Chào các bạn! Vì nhiều lý do từ nay Truyen2U chính thức đổi tên là Truyen247.Pro. Mong các bạn tiếp tục ủng hộ truy cập tên miền mới này nhé! Mãi yêu... ♥

Quando estamos juntos

Desculpa a demora
Esse foi o capítulo grande ainda estou pelo 4G porque a energia acabou
Boa leitura!!

——— T H E • P A P E R • B O Y ———

À noite, senti frio, me levantei e fui cubri-la com um segundo cobertor.

— ROMAIN GARY

AEROPORTO CHARLES DE GAULLE

DOMINGK, 12 DE SETEMBRO

O motorista de táxi pegou a mala de Tommo e a colocou no porta-malas autoritariamente, esmagando assim a pasta que carregava meu computador. Na cabine do Pirus flex, o rádio estava tão alto que tive que repetir três vezes meu destino ao motorista.

O carro deixou nosso ponto de partida e rapidamente se viu enredado nos engarrafamentos da marginal.

— Bem-vindo à França — eu disse, dando uma piscadela para Tommo.

Ele deu de ombros.

— Não vai conseguir diminuir o que sinto por estar aqui. Visitar Paris era meu sonho!

Após alguns quilômetros de engarrafamento, o carro saiu pela Porte Maillot antes de entrar na avenida de Grande Armée e continuar até a rotatória de Champs-Élysées. Como uma criança, Tommo continuava boquiaberto, descobrindo sucessivamente o Arco do Triunfo, “a mais bela avenida do mundo”, bem como as vertigens da Place de la Concorde.

Mesmo tendo estado diversas vezes na cidade com Aurore, não se podia dizer que eu conhecesse bem Paris. Sempre entre dois concertos e dois aviões, Aurore era um nômade que nunca tivera tempo de me mostrar sua cidade natal. De qualquer forma, minhas temporadas por alô nunca haviam excedido dois ou três dias seguidos, que geralmente passávamos trancafiado em seu belo apartamento da Rue Las Cases, perto da basílica de Santa Clotilde. Assim, da capital eu conhecia apenas algumas ruas do sexto e do sétimo arrondissements, e uma dezena de restaurantes e galerias da moda aonde ela me levava.

O táxi atravessou o Sena até a Rive Gauche e virou na altura do Quai d'Orsay. Ao visitar o campanário e os contrafortes da igreja de Saint-Germain-des-Prés, compreendi que já nos aproximávamos do apartamento mobiliado que lá do México eu alugara pela internet. Com efeito, após algumas manobras, o motorista nos deixou no número 5 da Rue Furstemberg, em frente a uma pracinha redonda cheia de lojinhas antigas, seguramente uma das mais encantadoras que já vi.

Na esplanada central, quanto altas paulównias protegiam um poste com cinco globos. O sol se refletia nos telhados azuis de ardósia. Perdido entre as ruas estreitas, longe da agitação do bulevar, o luar era uma ilhota atemporal e romântica saída diretamente de um desenho de Peynet.

* * *

No momento em que escrevo estas linhas, mais de um ano se passei desde aquela manhã, mas a lembrança de Tommo saindo do carro e arregaçando os olhos deslumbrados continuava viva em minha mente. Na época, eu não sabia que as semanas que nos preparávamos para viver seriam ao mesmo tempo as mais dolorosas e as mais belas de nossa vida.

* * *

DORMITÓRIO FEMININO

CAMPUS DE BERKELEY

CALIFÓRNIA

— Encomenda para você! — gritou Dua Lipa, entrando no quarto que dividia com Ariana Grande depois de voltas às aulas na universidade.

Sentada diante da escrivaninha, Ariana ergue os olhos do computador e agradeceu sua roommate antes de voltar a mergulhar na partida de xadrez.

Era uma adolescente de cabelos castanhos curtos e rosto franco, que ainda conservava a forma arredondada da infância. Mas, pelo olhar sério e concentrado, era evidente que, apesar de jovem, a vida nem sempre tinha sido fácil para ela.

O sol de outono dardejava seus raios através da janela e iluminava as paredes do quartinho cobertas de pôsteres ecléticos, que traduzam as paixões das duas adolescentes: Robert Pattinson, Kristen Stewart, Albert Einstein, Obama e o Dalai-Lama.

— Não vai abrir? — perguntou a americana depois de alguns minutos.

