu por um momento, como se também tomasse consciência de alguma coisa, depois terminou por me confessar: 

— É por causa da vida real. 

— Da vida real? 

— Sou um personagem de romance, Harry. Pertenço ao mundo da ficção e não me sinto em casa na vida real. 

— E o que isso tem a ver com seu apetite voraz? 

— Na vida real, tudo tem mais gosto e mais carne. E isso não se limita à comida. O ar tem mais oxigênio, paisagens abundam em cores que podem nos fascinar a todo momento. O mundo da ficção é tão monótono...

— O mundo da ficção é monótono? Engraçado, eu sempre pensei o contrário! A maioria das pessoas lê romances justamente para fugir da realidade. 

Ele me respondeu com a maior seriedade do mundo: 

— Você pode ser muito bom para contar uma história, para narrar emoções, sofrimento ou anseios do coração, mas não sabe descrever o dilúvio da vida, os sabores. 

— Isso não é muito lisonjeiro da sua parte – eu disse, entendo o que ele fazia referência às minhas deficiências como escritor. — A que sabores precisamente você se refere? 

Ele procurou exemplos ao seu redor. 

— O sabor dessa fruta, por exemplo – disse, cortando um pedaço de manga que tínhamos acabado de comprar.

— O que mais? 

Ele ergueu o rosto e fechou os olhos, como se oferecesse sua linda face à brisa da aurora. 

— Ora, o que sentimos quando o vento toca nosso rosto...

— Está bem. 

Fiz cara de cético, mas eu sabia que ele não estava completamente errada: eu era incapaz de captar a maravilha do instante. Ela me era inacessível. Eu não sabia colhê-la, não sabia usufruir dela, não podendo, portanto, compartilhá-la com meus leitores. 

— Ou então – ele continuou, abrindo os olhos e apontando para o céu — o espetáculo daquela nuvem rosada se esgarçando atrás da colina. 

Ele se levantou e prosseguiu com entusiasmo: 

— Em seus romances, você escreve: “Tommo comeu uma manga de sobremesa”, mas nunca se dá ao trabalho de discorrer sobre o sabor da manga. 

Delicadamente, ele pôs um suculento pedaço da fruta em minha boca. 

— E como é? 

Irritado, ainda assim entrei na brincadeira, tentando descrever a fruta com a maior precisão possível: 

— Está bem madura, pronta para comer. 

— Você pode fazer melhor. 

— A polpa é doce, derrete na boca, é saborosa e perfumadíssima...

Vi que ele sorria. Continuei: 

— ... dourada, recheada de sol. 

— Ei, não exagere, senão fica parecendo grito de feirante!

— Você nunca está satisfeito! 

Ele dobrou a toalha e voltou para o carro. 

— Você entendeu o princípio – desafiou. — Portanto, trate de se lembrar disso quando escrever seu próximo livro. Me faça viver em um universo de cores e carne, onde as frutas têm gosto de frutas, não de papelão! 

* * * 

SAN DIEGO FREEWAY 

— Nós estamos congelando, você não vai fechar essa porcaria de janela? 

Niall e Liam estavam na estrada havia uma hora. Sintonizados numa rádio de notícias, fingiam estar concentrados em um debate político local para evitar assuntos que aborrecem. 

— Quando você me pede algo de forma tão delicada, tenho prazer em servi-lo – ele observou, subindo o vidro. 

— Por que agora você cismou com meu jeito de falar? 

— Pois é, eu cismo com essa sua grosseira gratuita. 

— Desculpe, não sou um homem letrado. Não escrevo romances! 

Niall olhou para Liam, pasmo. 

— Calma lá, o que você quer dizer com isso? 

Liam fechou a cara e aumentou o volume do rádio, como se não tivesse a intenção de responder, antes de voltar atrás, cutucando a ferida de maneira maliciosa: 

— Você já teve alguma coisa com o Harry? 

— O quê?! 

— Não minta, você sempre foi secretamente apaixonado por ele, não é? 

Niall estava perplexo. 

— Você acha isso? 

— Acho que durante todos esses anos você só espera uma coisa: que ele finalmente te veja como um homem e não como o melhor amigo de plantão. 

— Você realmente precisa parar de fumar e beber, Liam. Quando começa com essas besteiras, tenho vontade de...

— De quê? 

Ele balançou a cabeça. 

