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A Cidade dos Anjos

Hello!
Boa Leitura 🌈

————— T H E • P A P E R • BOY ————

que conta não são os socos que aplicamos, mas os que recebemos e enfrentamos para seguir adiantem 

— Randy Pausch 

CABO SAN LUCAS 

HOTEL LA PUERTA DEL PARAÍSO 

SUÍTE N° 12 

Uma luz matinal atravessava as cortinas. Tommo abriu um olho, reprimiu um bocejo se esticou preguiçosamente. O despertador digital marcava nove horas em ponto. Ele se revirou no colchão. A alguns metros de distância, em uma cama separada, Harry estava deitado, encolhido, mergulhador em um sono profundo. Exaustos e com a coluna em frangalhos, haviam chegado ao hotel no meio da noite. Considerando que a velha sooter de Troye dera o último suspiro cerca de dez quilômetros antes do destino final, foram obrigados a terminar a viagem a pé, insultando-se mutualmente durante as horas de caminhada que os separavam do balneário. 

De cueca e a blusa um pouco maior que seu corpo, Tommo pôs-se de pé e caminhou sorrateiramente até o sofá. Além das duas camas queen size, a suíte contava com uma lareira central e uma sala ampla cuja decoração mesclava mobiliário mexicano tradicional e gadgets tecnológicos: telas planas, leitores diversos, internet sem fio... Tiritando, o garoto pegou o casaco de Harry e o vestiu como uma capa antes de sair pela porta-balcão. 

Assim que botou os pés do lado de fora, ficou sem ar. Na noite da véspera, eles haviam se deitado no escuro, ainda irritados e completamente esgotados para gozar do espetáculo. Mas de manhã...

Tommo avançou pelo terraço banhado pelo sol. Dali, avistava a ponta da península da Baixa Califórnia, lugar mágico onde o oceano Pacífico se encontra o mar de Cortés. Já contemplara paisagem tão arrebatadora? Não que se lembrasse. Apoiou-se na balaustrada com um sorriso nos lábios e lantejoulas nos olhos. Com as montanhas ao fundo, cerca de cem casinhas se sucediam harmoniosamente ao longo da praia de areia branca banhada pelo mar cor de safira. O nome do hotel – La Puerta del Paraíso – prometia uma porta para o paraíso. Não havia como negar que não estava mesmo longe...

Ele aproximou o olho do telescópio no tripé destinado aos astrônomos amadores, mas, em vez de observar o céu e montanhas, apontou a luneta para a piscina do hotel. Imensos tanques transbordantes, em três níveis superpostos, desciam até a praia e pareciam confundir-se com o oceano. 

Instalados no meio da água, pequenos recifes privativos acolhiam o beatiful people que começava sua jornada de bronzeamento sob enormes guarda-sóis com o oceano. 

Com o olho grudado na lente, Tommo se extasiava. 

O sujeito com chapéu de vaqueiro ali, caramba, parece o Bono! E a loira alta com as crianças é a cara da Cláudia Schiffer! E a morena destroy, tatuada dos pés a cabeça e com um coque chucrute, meu Deus, é a...

Ele se divergiu desse jeito por alguns minutos, até que uma fresca brisa a levou a se abrigar em uma poltrona de vime. Esfregando os ombros para se aquecer, sentiu algo no bolso interno do casco. Era a carteira de Harry. Um modelo antiquado, bem espesso, de couro granulado e cantoneiras chanfradas. Curioso, abriu-a sem nenhum escrúpulo. Mas não era dinheiro que o interessava. Achou a fotografia de Aurore que vira na véspera e a virou, descobrindo uma caligrafia feminina:

Amar significa que você é o punhal com o qual me rasgo.

A


Ora bolas, uma citação que a pianista devia ter copiado de algum lugar. Um truque egocêntrico, bem perturbador e doloroso pra bancar a romântica gótica. 

Tommo guardou a foto e examinou o restante do conteúdo. Não era volumoso: cartão de crédito, passaporte, dois comprimidos de Advil. E só. Mas então o que era aquela protuberância na base de onde ficavam as cédulas? Inspecionou mais atentamente e descobriu uma espécie de forro costurado com linha grossa. 

Surpreso, tirou o grampo da franja que estava para trás e, com a ajuda do gancho, tentou soltar uma parte da costura. Depois sacudiu a carteira, e um objeto metálico brilhante caiu na palma da sua mão. 

