O labirinto da Vida
Nada é mais trágico do que conhecer um indivíduo atormentado, perdido na labirinto da vida.
— Martin Luther King —
SEGUNDA-FEIRA, 13 DE SETEMBRO
15° ARRONDISSEMENT DE PARIS
NOVE HORAS DA MANHÃ
Saltamos na estação Balard, ponto final da linha 8 do metrô. Naquele início de outono parisiense, a temperatura estava amena e reinava uma atmosfera de volta às aulas.
O Hospital Marie Curie era um prédio imenso situado às margens do Sena, vizinho do Parque André Citroën. A fachada principal toda revestida de vidro, abraçava a esquina da rua, espelhando as árvores ao redor.
Pelo que pude ler no folheto explicativo, o local reunião os serviços de antigos hospitais da capital e era reconhecido por apresentar as árvores ao redor.
Depois de errarmos três vezes a entrada e termos nos perdido nos meandros de um grande pátio central, um funcionário nos guiou até uma série de elevadores que nos levou ao antepenúltimo andar.
Apesar da hora marcada, fomos obrigados a esperar o médico por quarenta e cinco minutos. Segundo sua secretária, Corinne, o professor Clouseau — que morava no prédio onde ficava os doentes — estava chegando aquela manhã de Nova York, onde duas vezes por mês ministrava aulas na prestigiosas Havard Medical School.
Sob a vigilância de Corinthians, aguardamos em um consultório magnífico, decorado com uma mobília que alternava Madeira e metal, que oferecia uma vista sublime do Sena e de alguns telhados de Paris. Através da parede de vidro, distinguíamos as balsas deslizando preguiçosamente no rio, a Ponte Mirabeau e a réplica da Estátua da Liberdade na ponta da Ilha dos Cisnes.
O homem que surgiu no ambiente parecia mais o inspetor Colombo do que um eminente professor de medicina. Com os cabelos desgrenhados, o rosto seboso e a barba por fazer, trajava um agasalho impermeável amassado, lançado nos ombros como uma capa. Uma camisa escocesa saía do suéter esverdeado e caía sobre a calça de veludo cotelê com manchas mais que duvidosas. Se eu tivesse trombado com aquele sujeito na rua, talvez me ocorresse lhe dar uma esmola. Difícil acreditar que, além do seu trabalho no hospital, aquele homem dirigia uma equipe de médicos e engenheiros que, havia quinze anos, trabalhava no projeto de um coração artificial autônomo.
Ele resmungou uma fórmula vaga para se desculpar pelo atraso, trocou o trench coach por um jaleco amarelado e, provavelmente em virtude do fuso horário, ciú cansado na poltrona.
Eu havia lido em algum lugar que, no primeiro encontro com um novo rosto, nosso cérebro, em um décimo de segundo, decide se a pessoa é ou não confiável. Um processo tão rápido que nossa capacidade de raciocínio simplesmente não tem tempo de influir sobre essa primeira reação “instintiva”.
E naquela manhã, apesar de seu aspecto negligente, foi de fato uma impressão de confiança que me passou a pessoa do professor Clouseau.
Tommo tampouco se deixou impressionar pela aparência do homem e listou seus sintomas: Desmaios, grande cansaço, palidez, falta de ar depois de qualquer esforço, náuseas, febre, perda de peso e queimação no estômago.
Enquanto ele tomava ciência daquelas informações murmurando “arrãs” Quase inaudíveis, eu lhe estendi o dossiê médico que elabora graças às análises de Mortimer Philipson. Ele colocou os óculos bifocais como víamos nos anos 70 e percorreu com uma expressão de dúvida, mas a chama de seu olhar que atravessava as lentes redondas denunciava uma inteligência aguda e atenta.
— O rapaz terá de refazer seus exames — ele decidiu, jogando autoritariamente a pasta de papelão no cesto de lixo. — Essas análises feitas no pronto-socorro de um hotel exótico e essa história de “garoto de papel”, de tinta e de celulose, nada disso se sustenta.
— E os meus desmaios? — Irritou-se Tommo. — E o meu cabe...
Ele o cortou sem cerimônia:
— Na minha opinião, suas repetidas síncopes estão ligadas a uma brusca redução do fluxo sanguíneo cerebral. Logo, têm origem necessariamente numa anomalia cardíaca oh vascular. Vocês estão no lugar certo: é justamente minha especialidade e a da equipe que dirijo.