— Hum... — murmurou Ariana, com ar distraído. — Deixa eu só terminar de dar uma surra nesta máquina.

Ela tentou uma jogada ousada, avançando seu cavalo para D4, esperando assim traçar o bispo do adversário.

— Talvez seja presente do Austin. — chutou Dua, examinando o pacote. — Esse cara é completamente tarado por você.

— Hum... — repetiu Ari. — Não estou nem ai para o Austin.

O computador barrou sua jogada traçando sua rainha.

— Bom, então eu abro! — decidiu a americana.

Sem esperar a amiga assentir, rasgou o envelope e viu um livro grosso com capa de couro granulado: “Harry Styles” — Trilogia dos anjos — volume 2”.

— É o romance de segunda mão que você comprou pela internet. — ela disse, com uma pontinha de decepção na voz.

— Arrã — fez Ariana.

Agora ela tinha de proteger seu cavalo, mas sem bater totalmente em retirada. Clicou para avançar um peão, mas, empolgada com a ideia, soltou a peça intempestivamente.

Tarde demais...

A palavra XEQUE-MATE! Piscava na tela. Mais uma vez vencida por aquele monte de ferro-velho!

Não é um bom presságio para o meu campeonato, pensou, saindo do programa.

Na semana seguinte, defenderia as cores de sua escola no campeonato mundial para menores de dezoito anos. Uma competição organizada em Roma, que ao mesmo tempo a entusiasmava e a apavorava.

A adolescente olhou para o relógio de parede em forma de sol e correu para arrumar suas coisas. Pegou o romance que acabara de receber e o meteu na mochila. Mais tarde faria as malas para a viagem a Roma.

— Addio, amica mia! — saudou, cruzando a porta do quarto.

Desceu os degraus de três e dirigiu-se à estação a passadas largas para pegar o BART, o trem que liga Berkeley a San Francisco atravessando a baía quarenta metros abaixo do nível do mar. Começou a ler os três primeiros capítulos na ilha, antes de descer na estação Embarcadero e pegar um cable car na Califórnia Street. Lotado de turistas, o bonde atravessou Nob Hill e passou pela Grace Cathedral. A adolescente saltou o vagão de madeira dois quarteirões adiante e se dirigiu à ala de oncologia do Hospital Lenox, onde, duas vezes por doentes com atividades lúdicas ou artística. Sensibiliza-se com essa causa depois de acompanhar por dois anos a agonia da mãe, Mallory que morrera de câncer alguns anos antes. Ariana já estava na faculdade, mas tinha apenas dezesseis anos, idade precoce para esse tipo de voluntariado. Felizmente, Elliot Cooper, curador do hospital, era amigo de Garret Goodrich, médico que acompanhara a mãe dela em seus últimos dias, e fazia vistas grossas para sua presença no hospital.

— Bom dia, sra.Kaufman! — cumprimentou com uma voz alegre, entrando em um dos quartos do terceiro andar.

A simples aparição de Ariana iluminou o rosto de Ethel Kaufman. Contudo, até muito recentemente a velha sempre se recusara a participar das oficinas de desenho e pintura e dos Jogos organizados pela associação, assim como não assistia aos espetáculos de palhaço ou marionetes, que julgava estúpidos e regressivos. Queria que a deixassem morrer em paz, era pedir muito? Mas Ariana era diferente. A adolescente tinha caráter, além de um misto de candura e inteligência que não deixava Ethel indiferente. As duas passaram semanas se cativando, mas agora seus encontros haviam se tornado indispensáveis. Como sempre, começaram colocando a conversa em dia. Ethel questionou Ariana sobre as aulas na universidade e seu próximo torneio de xadrez. Então, a moça tirou o livro da bolsa:

— Surpresa! — disse, mostrando o belo exemplar.

Ethel tinha vista cansada e Ariana gostava de ler para ela. Nas últimas semanas, ambas haviam se deixado enfeitiçar pelo enredo da Trilogia dos anjos.

— Não pude resistir e li os primeiros capítulos — confessou Ariana. — Vou fazer um resumo rápida para você antes de continuar a leitura, ok?

* * *

THE COFFEE BEAN & TEA LEAF

UM PEQUENO CAFÉ DE SANTA MÔNICA  

DEZ HORAS DA MANHÃ

— Acho que encontrei alguma coisa! — exclamou Niall.

Debruçado sobre o notebook, o jovem policial havia se conectado à Internet pela rede Wi-Fi do café.