Era um cartucho de uma arma de fogo. 

Bruscamente, as batidas de seu coração se aceleraram. Compreendendo que acabara de violar um segredo, recolocou às pressas o cartucho no fundo do forro. Sentiu então que havia outra coisa ali. Era uma velha foto polaroide amarelada e amolecida. Nela, via-se um jovem casal enlaçando diante de um portão e um conjunto de prédios de cimento. Reconheceu Harry sem dificuldade, calculando que ele não devia ter sequer vinte anos na época. O homem era ainda mais jovem, sem dúvida dezessete ou dezoito anos. Era um garoto bonito de tipo irlandês. Alto e esguio, tinha olhos claros magníficos, que resistiam na imagem apesar da qualidade ruim da foto. Pela pose, dava para notar que fora ele quem batera a foto segurando a câmera com uma das mãos. 

— Mas que beleza! 

Tommo ouviu a frase assustado. Ele se virou e...

* * * 


HOTEL LA PUERTA DEL PARAÍSO 

SUÍTE N° 24

— Mas que beleza! – gritou a voz. 

Com o olho grudado no telescópio, Liam percorria o corpo generoso de duas beldades seminuas que tomavam sol à beira da piscina quando Niall irrompeu no terraço. Ele levou um susto e voltou-se para o amigo, que o observava com severidade: 

— Não sei se você sabe, mas isso foi feito para observar Cassiopeia e Órion, não para praticar voyeurismo! 

— Talvez elas se chamem Cassiopeia e Órion – disse ele, apontando com o queixo as duas desinibidas. 

— Se você está se achando engraçado...

— Escute, Niall, você não é meu marido e muito menos meu pai! Aliás, antes de tudo, como entrou no meu quarto? 

— Sou um detetive, meu velho! Se você acha que uma portinha de quarto de hotel vai me criar problema... – disse ele, jogando uma bolsa de lona numa das cadeiras de vime. 

— Pois eu chamo isso de violação de propriedade privada! 

— Ótimo, chame a polícia. 

— Você também está se achando engraçado? 

Irritado, Liam sacudiu os ombros e mudou de assunto: 

— Na verdade, dei uma checada na recepção. Harry deu mesmo entrada no hotel com o “amigo”. 

— Eu sei, fiz minhas buscas: suíte 12, duas camas. 

— Isso tranquiliza você, as duas camas? 

Niall suspirou: 

— Quando quer, você consegue mais idiota que uma vassoura sem cerdas...

— E em relação a Aurore? Fez suas buscas também? 

— Óbvio! – ele respondeu, aproximando-se por sua vez do telescópio para apontar a luneta na direção da praia. 

Observou por alguns segundos a vasta extensão de areia fina lambida por ondas transparentes. 

— E, se minhas informações estiverem exatas, neste instante a Aurore deveria estar... justamente aqui. 

Ele deixou a luneta para que Liam pudesse olhar. 

De fato, próxima à praia, em um maiô sexy, a bela Aurore andava de jet ski na companhia de Zayn Malik. 

— Nossa que sujeitinho feio, não? – pergunto Niall, retomando o posto de observação. 

— É mesmo? Você... você acha? 

— Brincadeira! Viu os ombros enormes e o peito de atleta? Esse cara tem rosto de ator e físico de deus grego! 

— Bom, agora chega! – resmungou Liam, empurrando Niall para retomar o controle do telescópio. — Eu achava que isso servia para azarar Órion e Cassiopeia...

Niall deixou escapar um sorriso, enquanto Liam procurava uma nova vítima para conferir. 

— A morena animadíssima siliconada e com coque rock'n roll é...

— Sim, é ela! – interrompeu Niall. — Mudando de assunto, quando você acabar de se divertir, pode me dizer como vamos pagar a conta do hotel? 

— Não faço a menor ideia – confessou Liam com tristeza. 

Ele tirou os olhos do brinquedo e removeu a bolsa de lona da cadeira para se sentar diante de Niall. 

— Esse troço pesa uma tonelada. O que tem dentro? 

— Uma coisa que eu trouxe para Harry. 

Ele franziu o cenho, incitando-o a se explicar. 

— Fui até a casa dele ontem de manhã, antes de passar na sua casa. Queria revisar o lugar para descobrir outras pistas. Subi até o quarto e imagine você que o quadro de Chagall havia desaparecido! 

— Merda...