Rabiscou numa folha de receita uma lista de exames que seriam feitos no mesmo dia e sugeriu que voltássemos naquela noite.
* * *
ROMA
AEROPORTO FIUMICINO
O Boeing 767 que vieram de San Francisco estava imóvel na área de estacionamento. Os passageiros haviam desembarcado havia mais de meia hora, e o pessoal da faxina limpava o Interior do avião.
Justin Bieber, piloto comercial, botou o ponto-final em seu relatório de voo e fechou o laptop.
Um saco essa porcaria toda!, pensou, bocejando.
Havia sido um pouco negligente com o relatório, mas aquele voo de quizer horas o deixará moído. Consultou o visor do celular. Sua mulher havia deixado uma mensagem carinhosa e solícita. Para evitar a conversa com ela, enviou-lhe um dos textos prontos que guardava de reserva. Tinha programa muito melhor do que tagarelar com a patroa. Aquela potenciais não deixaria Selena escapar. Sempre passava por Roma, dava um jeito de tentar a sorte junto à bela mulher que trabalhava no setor de achados e perdidos. Vinte anos, simpática, sexy, atraente, com formas generosas, Selena o enlouquecera. Até agora, recusara todas as suas investidas, mas aquilo ia mudar, ele sentia.
Justin saiu da cabine. Penteou-se e abotoou o paletó.
Nunca subestimar o poder do uniforme.
Mas, antes de deixar o avião, ele precisava encontrar um pretexto para abordar a jovem italiana.
Ele observou a equipe de limpeza que, rápida e eficiente, dividira as tarefas. No primeiro carrinho, em meio a revista e lenços de papel usados, notou um belo livro encapado em couro azul-escuro. Aproximou-se, pegou o volume nas mãos e deu uma olhada na capa decorada com estrelas, na qual o nome do autor e o título do romance se destacavam em letras douradas: “Harry Styles — Trilogia dos Anjos — volume 2”.
Nunca ouvi falar, mas vai servir. É a minha isca!
— Não pode levar este livro, senhor.
Ele se virou, pego no flagra. Quem ousava se dirigir a ele daquele jeito?
Era uma das faxineiras. Uma negra especialmente bonita. O crachá obrigatório no pescoço informando seu nome — Normani —, e a bandana que predial seus cabelos trazia a estrela branca em fundo azul da bandeira somali.
Ele a olhou de cima a baixo com desprezo.
— Eu me encarrego disso! — decidiu, aprontando para o livro. — Tenho mesmo que passar pela seção de achados e perdidos.
— Serei obrigada a comunicar o fato ao meu chefe de equipe, senhor.
— Comunique a Deus Pai, se isso lhe agrada. — ele zombou, dando de ombros.
Conservou o livro na mão e deixou a aeronave.
Naquela noite, Selena dormiria na sua cama!
* * *
VIA MARIO DE BERNARDI
Foi no táxi que tomara para o hotel que ocorreu a Ariana ligar o celular. Estava abarrotado de mensagens! Primeiro seu pai mostrando preocupação, depois um texto sem pé nem cabeça de Dua Lipa, avisando-lhe que a polícia estava em seu encalço, e, principalmente, uma enxurrada de mensagens de um tal de Liam, querendo comprar o romance de Harry Styles que ela arremataria pela internet.
Que história maluca!
Tomada por um mau pressentimento, vasculhar a bolsa e percebeu que o livro não estava mais ali.
Esqueci no avião!
O táxi estava prestes a pegar a rodovia quando Ariana deu um grito, exclamador.
— Pare, por favor! Pode dar meia-volta?
* * *
HOSPITAL MARIE CURIE
QUAI DE SEINE, PARIS
— Fique tranquilo, rapaz. O exame não dói nada.
Tommo estava deitado, o torso nu, apoiado no lado esquerdo. À sua direita, o cardiologista prendeu três eletrodos em seu peito antes de besuntar-lhe o torso com uma grande quantidade de gel.
— Vamos fazer um ecocardiograma para encontrar um eventual tumor e detectar sua localização.