Com uma caneca de caramel latte na mão, Liam se aproximou da tela.

De tanto digitar todo o tipo de palavras-chave nos buscadores, Niall acabara se deparando com uma página do e-Bay que oferecia o exemplar único exemplar único que procuravam.

— Esse é demais! — exclamou Liam, derrubando metade da bebida na camisa.

— Acha que é o que procuramos?

— Sem dúvida — ele declarou, observando a fotografia. — Depois do processo de trituração, essa capa de couro só pode envolver um único exemplar.

— Infelizmente foi vendido. — resmungou Niall.

O livro fora ofertado no e-Bay dias antes e encontrara comprador na mesma hora pela soma irrisória de catorze dólares.

— De qualquer forma, a gente pode tentar entrar em contato com o vendedor para saber quem comprou.

Sem esperar resposta, Niall clicou no link que permitia visualizar o perfil do membro: dinahjanehans73, inscrito há seis meses e avaliado positivamente.

Niall mandou um e-mail explicando que desejava entrar em contato com a pessoa que havia adquirido aquele item. Aguardaram então uns bons cinco minutos, com a esperança incrédula de que chegaria um e-mail mas explícito acompanhado de uma promessa de uma recompensa de mil dólares.

— Tenho que voltar para o trabalho — disse Niall, consultando o relógio.

— Onde está seu parceiro?

— Ele está doente. — ele respondeu, deixando o café.

Liam decidiu acompanhá-lo e se instalou ao lado dele na viatura policial.

— Você não pode entrar aqui! Estou trabalhando, esse é o carro da patrulha.

Liam fez como se não ouvisse e deu continuidade à conversa.

— Como é o pseudônimo dela?

— dinajanehans73 — respondeu Niall, dando a partida.

— Bom, Dinah é o primeiro nome, certo?

— Parece lógico.

— Jane é o sobrenome. Ela não escreveu Hanse, que é mais comum, mas Jane Hans, o que nos faz pensar em um diminutivo de um nome britânico.

— Ou americano, não? Tipo Jane Hansen.

— É, é isso.

— E o número? Acha que corresponde a data de nascimento?

— Pode ser. — respondeu Liam.

Pelo celular, ele já se conectara ao site da lista telefônica, mas, apenas na região de Los Angeles, havia umas dez Dinah Jane Hansen.

— Me passe o rádio — pediu Niall, fazendo curva.

Liam pegou o transmissor, sem perder a chance de uma pequena improvisação:

— Aqui é Terra, capitão Kirk a bordo da nave Enterprise. Pedimos autorização para pousar na base.

Niall olhou para ele com pena.

— O que foi? Não é engraçado?

— É, Liam, quando temos oito anos é engraçado...

Tomou-lhe o rádio e com toda a autoridade despachou:

— Central, aqui é o sargento Horan, matrícula 364B1231. Poderia me arranjar o endereço de Dinah Jane Hansen, supostamente nascida em 1973?

— Ok, sargento.

* * *

PARIS

SAINT-GERMAIN-DES-PRÉS

Nosso quarto e sala mobiliado ficava no último andar do prediozinho branco que dava para a pracinha sombreada, e imediatamente nos sentimos “em casa”.

— Qual é a programação?

Aparentemente, o ar de Paris lhe devolvera a saúde. Embora seus cabelos continuassem brancos e sua tez, pálida, ela parecia ter recuperado um pouco da forma.

— Acho que você esqueceu que tenho quinhentas páginas para escrever.

— Uma ninharia, convenhamos! — ele brincou, aproximando-se da janela para oferecer seu rosto aos raios de sol.

— Tudo bem, uma volta rápida então. Só para você conhecer o bairro.

Vesti o casaco enquanto ele arrumava a franja.

Saímos.

Como os dois turistas que éramos, flanamos primeiro pelas estreitas ruas de Saint-Germain, parando a cada vitrine de livraria ou antiquário, consultando os cardápios de cada café, bisbilhotando as caixas metálicas dos alfarrabistas à beira do Sena.