— Você sabia que ele tinha um cofre escondido atrás dela? 

— Não. 

Por um momento Liam voltou a ter esperança. Talvez Harry tivesse algumas economias escondidas que lhes permitissem pagar parte das dívidas. 

— Eu estava intrigado e não pude deixar de tentar algumas combinações. 

— E conseguiu abrir o cofre – Liam adivinhou. 

— Consegui, com a senha 01021994. 

— E como pensou nisso?  – Liam ironizou. 

Niall não notou o sarcasmo. 

— É simplesmente a data do vigésimo aniversário dele: 01 de Fevereiro de 1994. 

Ao ouvir isso, Liam franziu a sobrancelha e resmungou a meia-voz: 

— Na época eu não estava com vocês, estava? 

— Não... você estava preso. 

Um anjo passou e dardejou algumas flechas melancólicas no coração de Liam. Os fantasmas e demônios continuavam ali, prontos para emergir assim que ele baixasse a guarda. Em sua cabeça, imagens contrastadas se alinharam: a do hotel de luxo da sórdida prisão. O paraíso dos ricos e o inferno dos pobres...

Quinze anos antes, passara nove meses na penitenciária masculina de Chino. Uma longa travessia na escuridão. Uma catarse dolorosa que marcar o fim dos seus anos terríveis. Desde então, apesar de todos os esforços que fez para se reconstruir, a vida para ele avançava, e seu passado, uma granada sem trava que poderia lhe explodir na cara a qualquer momento. 

Piscou várias vezes para não se perder naquelas devastadoras recordações. 

— E aí, o que havia no cofre? – perguntou, com a voz neutra. 

— O presente que dei a ele em seu aniversário de vinte anos. 

— Posso ver? 

Ele concordou com a cabeça. 

Liam pegou a bolsa e a pousou sobre a mesa antes de abrir o zíper. 

* * * 


SUÍTE N° 12 

— Que negócio é esse de meter o focinho nas minhas coisas? – gritei, arrancando minha carteira das mãos de Tommo. 

— Não fique nervoso. 

Eu emergia com dificuldade de um estado de quase coma. Minha boca estava dormente, sentia cãibras pelo corpo todo, com uma dor horrível no tornozelo e a desagradável sensação de ter passado a noite em uma máquina de lavar. 

— Detesto gente enxerida! Você tem mesmo todos os defeitos do mundo! 

— Ah, tudo bem, e de quem é mesmo a culpa? 

— Privacidade é muito importante! Sei que você nunca abriu um livro, mas quando chegar lá dê uma espiada em Soljenítsin. Ele escreveu uma coisa certíssima: “Nossa liberdade é construída sobre o que o outro ignora a respeito de nossa vida”. 

— Eu queria justamente estabelecer o equilíbrio – ele se defendeu. 

— Que equilíbrio? 

— Você conhece minha vida de ponta a ponta... É normal que eu fique um pouco curioso pela sua, não? 

— Não, não é normal! Aliás, nada é normal. Você nunca deveria ter deixado seu mundo de ficção, e eu não deveria estar aqui com você nessa viagem. 

— Decididamente, esta manhã você está tão adorável quanto um leão de chácara. 

Só posso estar sonhando... Ele está me repreendendo! 

— Preste atenção: você pode até ter a habilidade de inverter a situação ao seu favor, mas isso não funciona comigo. 

— Quem é esse garoto? – ele perguntou, apontando a polaroide. 

— É o irmão do papa, gostou da resposta? 

— Não é fraca. Nem em seus livros você ousaria utilizá-la. 

Que petulância! 

— É Niall, meu amigo de infância. 

— E por que guarda a foto dele como uma relíquia em sua carteira? 

Dirigi-lhe um olhar fúnebre e desdenhoso. 

— Quer saber, dane-se! – ele explodiu, saindo do terraço. – Aliás, estou me lixando para o seu Niall. 

Pousei os olhos na fotografia que tinha nas mãos, amarelada com a borda branca. Anos antes, eu a costurar na carteira, mas nunca mais pusera os olhos nela. 

Lentamente as lembranças voltaram à tona. Minha mente ficou confusa e me transportou para dezesseis anos atrás, com Niall em meus braços me pedindo: 

— Stop. Agora não se mexa, Harry! Cheeeeese! 

Clique, zzzzzzz. Mas uma vez, tive a impressão de ouvir o barulho característico da fotografia instantânea saindo da boca do aparelho. 