Passou imediatamente a aplicar a sonda em diversos lugares, entre as vértebras de Tommo e na proximidade do esterno, registrando as imagens a cada vez. Na tela, eu podia distinguir nitidamente o batimento cardíaco de Tommo, que estava morto de medo. Também via a expressão preocupada do médico, cujo cento se fechava cada vez mais à medida que o exame avançava.
— É grave? — não pude deixar de perguntar.
— O professor Clouseau falará sobre o resultado — ele respondeu friamente.
Mas acrescentou, por iniciativa própria:
— Creio que completaremos o ecocardiograma com uma ressonância magnética.
* * *
ROMA
— A Selena não está por aqui? — perguntou Justin Bieber, empurrando a porta do setor de achados e pedidos.
O piloto mal conseguiu esconder a decepção. Atrás do balcão, a substituta ergueu os olhos da revista para lhe conceder um fio de esperança:
— Está aproveitando a pausa no Da Vinci's.
Justin foi embora sem dizer “obrigado” e sem se dar ao trabalho de entregar o livro que resgatara no avião.
Situado num recanto terminal 1, o Da Vinci’s era um pequeno oásis no coração do aeroporto. Com um cenário de colunas de mármore cor-de-rosa, o estacionamento tinha a aparência de um café informal, cheio de pilares e abóboras cobertos por trepadeiras. Ao longo de um imenso balcão em forma. De U, os passageiros se espremiam para engolir expressos fortes enquanto degustavam os doces da casa.
— Ei! Selena! — ele disse ao avistá-la.
Achava-a cada vez mais bonita. Ela estava conversando com um jovem funcionário, um maricas usando avental de torrefador, pago para preparar cafés sofisticados, desde o grau verde até o néctar servido na xícara.
Justin se aproximou, colocou o livro no balcão e tentou entrar na conversa, impondo seu idioma — o inglês americano — e seu assunto — ele mesmo. Mas a bela italiana babaca diante do jovem colega, bebia suas palavras batendo ás pálpebras — ele tinha um sorriso cativante, olhos risonhos e mechas castanhas. Inflado de testosterona, Justin encarou o anjo romano com ar de desafio, depois convidou Selena para jantar com ele. Conhecia uma pequena trattoria perto do Campo de Fiori que preparava deliciosos antipasti e...
— Hoje à noite vou sair com o Charlie Punch — ela respondeu, balançando a cabeça.
— Hum... então quem sabe amanhã? Fico dois dias em Roma.
— Obrigada, mas... não! — recusou, antes de partir para uma gargalhada com seu cúmplice.
Justin empalideceu. Alguma coisa lhe escapava. Como aquela fulaninha podia preferir aquele medíocre a ele? Estudara oito anos para poder exercer uma profissão envolta em prestígio, que fascinava as pessoas. O outro tinha um trabalho de merda e fazia bicos por fora. Ele conquistou o céu, o outro recebia setecentos e noventa euros sem os descontos...
Para não perder completamente o rebolado, Justin se obrigou a pedir alguma coisa. Os dois pombinhos não haviam demorado para retomar a conversa em italiano. O cheiro hipnótico do café subiu-lhe à cabeça. Engoliu seu longo de uma vez e queimou a língua.
Paciência, vou pagar uma puta la da zona de San Lorenzo, pensou desiludido e perfeitamente ciente de que aquilo não apagaria a risada de Selena.
Desceu do banquinho e deixou o café com o rabo entre as pernas, esquecendo no balcão o livro com encadernação de couro e capa gótica...
***
AEROPORTO FIUMICINO
SEÇÃO DE ACHADOS E PERDIDOS
CINCO MINUTOS MAIS TARDE
— Sinto muito senhorita, ninguém nos trouxe seu livro — Selena comunicou a Ariana.
— Tem certeza? — perguntou a adolescente. — Era um livro muito importante para mim. Também continha algumas fotos e...
— Ouça, preencha uma ficha descrevendo da maneira mais precisa possível objeto extraviado, além do número de seu voo, e, caso alguém apareça com ele, telefonaremos imediatamente.
— Pois não — respondeu Ariana com tristeza.
Ela se dedicou a completar o formulário, mas em seu âmago uma vozinha lhe dizia que não voltaria a ver o estranho livro inacabado de Harry Styles e jamais provaria do suflê de chocolate da sra. Kaufman...