Apesar das lojas de luxo que pouco substituíam os estabelecimentos culturais, o espírito do bairro conservava algo de mágico. Naquele emaranhado de ruazinhas, a atmosfera era especial, e por toda a parte se respirava amor aos livros, à poesia e à pintura. Todas as ruas, todos os prédios em nosso caminho atestavam um rico passado cultural. Voltaire trabalhará no Procope, Verlaine ia até ali beber seu absinto, Delacroix mantinha seu ateliê na Rue Furstemberg, Racine morara na Rue Visconti, na mesma rua Balzac abrirá falência gráfica, Oscar Wilde morrera na solidão e na miséria em um sórdido hotel da Rua Des Beaux-Arts, Picasso pintara Guernica na Rue Des Grands Agustins, Miles Davies tocara na Rue Saint-Benoît, Jim Morrison se hospedara na Rue de Seine...

Vertigem avassaladora.

Tommo, por sua vez, estava radiante pavoneando-se ao sol com um guia na mão, atento para não perder nada do passeio.

Ao meio-dia, fizemos uma pausa na varanda de um café. Enquanto emendava um expresso italiano no outro, eu o observava se deliciar, todo sorrisos, com queijo branco com melhor e torrada com geleia de framboesa. Alguma coisa mudara entre nós. Nossa agressividade mútua evaporara para dar lugar a uma nova cumplicidade. Agora éramos aliados, e tínhamos plena consciência de que nossos momentos juntos estavam contados, que eram frágeis e que tínhamos todo interesse em nos proteger reciprocamente.

— Ei, vamos por aqui, vamos visitar aquela igreja! — ele sugeriu, apontando para o campanário de Saint-Germain.

Enquanto eu pegava a carteira para pagar a conta, Tommo deu o último gole em seu chocolate quente e se levantou da cadeira. Como uma criança travessa, correu para atravessar a rua justamente quando vinha um carro em sentido contrário.

O susto fez com que ele se estatelasse no meio da rua.

* * *

SAN FRANCISCO

HOSPITAL LENOX

Decepcionada, Ariana deu uma folheada no romance e percebeu que as páginas finais estavam em branco.

— Acho que não vai dar para saber o fim da história hoje, sra. Kaufman.

Ethel franziu a sobrancelha e examinou o livro mais atentamente. Ele se interrompia bruscamente na página 266,bem no meio de uma frase.

— Com certeza foi um erro de impressão. Você tem de levá-lo à livraria.

— Comprei pela internet.

— Então vai no golpe como um patinho.

Envergonhada, Ariana sentiu que enrubescia. Pena. O livro era arrebatador, e as ilustrações em aquarela muito benfeitas.

— Está na mesa! — gritou o atendente de plantão, empurrando a porta do quarto para servir as bandejas.

Como acontecia todas as vezes que ia até ali, Ariana tinha direito a uma refeição. No cardápio, sopa de legumes, salada de couve-de-bruxelas e bacalhau ensopado.

Ariana travou os dentes e se obrigou a comer um pouco. Por que o peixe botava na água? Por que a sopa de ervilha tinha aquela cor amarronzada? E a salada sem sal... argh.

— Bem reizinho, não? — queixou-se a sra. Kaufman.

— Está entre o completamente nojento e o simplesmente imundo — admitiu Ariana.

A velha esboçou um sorriso.

— Eu daria tudo por um bom suflê de chocolate. É meu pecado venial.

— Nunca provei! — disse Ariana, lambendo os beiços.

— Vou escrever a receita para você — ofereceu-se Ethel. — Me passe uma caneta e esse livro! Que pelo menos ele sirva para alguma coisa.

Ethel abriu o romance e, na primeira das páginas brancas, escreveu com sua letra mais caprichada:

Suflê de chocolate

200 g de chocolate amargo

50 g de açúcar

5 ovos

30 g de farinha de trigo

500 ml de leite semidesnatado

1)Quebrar o chocolate em pedaços e derretê-lo em banho-maria...

* * *

PARIS

SAINT-GERMAIN-DES-PRÉ

— Abra os olhos!

O corpo de Tommo jazia no meio da rua.

Por um triz o Clio evitara o choque com uma brusca freada. Na Rue Bonaparte, o trânsito fora interrompido, e uma aglomeração se formava em torno da garota.

Eu estava debruçado sobre ele, erguendo suas pernas para permitir que o sangue lhe voltasse ao cérebro. Virei sua cabeça de lado e afrouxei suas roupas, seguindo ao pé da letra as instruções que o dr. Phillipson me passara. Tommo acabou recuperando a consciência. Uma síncope comparável à que sofrerá no México.

— Pode ir tirando seu cavalinho da chuva, eu ainda não morri — ele zombou.