Eu me vi mais uma vez agarrando a foto expelida, enquanto ele me advertia: 

— Ei! Cuidado para não colocar os dedos em cima, deixe secar! 

Eu o vi mais uma vez correndo atrás de mim enquanto eu sacudia a imagem para acelerar o processo. 

— Mostre! Mostre! 

Depois, aqueles três minutos de expectativa mágica, durante os quais ele se apoiou em meu ombro espreitando a progressiva aparição da imagem sobre a película e sua gargalhando ao descobrir o resultando! 

* * * 


Tommo colocou uma bandeja de café da manhã sobre a mesa de teca. 

— Ok – ele admitiu — , eu não devia ter bisbilhando suas coisas. Concordo com o seu Soje-sei-lá-o-quê: todo mundo tem direito a segredos. 

Eu havia me acalmado e ele tinha amansado. Ele me serviu uma xícara de café, eu passei manteiga em uma torrada para ele. 

— O que aconteceu nesse dia? – ele insistiu, no fim de um instante. 

Mas não havia vontade de invasão ou curiosidade doentia em sua voz. Talvez ele simplesmente tivesse percebido que, apesar das aparências, eu precisava lhe contar esse episódio de minha vida. 

— Foi no dia do meu aniversário – comecei. — De vinte anos...

* * * 


LOS ANGELES

MACARTHUR PARK 

01 DE FEVEREIRO DE 1994 

O calor neste verão está insuportável. Esmaga tudo e faz a cidade ferver com chaleira. Na quadra de basquete, o sol deformou de piche, mas isso não impede uma dezenas de caras sem camisa de se sentirem o próprio Magic Johnson fazendo cesta atrás de cesta. 

— Hey, Mr. Freak!* Quer mostrar o que você sabe fazer? 

(Freak: esquisito)**

Eu nem dou bola. Aliás, nem ouço. Pus no volume máximo o som do meu walkman. O suficiente para que a batida dos beats e o peso dos baixos encubaram os insultos. Contorno a grade até a entrada do estacionamento, onde uma árvore solitária e ainda com folhas oferece uma pequena superfície sombreada. Não é como uma biblioteca climatizada, mas é melhor que nada para ler um livro. Eu me sento no capim seco, recostado no tronco. 

Protegido pela música, estou em minha bolha. Dou uma olhada no relógio: uma da tarde. Ainda tenho meia hora antes de pegar o ônibus para Venice Beach, onde vendo sovertes no calçadão. Dá para ler algumas páginas da eclética seleção de livros recomendados pela srta. Miller, uma jovem professora de literatura da faculdade, brilhante e iconoclasta, com quem simpatizei. Em minha mochila coabitam Rei Lear, de Shakespeare, A peste, de Albert Camus, À sombra do vulcão, de Malcom Lowry, e as mil e oitocentos páginas dos quatro volumes Quarteto de Los Angeles, de James Ellroy. 

No meu walkman, as letras melancólicas do último do R.E.M. Muito rap também. São os grandes anos da West Coast: o flow de Dr. Dre, o gangsta-funk de Snoop Doggy Dogg e a ira de Tupac. Amo e odeio ao mesmo tempo essa música. É verdade que quase sempre as letras não voam muito alto: apologia à maconha, palavrões dirigidos para a polícia, sexo explícito, elogio à lei das armas e dos carrões. Mas pelo menos falam do nosso cotidiano e de tudo que nos cerca: a rua, o gueto, a falta de esperança, a guerra entre gangues, a brutalidade dos policiais e as garotas que engravidam aos quinze anos e têm filhos na privada escola. E, tanto nas canções como na s conjuntos habitacionais, a droga é onipresente e explica tudo: o poder, a grana, a violência e a morte. E depois os rappers dão a impressão de viverem como nós: coçam o saco no porão dos prédios, trocam tiros com a polícia e terminam na cadeia ou no hospital, isso quando não são simplesmente mortos na rua. 

De longe, vejo Niall vindo em minha direção. Ele usa uma camisa cavada amarela, short jeans claro, velhos vans pretos e óculos escuros na cabeça, quando os raios de sol, frisavam os seus fios loiros dele, pelo jogo das transparências, lhe confere um aspecto leve. 