— Não sei... de arrancar sua pele para te fazer morrer lentamente antes de te clonar em dez mil exemplares, para poder manter cada um dos seus clones com as minhas próprias mãos, fazendo-os sofrer da maneira mais atr... 

— Está bem. – Liam o interrompeu. — Acho que já saquei o espírito da coisa. 

* * * 

MÉXICO

Apesar do ritmo de lesma do nosso carro, os quilômetros começavam a se acumular. Já havíamos passado por San Ignacio e, como quem não quer nada, nosso pontinho de iogurte ia aguentando o tranco. 

Pela primeira vez em muito tempo, eu me sentia bem. Amava aquela paisagem, amava aquelas lojas sem letreiro e as carrocerias abandonadas que nos davam a impressão de viajar pela mítica Rota 66. 

O melhor de tudo: eu descobrira, no saldão de um raros postos de estrada, duas fitas cassetes por noventa e nove centavos. A primeira era uma gravação pirata de três concertos de Mozart por Martha Argerich. Um bom começo para iniciar Tommo nas alegrias da “música de verdade”. 

Nosso progresso, no entanto, foi prejudicado no início da tarde, quando avançávamos por uma região completamente selvagem, sem barreiras nem cercas. Em plena digestão, um imenso rebanho de carneiros resolvera parar bem no meio da estrada para colocar o papo em dia. Estávamos próximos a diversas fazendas e ranchos, mas ninguém parecia se preocupar em tirar os animais da pista. 

Nada funcionou: nem as buzinas prolongadas nem as gesticulações de Tommo para expulsar os ruminantes do assentamento. Obrigado a administrar sua paciência, ele acendeu um cigarro, enquanto eu contava o dinheiro que nos restava. Uma fotografia de Aurore escapou de minha carteira e Tommo se liderou dela antes que eu me desse conta. 

— Passe já para cá! 

— Espere, me deixe ver! Foi você quem tirou? 

Era uma simples fotografia em preto e branco que transmitia certa inocência. De calcinha e camisa masculina, Aurore sorria para mim na praia de Malibu, tendo nos olhos uma chama que eu julgara ser a de amor. 

— Francamente, o que foi que você viu nessa pianista? 

— Como assim, o que eu vi? 

— Tudo bem, ela é bonita. Quer dizer, para quem gosta do tipo “mulher perfeita com corpo de modelo e irresistivelmente charmosa”. Mas, fora isso, o que é que ela tem? 

— Acho bom você parar com isso. Você está apaixonado por um grande idiota, então não me venha com lições. 

— É o lado cultura que excita você? 

— Sim, a Aurore é culta. E o azar é seu se isso não significa nada para você. Porque eu fui criado num bairro de merda. Era uma barulheira o tempo todo: gritos, palavrões, ameaças, tiros. Não havia um livro além do TV Guide e eu nunca ouvi Chopin ou Beethoven. Portanto, sim, eu tinha prazer em conviver com uma parisiense que falava de Schopenhauer e Mozart, em vez de falar de bunda, drogas, rap, tatuagens e unhas postiças! 

Tommo balançou a cabeça. 

— Boa resposta, mas a Aurore também te agradava porque era bonita. Não tenho certeza se com cinquenta quilos a mais ele teria abalado tanto você, mesmo com Mozart e Chopin...

— Bom, agora chega. Siga em frente. 

— Seguir em frente como? Se você acha que a sua lata-velha vai resistir a um choque com um carneiro...

Ele deu uma tragada  o Dunhill, antes de continuar com sua crueldade: 

— A falação de vocês sobre Schopenhauer era antes ou depois da trepada? 

Fitei-o estarrecido. 

— Se eu fizesse esse tipo de observação, já teria levado uma bofetada...

— Ora, deixa isso, é brincadeirinha. Eu gosto quando você fica vermelho de vergonha. 

E pensar que fui eu que criei essa garoto...

* * * 

MALIBU 

Como acontecia toda semana, Tereza Rodriguez foi à casa de Harry para fazer a faxina. Naqueles últimos tempos, o escritor não queria ser importunado e prendia com durex um bilhete na porta para dispensá-la, mas nunca se esquecera de anexar um envelope contendo o pagamento integral por seus serviços. Naquele dia, não havia bilhete. 

Melhor assim. 

A velha detestava receber sem fazer nada e, sobretudo, se preocupava com Harry, que conhecera ainda criança em MacArthur Park. 