Apertei-lhe o pulso, que continuava fraco. Ele ofegava, e gotas de suor brotaram na sua testa.

No dia seguinte tínhamos uma consulta com o professor Clouseau, o médico recomendado por Aurore. Eu sinceramente esperava que sua competência estivesse à altura de sua reputação.

* * *

LOS ANGELES

— Polícia, abra!

Pelo olhinho mágico, Dinah observava o oficial de polícia que batia à porta.

— Sei que esta aí, sra. Hansen! — gritou Niall, mostrando seu distintivo.

Resignada, Dinah puxou o trinco e passou o rosto preocupado pelo vão da porta.

— O que deseja?

— Apenas lhe fazer algumas perguntas sobre um livro que a senhorita vendeu pela internet.

— Não roubei aquele livro! — defendeu-se Dinah. — Eu o encontrei numa lata de lixo, só isso.

Niall olhou para Liam, que tomou a palavra.

— Precisa nos fornecer o endereço do computador.

— É uma estudante, eu acho.

— Uma estudante?

— Pelo menos mora no campus de Berkeley.

* * *

SAN FRANCISCO

HOSPITAL LENOX

QUATRO HORAS DA TARDE

Ethel Kaufmann não conseguia pregar os olhos. Desde que Ariana se fora, depois do almoço, ela se virava e revirava na cama. Alguma coisa não ia bem. Quer dizer, além do câncer que lhe corroía os pulmões...

Era aquele livro. Ou melhor, o que ela escrevera em suas páginas em branco. Apoiou-se no travesseiro e apanhou o romance na mesa de cabeceira, para abri-lo na página em que anotara a receita da sobremesa de sua infância. De onde vinha aquele acesso de nostalgia? Da iminência da morte, que diariamente ganhava terreno? Bem provável.

Nostalgia... Ela detestava isso. A estrada da vida era tão rápida que decidira nunca olhar para trás. Sempre vivera o instante, tentando abstrair do passado. Não guardava suvenires, não comemorava o aniversário, mudava-se a cada dois ou três anos para não se prender nem a coisas nem as pessoas. Para ela, esta sempre fora a condição da sobrevivência.

Porém, o passado batia na sua porta naquela tarde. Levantou-se com dificuldade e deu alguns passos até o arquivo de ferro onde ficavam seus pertences. Tirou ali a maleta de couro, presente de sua sobrinha Katia durante a última visita. Coisas que Katia encontrara ao esvaziar a casa dos pais antes de vendê-la.

A primeira fotografia datava de março de 1929, poucos meses após seu nascimento. Mostrava um casal apaixonado posando orgulhosamente com os três filhos. Ethel estava nos braços da mãe, enquanto seu irmão e sua irmã, um casal de gêmeos quatro anos mais velhos que ela, cercavam o pai. Belas roupas, sorrisos sinceros, cumplicidade: o amor familiar e a doçura transpiravam da foto. Ethel a separou na cama. Fazia décadas que não a via.

O documento seguinte era uma reportagem amarelecida de revista, ilustrada com várias fotos dos anos 40: uniformes nazistas, arames farpados, a barbárie... A revista remetia Ethel à sua própria história. Tinha apenas dez anos quando chegara nos Estados Unidos com o irmão. Tinham conseguido deixar parte da cidade em gueto. Sua irmã deveria encontrá-los mais tarde, mas não tiveram a mesma sorte — morrera de tifo em Plaszow —, assim como seus pais, que não haviam sobrevivido ao campo de concentração de Belzec.

Ethel continuou sua viagem ao passado. O documento seguinte era um cartão-postal em preto e branco representando uma elegante bailarina fazendo ponta. Era ela em Nova York, onde passará toda a adolescência com a família paterna da mãe, que soubera reconhecer e estimular seu talento para a dança. Distinguira-se rapidamente e fora contratada pelo New York City Ballet, companhia recém-criada por George Balanche.

O quebra-nozes, O lago dos cisnes, Romeu e Julieta: dançara os papéis – título dos maiores balés. Em seguida, fora obrigada a desistir da dança aos vinte e oito anos, em decorrência de uma fratura mal curada que a deixará com um coxear nada gracioso.

Um sentimento confuso lhe deu um calafrio. No verão do cartão-postal, encontrou o programa de um espetáculo nova-iorquino. Depois do acidente, tornara-se professora na School of American Ballet, ao mesmo tempo em que participava da encenação de algumas comédias musicais na Broadway.