Na verdade, não faz muito seu gênero. A maior parte do tempo, como muitos garotos do bairro, ele esconde sua masculinidade debaixo de agasalhos, suéteres com capuz, camisetas extra grandes ou calções de basquete três vezes maiores que ele. Carregando uma estufada sacola esportiva, ele passa pelos delinquentes, indiferentes às zombarias ou às infelizes observações, para se juntar a mim em minha “ilha verde”. 

— Oi, Harry. 

— Oi – respondo, tirando os fones de ouvido. 

— O que você está ouvindo? 

Somos amigos há dez anos. Exceto por Liam, Niall é minha única amizade. A única pessoa (tirando a srta. Miller) com quem tenho conversas de verdade. O laço que nos une é singular. É ainda mais forte do que se ele fosse meu irmão. Mais forte do que se fosse meu namorado. Ele é “outra coisa”, que tenho dificuldade de nomear. 

Faz muito tempo que nos conhecemos, mas de quatro anos para cá alguma coisa mudou. Um dia, descobri que o inferno e o horror moravam na casa ao lado, a apenas dez metros do meu quarto. Que o garoto que de manhã eu encontrava na sacada morto por dentro. Que algumas noites, reduzida ao estado de objeto, ele sofria uma martírio pavoroso. Que alguém sugara seu sangue, sua vida, sua seiva. 

Eu não sabia o que fazer para ajudá-lo. Eu era um solitário. Tinha dezesseis anos, nenhum dinheiro, sem turma, sem arma, sem músculos. Apenas cérebro e vontade, o que não é suficiente para enfrentar a humilhação. 

Então fiz o que pude, respeitando o que ele me pedira. Não contei a ninguém e inventei uma história para ele. Uma história sem fim que acompanhava o itinerário de Tommy – um adolescente igualzinho a ele – e Raphael, um anjo da guarda que zelava pelo garoto desde a infância. 

Durante dois anos, vi Niall quase que diariamente, e cada novo dia significava a promessa de uma nova reviravolta em minha história. Ele dizia que aquela ficção lhe servia de escudo para enfrentar as provações da vida. Que meus personagens e suas aventuras projetavam em um mundo imaginário que o consolava da realidade. 

Ao mesmo tempo em que me culpava por não poder ajudar Niall de outra forma, eu passava cada vez mais tempo imaginando as aventuras de Tommy. Dediquei-lhe quase todo o meu tempo livre, criando um universo com cenários em cinemascope numa Los Angeles misteriosa e romântica. Eu me instruía, procurava livro sobre mitos, devorava antigos tratados de magia. Passei sucessivas noites engendrando personagens múltiplos que, por sua vez, enfrentavam seu lado de sombra e sofrimento. 

Ao longo dos meses, minha história foi ganhando amplitude, passando de conto de fadas sobrenatural a romance de formação, até se transformar em verdadeira odisseia. Coloquei todo o meu coração nessa história, tudo o que havia de melhor em mim, sem desconfiar que quinze anos mais tarde, ela me tornaria famoso e seria lida por milhões de pessoas. 

Eis por que quase não dou entrevista hoje em dia, por que evito os jornalistas a todo custo. Porque a gênese da Trilogia dos anjos é um segredo que só dividirei com uma pessoa no mundo. 

— Então, o que você está ouvindo? 

Nesse momento, Niall tem dezessete anos. Sorri, está bonito, forte, recuperou a vontade de viver e faz planos. E sei que pensa que deve isso a mim. 

— Uma regravação do Prince feita pela Sinéad O'Connor, você não conhece. 

— Você está de brincadeira! Todo mundo conhece “Nothing Compares 2U”! 

Ele está de pé. Sua silhueta estérea se destaca em meio ao céu de fevereiro. 

— Quer ver Forrest Gump no Cinerama Dome? Estreou ontem. Parece que não é ruim...

— Legal... – respondo, sem entusiasmo. 

— Podemos pegar Feitiço do tempo  na locadora ou ver umas fitas de Arquivo X. 

— Não posso, Niall, tenha que trabalhar hoje à tarde. 

— Então... – ele começa. 

Misteriosamente, vasculha a bolsa esportiva e tira uma lata de Coca, que sacode como se fosse champanhe. 

— ... temos que comemorar seu aniversário imediatamente. 

Antes que eu emita qualquer protesto, ele puxa a lingueta e me rega copiosamente no peito e no rosto. 

— Pare! Ficou maluco por acaso? 

— Calma, é light, não mancha. 