***
HOSPITAL MARIE CURIE
QUAI DE SEINE, PARIS
19h15
— Corinne, os resultados do sr. Donnelly! — berrou Jean-Baptiste Clouseau, abrindo a porta do consultório.
Ele surpreendeu meu olhar perplexo voltado para o telefone em sua mesa.
— Nunca entendi como funciona essa geringonça. É muita tecla! — resmungou, coçando a cabeça.
Aparentemente acontecia o mesmo com seu BlackBerry, de última geração, que piscava e vibrava a cada dois minutos sem que ele desse a mínima.
Emendada uma cirurgia na outra o dia todo e parecia menos “animado” que de manhã. Seu rosto esgotado sustentava olheiras, e a barba vigorosa dava a impressão de ter crescido meio centímetro em poucas horas.
A noite caía sobre Paris, mergulhando a sala na penumbra. Mas Clouseau não se deu ao trabalho de acender a luz. Limitou-se a apertar o botão central de um controle remoto que acionou uma imensa tela plana pendurada na parede, na qual, como em um slideshow, desfilou o resultado dos exames de Tommo.
O médico se aproximou do painel luminoso para comentar o primeiro documento:
— A análise sanguínea confirma a redução do número de plaquetas, o que justifica seu estado anêmico — explicou, mirando o rapaz através do prisma de seus estranhos óculos.
Apertou uma tecla para passar à imagem seguinte.
— Já o ecocardiograma evidenciou a presença de vários mixomas cardíacos.
— Mixomas? — preocupou-se Tommo.
— São tumores localizados no coração — esclareceu abruptamente Clouseau.
Aproximou-se mais uma vez da tela e apontou com o controle remoto para um detalhe da imagem que representava uma massa escura em forma de esfera.
— O primeiro tumor está localizado na aurícula direita. Tem forma clássica, com um pedúnculo curto de consistência gelatinosa. À primeira vista, parece benigno.
Deixou passar alguns segundos antes de se dedicar à outra chapa.
— O segundo tumor é mais preocupante — admitiu. — Apresenta tamanho incomum, cerca de dez centímetros, e forma fibrosa, rígida e filamentosa. Está encravado no nível do orifício mitral, e sua posição atrapalha a entrada do sangue rico em oxigênio na área esquerda do coração. É o que explica a falta de ar, a palidez e as síncopes, uma vez que o organismo não se encontra suficientemente irrigado.
Aproximei-me da imagem. O tumor tinha a forma de um cachorro de uvas preso na cavidade do coração por meio de filamentos. Não pude deixar de pensar nas raízes e fibras de madeira que transportam a seiva, como se uma árvore estivesse crescendo no coração de Tommo.
— Eu vou morrer, não é? — ele perguntou, com a voz trêmula.
— Considerando o volume do mixoma, se não o removermos o mais rápido possível, o rapaz corre efetivamente o risco de embolia arterial e morte súbita — afirmou Clouseau.
Apagou a tela, acendeu as luzes e voltou à sua poltrona.
— Trata-se de um tratamento cirúrgico com o coração aberto. Há riscos, naturalmente, mas no atual estado das coisas o maior risco seria ficar de braços cruzados.
— Quando pode me operar? — ele perguntou.
Com a sua voz de arauto, o médico chamou Corinne, a secretária, para que lhe trouxesse sua agenda, que já estava lotada, com cirurgias e intervenções programadas com um mês de antecedência. Eu temia que ele nos encaminhasse para um de seus colegas, mas, em nome da amizade com Aurora, aceitou adiar outro compromisso para operar Tommo em quinze dias.
Decididamente, eu tinha simpatia pelo homem.
***
De: [email protected]
Para: [email protected]
Data: 13 de setembro de 2009 22:57
Assunto: Trilogia dos anjos, volume 2
Prezado senhor,
Peguei diversas mensagens deixadas pelo senhor em meu celular, expressando sua vontade de comprar meu exemplar do livro de Harry Styles, de quem afirma ser agente e amigo. Além de o livro não estar à venda, informo-lhe que isso infelizmente o perdi durante um voo entre San Francisco e Roma e até o momento ele não foi entregue no setor de achados e perdidos do Aeroporto Fiumicino.
Esperando que receba essa e-mail, peço-lhe que Aceite meus sinceros cumprimentos.