Outra fotografia também lhe era dolorosa, mesmo décadas mais tarde. Era a de um namorado tenebroso. Um homem dez anos mais moço pelo qual se apaixonara aos trinta e cinco anos, uma história passional que, em troca de algumas horas de euforia, lhe custará anos de sofrimento e desilusão.

E depois...

E depois, pesadelo...

Um pesadelo que começava na luz da fotografia seguinte, um pouco esmaecida, que ela mesmo batera se olhando no espelho. A fotografia de seu barrigão.

Quando já não esperava mais que isso acontecesse, Ethel engravidou às vésperas de completar quarenta anos. Uma dádiva da vida, que recebera com infinita gratidão. Nunca fora mais feliz fora que nos primeiros meses de gestação. Claro, sentia náuseas e estava esgotada, mas a criança que crescia em seu ventre a transformara.

Uma manhã, contudo, três meses antes do parto, perder líquido sem razão aparente. Fora levada ao hospital e submetida aos exames indicados. Lembrava-se de tudo com grande sofrimento. O bebê continuava lá em sua barriga. Sentia seus pontapés, ouvia o batimento de seu coração. Mais tarde, o obstetra de plantão naquela noite lhe comunicara que a bolsa havia rompido e que, sem o líquido amniótico, o bebê não sobreviveria. Como a bolsa membranas estava seca, o parto teria de ser induzido. Houve então aquela noite de horror em que ela puseram seu bebê no mundo já sabendo que ele não sobreviveria. Ao fim de várias horas de trabalho de parto, ela não dera luz vida, mas morte.

Pudera vê-lo, tocá-lo, beijá-lo. Era minúsculo e, ao mesmo tempo, tão belo... No momento do parto, ainda não havia escolhido o nome do filho. Na sua cabeça, era sempre o bambino, meu bambino.

O bambino vivera um minuto antes de o coração parar. Ethel jamais se esqueceria daqueles sessenta seguidos durante os quais fora mãe. Sessenta segundos surreais. Depois disso, não vivera mais. Apenas fingira. Toda a sua luz, toda sua alegria, toda sua fé haviam sido consumidas durante aquele minuto. Tudo o que restava de chamar dentro dela havia se apagado junto com seu bambino.

As lágrimas que escorpião por sua face caíam em um envelopinho abaulado de papel vegetal. Tremendo ela o abriu e retirou dele uma mecha de cabelo do bambino. Chorou copiosamente, mas isso a livrou de um peso que carregava havia anos.

Agora, sentia-se muito cansada. Subitamente inspirada, antes de se deitada novamente, colou as fotografias, a matéria da revista, o cartão-postal e a mecha de cabelo nas páginas brancas do livro. Um resumo dos momentos marcantes da sua vida, que subsistia em uma dezena de páginas.

Se fosse preciso recomeçar, teria mudado alguma coisa em sua vida? Varreu a pergunta da cabeça. Aquela indagação não fazia o menor sentido. A vida não era um videogame com múltiplas escolhas. O tempo passa e a gente passa com ele, em geral mais cedo do que desejamos. O destino faz o resto, e a sorte vem jogar sua pitada de sal em tudo. Ponto-final.

Guardou o livro num grande envelope pardo e chamou a enfermeira de plantão, para pedir que entregasse aquele embrulho a Ariana Grande na próxima vez que ela viesse ao hospital.

* * *

DORMITÓRIO FEMININO

CAMPUS DE BERKELEY

SETE HORAS DA NOITE

— Não coma muito tiramisu em Roma! — aconselhou hipocritamente Da Lipa. — Tem no mínimo um bilhão de calorias e você engordou um pouco nos últimos tempos, não?

— Não se preocupe comigo. — replicou Ariana, fechando a mala. — Isso não parece afastar os rapazes, pelo que pude perceber...

A garota olhou pela janela. Já era noite; ela notou a piscada do farol do táxi que chamara.

— Vou nessa.

— Boa sorte! Dê uma surra naqueles caipiras! — Dua a encorajou.

Ariana desceu as escadas do dormitório e entregou as bagagens ao motorista do táxi, que as colocou dentro do carro.

— Para o aeroporto, senhorita?

— Sim, mas primeiro quero dar uma passada no hospital Lenox.