Antigamente, os três cômodos de Tereza ficavam no mesmo andar do apartamento da mãe de Harry e eram vizinhos ao da família de Niall Horan. Como Tereza morava sozinha desde a morte do marido, o menino e a amiga haviam adquirido o hábito de fazer os deveres na casa dela. É importante dizer que o ambiente ali era calmo comparado ao de respectivos lares: de um lado, uma mãe ladra e neurótica que colecionava amantes e destruía casamentos; do outro, um padrasto tirânico que não poupava insultos à família. 

Tereza abriu a porta com o seu molho de chaves e ficou estarrecida diante da baderna que reinava na casa. Em seguida, tomou coragem e começou a arrumação. Passou o aspirador e o pano de chão, pôs a lava-louça para funcionar, passou uma pilha de roupas e limpou as consequências do tsunami que devastara o terraço. 

Já eram quase três horas quando foi embora, após ter separado o lixo e jogado os sacos nas caçambas de plástico próprias para tal. 

* * * 

Eram pouco mais de cinco da tarde quando o serviço de limpeza urbana passou para esvaziar os contêineres dos moradores de Malibu Colony. 

Ao pegar um dos volumosos sacos de lixo, Shawn Mendes – um dos garis de serviço naquela noite – notou que havia ali um exemplar quase novo do segundo volume da Trilogia do anjos. Separou-o e esperou o fim da coleta para examiná-lo melhor. 

Uau! E ainda por cima uma bela edição! Formato grande, com uma capa gótica magnífica e uma série de belas aquarelas

Sua mulher havia lido o primeiro volume e aguardava impaciente o lançamento do segundo em formato de bolso. Ia adorar aquele achado. 

Quando chegou em casa, Demi literalmente se atirou sobre o livro. Começou a literatura na cozinha, virando febrilmente as páginas a ponto de se esquecer de tirar a tempo o gratinado do forno. Mais tarde, na cama, continuou a engatar os capítulos com tamanho frenesi que Shawn compreendeu que seria uma noite sem carinho e que dormiria de costas para ela. Entregou-se ao sono de mau humor, furioso por ter ele mesmo provocado a própria desgraça ao trazer para casa aquele livro maldito que o privava ao mesmo tempo do jantar e do lanche conjugal. Embarcou lentamente, encontrando consolo nos braços de Morfeu, que lhe ofereceu um sonho agradável, no qual os Dogers, seu time de coração, ganhava o campeonato de beisebol dando uma lavada memorável nos Yankees. Mendes estava tão no auge da euforia quando um grito o despertou em sobressalto. 

— Shawn! 

Ele abriu os olhos, em pânico. Ao seu lado, sua mulher bradava: 

— Você não tem o direito de fazer isso comigo! 

— Fazer o quê? 

— O livro acaba no meio da página 266! – reclamou. — O resto está em branco! 

— Mas eu não tenho nada haver com isso! 

— Tenho certeza que você fez de propósito. 

— Claro que não, caramba. Por que você está dizendo isso? 

— Quero ler a continuação! 

Mendes pôs os óculos e deu uma olhada no despertador. 

— Mas, baby, são duas da manhã! Onde você quer que eu arranje a continuação? 

— O 24 Market fica aberto a noite toda... Por favor, Shawn, vá até lá e compre um exemplar novo. O segundo volume é ainda melhor que o primeiro. 

Shawn Mendes suspirou. Ele havia se casado com Demi trinta anos antes para o bem e para o mal. Naquela noite, era para o mal, mas ele aceitava. No fim das contas, ele próprio também era uma pessoa difícil de conviver. 

Levantou o velho esqueleto ainda sonolento, vestiu uma calça jeans e um grosso suéter e desceu para pegar o carro na garagem. Ao chegar ao 24 Market da Purple Street, jogou o exemplar com defeito numa caçamba de lixo. 

Livro idiota! 

* * * 

MÉXICO

Estávamos quase lá. Segundo as placas de sinalização, faltavam menos de cinquenta quilômetros para alcançarmos Cabo San Lucas, nosso destino. 

— É o último tanque. – constatou Tommo, parando diante da bomba a julgar pelo crachá em sua camiseta. — já se mexia para encher nosso tanque e lavar o para-bisa. 

Anoitecia. Tommo franziu os olhos tentando ler, através do vidro, uma placa de madeira em forma de cacto que listava as especialidades da lanchonete. 

— Estou morrendo de fome. Quer comer alguma coisa? Com certeza eles têm umas coisas supergordurosas e supergostosas lá dentro. 