Ariana Grande
***
ROMA
AEROPORTO FIUMICINO
CAFÉ DA VINCI’S
Os primeiros passageiros do voo Flyltalia procedente de Berlim começavam a desembargar. Entre eles, o famoso pintor e designer Luke Hemmings, que voltava de uma temporada na capital alemã. Passará três dias dando entrevistas, por ocasião de uma retrospectiva de sua obra organizada pelo Hambúrguer Bahnhof, museu de arte contemporânea da cidade. Ver suas telas penduradas ao lado das de Andy Warhol e Richard Long era uma espécie de consagração. O reconhecimento do trabalho de uma vida inteira.
Luke não perdeu tempo esperando a mala diante da estreia rolante circular. Detestava andar carregado e sempre viajava sem bagagem. No avião, mal tocara na comida, uma salada borrachuda, uma omelete nojenta e uma torta de pêssego dura como pedra.
Antes de pegar o carro, parou para comer alguma coisa no Da Vinci's. O café estava prestes a fechar, mas o gerente aceitou um último pedido.
Luke optou por um cappuccino e um sanduíche quente de muçarela, tomate e presunto italiano. Instalou-se no balcão para terminar a leitura de um artigo do La Repubblica que começara no avião. Quando largou o jornal para tomar um gole do café, notou um livro de couro azul esquecido pouco antes pelo piloto. Luke era adepto do bookcrossing*. Comprava muitos livros, mas não ficava com nenhum deles, preferindo abandoná-los em locais públicos para que outros usufruíssem da leitura. No início, achou que o romano tinha sido deixado ali voluntariamente, mas não havia nenhuma etiqueta na capa que indicasse isso.
**(O bookcrossing é um fenômeno que consiste em promover a circulação dos livros “soltando-os” em espaços públicos para que possam ser encontrados e lidos por outras pessoas, que por sua vez os liberarão em seguida)
Luke folheou o livro enquanto mastigava o sanduíche. Pouco afeito à literatura popular, nunca ouvira falar de Harry Styles, mas ficou desconcertado ao descobrir que o romance estava incompleto e que um de seus leitores usara as páginas em branco como álbum de fotografias.
Terminou seu lanche e saiu do café com seu achado debaixo do braço. No estacionamento no subsolo, dirigiu-se ao velho conversível DS bordô que arrematara em um leilão recente. Colocou o livro no banco do passageiro e rumou para a zona sudoeste da cidade.
Luke morava atrás da Piazza Santa Maria, no último andar de um edifício ocre, no pitoresco e colorido bairro do Trastevere. Um grande apartamento que transformara em loft e onde instalara seu ateliê. Assim que penetrou em seu covil, uma luz fria — a que ele necessitava para a elaboração de seus quadros — inundou o recinto. Luke diminuiu a luminosidade ajustando o interruptor. O local não dava a impressão de ser habitado de tanto que era despojado. Organizava-se em torno de uma imensa lareira central cercada de vidros abaulados. Havia estrados espalhados por toda parte, pincéis de tudo que é tamanho, rolos de pintor de parede, raspador de tanoeiro, facas de apicultor e dezenas de potes de tinta. Mas não havia nem berço, nem biblioteca, bem sofá, nem televisão.
Luke examinou suas últimas telas. Eram todas monocromáticas, variações em torno da cor branca com entalhes, sulcos, relevos e golpes de brocha que criavam efeitos de luz originais. Obras muito apreciadas que alcançavam cotações significativas junto aos colecionadores. Mas o pintor não era alienado. Sabia que o sucesso e o reconhecimento crítico não refletiam necessariamente talento. A época era tão saturada de consumo, poluída pelo barulho, pela velocidade e pelos objetos, que as pessoas tinham a impressão de adquirir uma espécie de purificação quando compravam seus quadros.
O pintor tirou o paletó e começou a folhear com emoção as páginas ornamentadas com as fotografias da vida de Ethel Kaufman.
Já fazia tempo que toda fantasia desaparecera de sua vida. Aquela noite, contudo, ele sentia uma vontade irresistível de comer suflê de chocolate....
Notas Finais
Demorei mas voltei
A quem não sabia mas eu estava doente e outras causas estavam acontecendo na minha vida....
Enfim, até o próximo ❤❤❤
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