— Você que pensa! 

Eu me enxugo, fingindo estar zangado. Seu sorriso e seu bom humor dão gosto de ver. 

— Como ninguém faz vinte anos todo dia, fiz questão de lhe dar um presente especial – ele anuncia com certa solenidade. 

Mais uma vez ele se debruça sobre a bolsa e me estende um grande embrulho. Vejo logo que se trata de uma embalagem para presente e que vem de uma loja “de verdade”. Ao segurá-lo, percebo que pesa de fato o que aparenta e fico um pouco sem graça. Assim como eu, Niall não tem um tostão furado. Vive de bico em bico, mas suas poucas economias vão quase todas para o pagamento dos estudos. 

— Abra, seu bobo! Vai ficar aí plantado com o treco nas mãos! 

Na caixa de papelão, há um objeto inacessível. Uma espécie de Graal para o escritor que sou. Melhor que a caneta de Charles Dickens ou a máquina de escrever Royal de Hemingway: um PowerBook 540c, o suprassumo dos laptops. Nos últimos dois meses, sempre que passo diante da vitrine do Computer's Club, não posso deixar de parar para admirá-lo. Conheço suas características de cor: processador de 33 MHz, disco rígido de 500 MB, tela de LCD cor matricial ativa, modem, bateria com três horas e meia de autonomia, primeira máquina a incorporar um trackpad. Uma ferramenta de trabalho sem igual, pesando pouco mais de três quilos e custando... cinco mil dólares. 

— Não posso aceitar – digo. 

— Acho que você pode. 

Fico emocionado, e ele também. Seus olhos brilham e, com certeza, os meus também. 

— Isso não é um presente, Harry, é uma responsabilidade. 

— Não entendo. 

— Quero que um dia você escreva a história de Tommy e de A companhia dos Anjos. Quero que essa história ajude outras pessoas, como me ajudou. 

— Mas posso escrevê-la com papel e caneta! 

— Talvez, mas aceitando o presente você assume um compromisso. Um compromisso comigo. 

Não sei o que dizer. 

— Onde você arranjou o dinheiro, Niall? 

— Não se preocupe, eu dei um jeito. 

Então, alguns segundo se passam, durante os quais ninguém fala nada. Morro de vontade de apertá-lo em meus braços, talvez mesmo de beijá-lo, talvez até de dizer que o amo. Mas nem ele nem eu estamos prontos para isso. Então, simplesmente lhe prometo que um dia escrevia aquela história para ele. 

A fim de dissipar nossa emoção, ele pega um último objeto em sua bolsa: uma velha câmera Polaroid, que pertence a Black Mamma. Ele me agarra pela cintura, levanta o aparelho na ponta dos dedos e me pede, fazendo pose: 

— Stop! Não se mexa, Harry! Cheeeeese

* * * 

HOTEL LA PUERTA DEL PARAÍSO 

SUÍTE N°12 

— Uau... Esse Niall é um garoto engraçado... – murmurou Tommo, enquanto eu terminava meu relato. 

Seus olhos passavam ternura e humanidade, e parecia que era a primeira vez que ele me via. 

— O que aconteceu com ele? 

— Virou policial – eu disse, tomando um gole do café já frio. 

— E o computador? 

— Está na minha casa, num cofre. Foi nele que escrevi os primeiros rascunhos da Trilogia dos anjos. Como você vê, eu cumpri a minha promessa. 

Ele negou a me conceder essa satisfação. 

— Terá cumprido depois de escrever o terceiro volume. Há coisas fáceis de começar, mas só adquirem sentindo quando terminadas. 

Eu ia lhe pedir para parar com suas frases irrevogáveis, quando bateram à porta. 

Abri desavisadamente, certo de que era o serviço de quarto ou a arrumadeira, mas em vez disso...

Todos nós vivemos esse tipo de experiência: momentos de graça que parecem orquestrados por um arquiteto celestial, capaz de costurar, entre as criaturas e as coisas, pontos invisíveis e nos trazer exatamente aquilo que precisamos no momento exato que precisamos. 

— Olá – disse Niall. 

— Salve, meu velho! – foi a saudação de Liam. — Que bom te encontrar.

Notas Finais

Desculpem os erros :-( 
Momento Larry no próximo ♥ 
P.S. que é o meu capitulo preferido e vocês vão entender ;-) 

XO XO 
All the Love, A.

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