Durante o trajeto, Ariana se perdeu em seus pensamentos. Por que sentia necessidade de rever a sra. Kaufman? Ao se despedir dela, ao meio-dia, a notara cansada e um pouco triste. Além disso, a velha dama se despedira de maneira um tanto solene, insistindo para beijá-la, que não era do seu feitio.

Como se estivesse se vendo pela última vez...

O táxi parou em fila dupla.

— Vou deixar a bolsa aqui, ok? Cinco minutos.

— Sem pressa. Vou parar no estacionamento.

* * *

DORMITÓRIO FEMININO

CAMPUS DE BERKELEY

19h30

— Políciaabra!

Dua Lipa se assustou. Aproveitara-se da ausência da colega para bisbilhotar seu computador e tentar ler seus e-mails. Por alguns segundos, foi tomada pelo pânico, imaginando que uma câmera de vigilância camuflada no quarto acabava de denunciá-la. Desligou o monitor às pressas antes de abrir a porta.

— Sou o oficial Niall Horan — apresentou-se Niall, ciente de que não tinha autorização para invadir um campus universitário.

— Gostaríamos de falar com Ariana Grande — avisou Liam.

— Vocês a perderam por pouco — respondeu Dua Lipa, aliviada. — Acabou de sair para o aeroporto. Foi participar de um torneio de xadrez em Roma.

Em Roma! Merda!

— Tem o telefone dela? — Niall perguntou, pegando o seu.

* * *

ESTACIONAMENTO DO HOSPITAL LENOX

19h34

No banco de trás do táxi, o toque do celular de Ariana soou no fundo de sua bolsa de patchwork. O aparelho insistiu, mas o motorista nem sequer escutou. À espera da passageira, aumentara o volume do rádio para acompanhar o jogo Mets versus Braves.

Dentro do prédio, Ariana deixou o elevador e avançou silenciosamente pelo corredor.

— O horário de visita já terminou, senhorita! — uma enfermeira a deteve.

— Eu queria me despedir da sra. Kaufman, vou viajar para o exterior.

— Hum... Você é a voluntária, não é?

Ariana assentou com a cabeça.

— Ethel Kaufman está dormindo, mas deixou um envelope para você.

Um pouco decepcionada, Ariana seguiu a mulher de branco até a recepção para receber o embrulho com o livro.

De volta ao táxi, a caminho do aeroporto, descobriu perplexa as fotografias e anotações acrescentadas pela velha dama. Emocionada, bem lhe passou pela cabeça da uma checada no celular.

* * *

AEROPORTO INTERNACIONAL DE SAN FRANCISCO

PISTA DE DECOLAGEM N° 3

VOO 0966

21h27

“Boa noite, senhoras e senhores.

Aqui quem fala é seu comissário, e é um prazer recebê-los a bordo deste Boeing 767 com destino a Roma. Nosso tempo de voo estimado é de treze horas e cinquenta e cinco minutos. O embarque já foi encerrado. Em frente aos assentos, encontrarão um folheto de segurança com os procedimentos de emergência, que pedimos que leiam atentamente. A tripulação da cabine procederá às demonstrações de...”

* * *

AEROPORTO INTERNACIONAL DE SAN FRANCISCO

SAGUÃO DE EMBARQUE

21h28

— O voo para Roma? Ah, sinto muito, acabamos de encerrar o embarque — comunicou a recepcionista, consultando a tela.

— Não é possível! — irritou-se Niall. — Nunca botaremos a mão nesse livro diabólico. Tente ligar de novo para a garota.

— Já deixei duas mensagens — disse Liam. — Ela deve ter colocado o celular mó silencioso.

— Tente outra vez, por favor.

* * *

PISTA DE DECOLAGEM N°3

VOO 0966

21h29

“Decolaremos em instantes. Queiram apertar o cinto de segurança, colocar o assento na posição vertical e desligar o telefone celular. Lembramos ainda que não é permitido fumar, inclusive nos toaletes.”

Ariana prendeu o cinto e vasculhar a bolsa para pegar seu travesseiro de viagem, sua máscara de dormir e seu livro. Quando foi desligar o celular, percebeu que a luzinha vermelha piscava, indicando o recebimento de mensagens. Ficou tentada a consultá-las, mas o olhar reprovados da comissária a dissuadir.