— Você vai acabar tendo indigestão com essa comilança. 

— Não tem problema, você cuida de mim. Tenho certeza que você pode ser bem sexy no papel de médico solícito. 

— Você é doido de pedra! 

— E a culpa é de quem? Aliás, é sério, Harry, tente relaxar um pouco de vez em quando. Preocupe-se menos. Deixe a vida lhe fazer bem, em vez de temê-la. 

Hum... Agora ele deu para se achar o Paulo Coelho...

Ele saiu do carro e eu o vi subindo a escada de madeira que dava acesso ao restaurante. De calça jeans justa, jaqueta de couro acinturada e com a maleta de cosmético prateada, ele tinha a aparência de um vaqueiro, que combinava com o cenário. Peguei a gasolina a Pablo e encontrei Tommo nos degraus. 

— Me dê a chave para trancar. 

— Tranquilo, Harry! Relaxe. Pare de ver perigo em tudo que é canto! Esqueça o carto por um instante. Você vai me pagar tortilhas e alho-poró recheado, depois vai tentar descrevê-los da melhor forma possível. 

Tive uma fraqueza de segui-lo naquela espécie de saloon, onde passaríamos um bom momento, assim eu acreditava. Mas isso era dar sorte ao azar, que insistia em se abater sobre nós desde o início daquela viagem improvável. 

— O...o carro... – começou Tommo, quando nos instalávamos no terraço para degustar panquecas de milho. 

— O que aconteceu? 

— Não está mais lá – lastimou, apontando para as vagas do estacionamento. 

Saí dali furioso, sem encostar nada na boca. 

— Pare de ver perigo em tudo que é canto, hein? Relaxe! Não foi isso que você me aconselhou? Eu tinha certeza que a gente acabaria se ferrando! Até enchemos o tanque. 

Ele me fitou com o olhar desolado que não durou nem um segundo e logo voltou ao seu sarcasmo de sempre: 

— Ora, se você tinha tanta certeza que roubariam o carro, por que não voltou para fechá-lo? Cada um com a sua culpa! 

Tive que me segurar mais uma vez para não estrangulá-lo. Daquela vez estávamos sem carro e sem bagagem. Anoitecera e  começava a esfriar. 

* * * 

RANCHO SANTA FE 

SALA DO XERIFE 

— O sargeant Horan... Ele está com o senhor? 

— Como assim? – perguntou Liam, estendendo ao oficial sua habilitação e o documento do Bugatti. 

Um pouco sem jeito, o assistente do xerife esclareceu sua pergunta apontando, através do vidro, para a silhueta de Niall, ocupado em preencher os papeis com a secretária. 

— Seu colega ali, Niall, é seu namorado ou só colega mesmo? 

— Por quê? Quer convidá-lo para sair? 

— Se ele estiver livre, bem que eu gostaria. Ele é tão...

Ele procurou as palavras certas, tentando não cair na grosseria, mas se deu conta da inconveniência e preferiu não terminar a frase. 

— Assuma suas responsabilidades, meu velho – aconselhou Liam. — Tente a sorte e vai sentir ou não a minha mão na sua cara. 

Ressabiado, o auxiliar do xerife verificou a documentação do veículo antes de estender as chaves do Bugatti para Liam. 

— Pode pegá-lo de volta. Está tudo em ordem, mas de agora em diante evite emprestar o carro para qualquer um. 

— Não era qualquer um, era meu melhor amigo. 

— Pois bem, talvez possa escolher melhor seus amigos. 

Liam ia replicar alguma coisa bem desagradável quando Niall se juntou a ele na sala. 

— Quando parou o carro deles, xerife, teve a certeza de que era um garoto que estava no volante? Nenhuma dúvida quanto à isso? 

— Confie em mim, sergeant, sei reconhecer um garoto. 

— E o homem no assento do passageiro era ele? – perguntou, brandindo um romance com a foto de Harry na orelha. 

— Para falar a verdade, não olhei direto ao amigo de vocês. Foi principalmente com o garoto bronzeado que eu falei. Ô garotinho petulante...

Liam achou que estava perdendo tempo e pediu que lhe entregassem seus documentos. 

O xerife os devolveu ousando lançar uma pergunta que lhe queimava os lábios. 

— As tatuagens no seu braço são da Mara Salvatrucha, não são? Li umas coisas sobre isso na internet. Eu achava que era impossível sair dessa gangue. 

— Não se deve acreditar em tudo que se vê na internet – recomendou Liam, deixando o ambiente. 

No estacionamento, dedicou-se a uma inspeção no Bugatti. O veículo estava em bom estado. Havia gasolina no tanque e as bagagens no porta-malas atestavam a partida precipitada de seus ocupantes. No porta-luvas, encontrou um mapa rodoviário e uma revista de celebridades. 

— E então – perguntou Niall, juntando-se a ele. —, encontrou alguma coisa? 

— Talvez... – ele respondeu, apontando o itinerário traçado no mapa. — A propósito, o pilantra convidou você para sair? 

— Pediu meu telefone e sugeriu que saíssemos uma noite dessas. Por quê? Isso te incomoda? 

— De jeito nenhum. Quer dizer, ele não é lá um gênio, certo? 

Niall ia responder à altura, quando...

— Viu isso? – exclamou, apontando para as fotografias da Aurore e Zayn Malik na praia paradisíaca. 

Liam apontou para a cruz desenhada com marca-texto no mapa e próprios ao amigo de infância: 

— Que tal um fim de semana num belo hotel do litoral mexicano? 

* * * 

MÉXICO

POSTO DE COMBUSTÍVEL DE EL ZACATAL 

Tommo acariciava o bordado de seda de um bay-doll de renda chantili. 

— Se você der isso de presente para à sua namorada, ela fará coisas que nunca fez antes. Coisas que você nem imagina que existem de tão imundas que são...

Troye esbugalhava os olhos. Fazia dez minutos que Tommo tentava trocar o conteúdo da maleta de cosméticos pela scooter do jovem frentista. 

— E isso aqui é o suprassumo – afirmou, tirando da bolsa um vidrinho de cristal coroado por uma tampa facetada que brilhava como diamante. 

Abriu o frasco e se fez de misterioso, como um ilusionista prestes a executar seu número. 

— Inspire... – ele disse, aproximando o exilir do nariz do rapaz. — Sente o aroma inebriante e enfeitiçador? A aura bela e perversa? Se deixe embriagar pelas essências de violeta, romã, pimenta-rosa e jasmim...

— Pare de corromper o garoto! – eu pedi. — Você vai acabar nos arranjando problemas. 

Mas Troye pedia para ser hipnotizado, e foi para seu grande de leito que o Tommo repetiu o seu bordão: 

— Se deixe embriagar pelas fragrâncias de almíscar, frésia e flor de ylang ylang...

Desconfiado, aproximei-me do scooter. Era uma máquina antiga, imitação DQ Vespa italiana que um construtor local devia ter vendido no México nos idos dos anos 70. Contando com vários demais de tinta, a carroceria era um carnaval de adesivos fossilizados. Um deles trazia inclusive os dizeres: “Copa do Mundo de Futebol, México, 1986”...

Atrás de mim, Tommo continuava o seu lobby: 

— Acredite em mim, Troye. Quando uma mulher usa este perfume, ela penetra num jardim mágico, impregnado de aromas sensuais que a transforma numa tigresa selvagem e impetuosa, sedenta por s...

— Bom, já chega desse teatro! – exigi. — Aliás, você não percebeu que essa lambreta não aguenta nós dois? 

— Eu não peso duas toneladas! – ele retorquiu, abandonando Troye diante do concentrado de magia feminina que exalava da maleta de cosméticos de Aurore. 

— Isso sem falar no perigo. Já é noite, as estradas são malconservadas, cheias de buracos e lombadas...

— Trato hecho?* – perguntou Troye, juntando-se a nós. 

(Negócio Fechado?)**

Tommo o parabenizou: 

— Você fez um excelente negócio. Pode acreditar, sua namorada vai venerar você! – prometeu, apoderando-se de seu chaveiro. 

Balancei a cabeça. 

— Isso é um absurdo! Essa geringonça vai deixar a gente na mão em menos de vinte quilômetros. A correria de transmissão deve estar completamente roída e...

— Harry...

— O quê? 

— Um scooter desse tipo não tem correia de transmissão. Pare de bancar o machão, você não entende nada de mecânica. 

— Pode até ser que esse treco esteja  parado há vinte anos. – eu disse, virando a chave. 

O motor deu uma engasgada antes de começar a roncar arduamente. Tommo montou atrás de mim, abraçou minha cintura e pousou a cabeça em meu ombro.

A scooter arrancou, tossindo dentro da noite. 

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