* * *

PARIS

MEIA-NOITE

A sala de nosso pequeno apartamento estava iluminada pela luz difusa espalhada por uma dezena de velas. Após uma noite tranquila, Tommo dormira no sofá. Eu havia ligado o computador ansioso e abrira meu velho processador de texto. A terrível página branca apareceu na tela e, com ela, as náuseas, a angústia e o pânico, que infelizmente já me eram familiares.

Force a barra!

Force a barra!

Não.

Levantei-me da cadeira, fui até o sofá e peguei Tommo nos braços para levá-lo até o quarto. Num sono agitado, ele resmungou que estava muito pesado, mas se deixou levar. A noite estava fria, e a calefação do quarto expelida apenas um débil calor. No armário, encontrei um edredom extra e o aconcheguei como se fosse criança.

Estava prestes a fechar a porta do quarto quando o ouvir dizer:

— Obrigado.

Eu puxara as cortinas para proteger seu sono da luz da rua e estávamos no escuro.

— Obrigado por cuidar de mim. Nunca ninguém tinha feito isso antes.

* * *

Nunca ninguém tinha feito isso antes.

A frase ainda ressoava na minha cabeça quando voltei à mesa de trabalho. Na tela, observei o cursor pescando e zombando de mim.

De onde vem a inspiração? Era a pergunta tradicional, a mais presente entre leitores e jornalistas e, honestamente, eu nunca tinha sido capaz de responder seriamente a ela. A escrita supunha uma vida ascética: cobrir quatro páginas por dia me tomava cerca de quinze horas. Não havia mágica, segredo ou receita; eu só tinha de me isolar do mundo, sentar à mesa, colocar meus fones de ouvido com uma música clássica ou jazz e separar um estoque importante de cápsulas de café. Às vezes nos dias bons, instalava-se um círculo virtuoso que me fazia escrever em um único rampante cerca de dez páginas. Nesses períodos abençoados, chegava a me persuadir de que as histórias preexistiam em algum lugar no céu e que a voz de um anjo acabara de me deitar o que eu devia escrever, mas eram momentos raros, e a simples perspectiva de alcançar quinhentas páginas em poucas semanas me parecia impossível.

Obrigado por cuidar de mim.

As náusea haviam desaparecido. A angústia se evaporara. A tremedeira do ator antes de entrar em cena se fora.

Pausei os dedos sobre o teclado e eles se puseram em movimento quase à minha revelia. As primeiras linhas vieram como que por magia.

Capitulo 1

Na memória dos cidadãos de Boston, nunca houvera inverno tão gélido. Há mais de um mês, a cidade se afogava sob a neve e a geada. Nos cafés, cada vez mais as conversas giravam em torno do pretenso aquecimento climático com que a mídia enchia nossos ouvidos: “Você acredita mesmo?! Uma bela lorota, isso sim!”

Em seu pequeno apartamento de Southie, Tommo Donelly dormia um sono leve. Até aquele momento, a vida não fora nada clemente com ele. Ele ainda não sabia, mas isso estava prestes a mudar.

Pronto, estava dada a largada.

Compreendi imediatamente que meus sentimentos por Tommo haviam me libertado da maldição. Ao colocar novamente meus pés no chão, ele descobriram a chave do cadeado que trancava meu espírito.

A página em branco não me dava mais medo.

Comecei a digitar e farei a noite trabalhando.

* * *

ROMA

AEROPORTO FIUMICINO

DIA SEGUINTE

“Senhores e senhores, aqui é o comissário. Acabamos de aterrissar no Aeroporto Fiumicino, em Roma. A temperatura externa é de dezesseis graus. Queiram nos desculpar pelo ligeiro atraso. Permaneçam sentados e não soltem o cinto de segurança até a parada completa da aeronave. Cuidado ao abrir o compartimento de bagagens de mão, elas podem ter se deslocado durante o voo, e certifiquem-se de que não esqueceram nada. Em nome de toda equipe da United Airlines, desejamos a todos uma agradável estadia e esperamos Re vê-los em breve em nossos voos.”

Ariana Grande lutou para espantar a sonolência. Dormir a durante o voo um sono inteiramente e povoado de pesadelos, do qual não conseguia emergir.

Deixou o avião com o corpo ainda dormente, sem perceber que esquecera no compartimento da poltrona o livro que Ethel Kaufman havia lhe entregado.

Notas finais

Estamos em reta final
Sorry mesmo por tudo gente.
Espero que tenham gostado sz

All the love, A.

Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro