- 𝒄𝒉𝒂𝒑𝒕𝒆𝒓 39
── Chegando a esta hora?
ASSIM QUE ABRI A PORTA e entrei na casa, ela estava escura, não se via nada, apenas a voz de Roger e seus passos, arrepiante, parecia que eu estava em um filme de terror. Procurei o interruptor colando as mãos nas paredes, até que o achei e acendi a luz da sala. Roger estava de pé, virado para mim. Ignorei-o e fui até a cozinha pegar uma água na geladeira. Ouvi seus passos me seguindo, mas continuei fazendo o que eu queria, que era apenas beber água.
── Não vai falar nada? Ou você acha bonito chegar nesse horário, uma e meia da manhã? ── Roger dizia e eu só escutava sua voz atrás de mim.
Virei-me para ele, fechando a geladeira, e respirei fundo antes de dizer qualquer palavra. Não queria ser grossa, mas também não queria ser boazinha. Mas, ao mesmo tempo que eu conseguia entender Roger, eu não conseguia. Eu já tenho vinte e três anos de idade. Para que ficar se intrometendo na minha vida desse jeito? Até no meu relacionamento ele quer se intrometer. Eu poderia dar um basta nisso, mas preferi me acalmar.
── Eu já sou maior de idade, pai. Posso sair e voltar na hora que eu quiser. ── Falei, dando um gole de água.
── E trabalho que é bom, nada, né? ── Roger falou, fazendo meu corpo se encher de raiva. Mas me controlei, respirando fundo.
── Você acha que é fácil arrumar trabalho? Pelo menos eu ganho algum dinheiro na internet. Já você, fala de mim e faz pior. ── Falei e percebi a fúria de Roger.
── Você só ganha dinheiro na internet por ser ex-namorada do Tom. Se não fosse por isso, você não ganharia nada. Você prefere ser conhecida na rua por ser ex de alguém ou por ser Tatiane Smith?
Nessa, Roger ganhou um ponto. Eu realmente só era conhecida por ser ex do Tom. Não queria ser reconhecida por isso e sim pelo meu nome. Sobre eu estar desempregada, eu não posso fazer nada. Quero arrumar um emprego logo. Já enviei meu currículo para várias lanchonetes daqui de perto. Só faltava a ligação dizendo que eu estou contratada em uma delas.
── E você, prefere trabalhar ou ser sustentado pela sua própria filha que você tanto humilha? ── Falei, deixando o copo na pia e indo em direção ao meu quarto.
Entrei no quarto e me deitei na cama, abraçada com um travesseiro, enquanto lágrimas começavam a escorrer do meu rosto. Por que minha vida é cheia de problemas e a maioria deles envolve Roger? Eu vou ter paz nessa vida só quando eu morrer? Será que alguém vai sentir minha falta se isso acontecer? Eu acho que não, porque parece que o problema sou eu e nunca as pessoas. O que tem de errado comigo? O que? Será que alguém consegue responder essa pergunta?
── Filha? ── Escutei a voz de Roger e a porta do quarto sendo aberta. Limpei as lágrimas do rosto rapidamente enquanto o homem entrava no cômodo.
── NÃO ME CHAME ASSIM! ── Gritei e Roger se aproximou de mim lentamente.
── Meu amor, eu falei aquelas coisas porque eu me preocupo com você. Você sai sem avisar. Vai que acontece um acidente com você novamente? E sobre o emprego, eu não estou errado, estou? Você realmente precisa arrumar um emprego para se sustentar! ── Roger disse enquanto acariciava meu rosto.
── EU SEMPRE TENTO TE AGRADAR, SEMPRE TENTO SER A FILHA PERFEITA. MAS QUANDO COMETO UM ERRO, UM SÓ, VOCÊ ME TRATA COMO LIXO. EU NUNCA TIVE O AMOR DA MINHA MÃE. NUNCA NEM SEQUER VI MEU PAI VERDADEIRO E ACREDITO QUE ELE NEM SE LEMBRA DA MINHA EXISTÊNCIA. POR QUE VOCÊ NUNCA SE COLOCA NO MEU LUGAR? POR QUE VOCÊ NUNCA ME ENTENDE? ACHO QUE VOCÊ ME CONSIDERAVA SUA FILHA SÓ QUANDO EU ERA PEQUENA. PORQUE HOJE EM DIA VOCÊ SÓ ME TRATA COMO UM SER HUMANO NÃO QUER SER TRATADO!
Eu elevei a voz e creio que desmontei os argumentos do homem, que permaneceu em silêncio por alguns minutos, acariciando apenas a minha nuca. Em seguida, ele se levantou e se sentou em um pequeno banco em frente à minha cama.
── Não desejo entrar em conflito com você, apenas quero protegê-la. ── Roger falou docemente enquanto eu engolia em seco e enxugava as minhas lágrimas.
── Mas eu não necessito da proteção de ninguém, sei me defender muito bem sozinha.
Roger não proferiu mais nenhuma palavra depois disso, ele apenas se calou e saiu do quarto discretamente. Confesso que senti pena dele, ele saiu tristonho e de cabeça baixa. Penso que fui dura demais, até cogitei em ir atrás dele, mas não quis gerar mais atritos entre nós. Então, apenas continuei deitada, sem descer para jantar e fui fechando os olhos devagar, até adormecer.
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No amanhecer do dia seguinte, Simone preparava a mesa para o café da manhã com a ajuda de Gustav. O sol brilhava no céu azul e os pássaros cantavam nas árvores. O aroma do café recém-coado se espalhava pela cozinha, quando Bill apareceu animado.
─ Bom dia, mãe! Bom dia, Gustav! O que temos para o café hoje? ─ ele perguntou animado enquanto se sentava à mesa de madeira.
─ Bastante coisa, meu filho. Temos pão fresquinho que eu mesma fiz ontem à noite, frutas da estação que comprei na feira, café quentinho com leite, cereais integrais com iogurte natural e várias outras delícias. Mas para o almoço está faltando muita coisa. Vocês precisam fazer compras! ─ Simone disse carinhosamente enquanto se sentava à mesa e se servia de uma fatia de melancia.
─ Quando todo mundo tiver tomado o café da manhã, a gente poderá ir ao mercado. O que vocês acham? ─ Gustav concordou enquanto se acomodava junto à Simone e pegava um pedaço de pão.
─ Sim, com certeza! ─ Bill disse entusiasmado enquanto comia uma torrada com geleia de morango.
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Tom estava dormindo profundamente quando foi acordado por um barulho na porta do seu quarto. Ele abriu os olhos lentamente e viu Georg, parado na frente da sua cama com um sorriso no rosto.
── Bom dia, Tom! Você já acordou? ── Georg perguntou animadamente. ──Você não sente o aroma delicioso do café da manhã que provavelmente sua mãe preparou? ── falou Georg animado
──Bom dia, Georg. ──Tom respondeu sonolento. ── Eu acabei de acordar agora. Estou com fome, mas também com sono. ── Ele disse, bocejando e se espreguiçando.
── Vamos, levante-se! ── Georg insistiu. ── Lembra que hoje a Tati vai vim aqui? ── Ele comentou.
─ Tudo bem, tudo bem. ─ Tom concordou, sentando-se na cama e esfregando os olhos. ─ Eu vou lavar o meu rosto e escovar os dentes. Daqui a pouco eu te encontro na cozinha. ─ Ele prometeu.
Georg assentiu e saiu do quarto, deixando Tom sozinho. Tom se levantou da cama e caminhou até o banheiro. Ele abriu a torneira e molhou o rosto com água fria, tentando despertar completamente. Ele pegou a sua escova de dentes e começou a higienizar a sua boca, pensando no que o dia lhe reservava.
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Tatiane exibia uma elegância discreta com o seu vestido preto que realçava as suas curvas. Ela passava delicadamente a escova pelos seus cabelos castanhos, que brilhavam à luz e formavam ondas suaves sobre os seus ombros. Ela se sentia confiante e bonita, pronta para encontrar com Bill.
Eu liguei para o Bill para saber como ele estava e se podia me encontrar. Ele atendeu com uma voz animada:
── Oi, Tati, tudo bem? Estou terminando o café da manhã agora, mas se você quiser vir pra cá, pode vir. Daqui a pouco vamos ao mercado.
── Tudo bem, Bill. Eu já estou saindo de casa. Só vou esperar o Uber e já chego aí.
Desliguei o telefone e peguei minha bolsa preta, eu estava ansiosa para ver o Bill e passar um tempo com ele.
Passei pela sala e Roger estava lá, ele já havia tomado café da manhã junto comigo, a gente não trocou nenhuma palavra durante a refeição, o clima estava estranho entre nós, queria mudar isso, mas ele não colabora. Ele me olhava com uma expressão de desaprovação, como se eu fosse uma estranha em sua casa. Eu não aguentava mais essa situação, eu precisava sair dali, respirar um pouco de ar fresco, me distrair com alguma coisa.
── Vai aonde? ── Roger perguntou sentado no sofá enquanto me via abrir a porta da sala. Sua voz era fria e autoritária, como se ele tivesse o direito de controlar os meus passos.
E novamente pensei antes de falar, como estava de saída, não queria me estressar ou arrumar briga com Roger, eu me virei pra ele fechando os olhos e respirando fundo e falei o que ele tinha que ouvir.
── E por acaso eu te devo satisfações? Já falei e não queria repetir, eu não sou nenhuma criança para você querer saber a hora que eu vou voltar, com quem eu vou estar e onde eu irei. ── Falei com firmeza, fazendo Roger se levantar e se aproximar de mim. Ele parecia irritado e surpreso com a minha atitude.
── Tatiane... ── Roger murmurou, tentando amenizar o tom da conversa. Ele estendeu a mão para tocar no meu rosto, mas eu recuei.
── É o meu nome e esse é o meu jeito! ── Falei me virando de costas para ele quando o homem agarrou um dos meus braços firmemente.
── Você está muito abusada! ── disse Roger enquanto eu me soltava. Ele estava furioso com a minha reação, ele não esperava que eu fosse tão desafiadora.
── Eu tento não brigar com você, mas você sempre tira minha paciência, eu cansei! ── Falei e segui pro quarto. Eu não queria mais ouvir as suas reclamações, as suas cobranças, as suas exigências.
── Aonde você vai? Não iria sair? ── Roger perguntou indo atrás de mim. Ele não me deixava em paz, ele queria me impedir de fazer as minhas escolhas.
── E eu vou, vou sair daqui pra sempre! Pra nunca mais ter que discutir com você e olhar nessa sua cara! ── Falei adentrando no quarto e indo direto ao meu guarda roupa. Eu estava decidida a pegar as minhas coisas e ir embora. Eu não suportava mais viver naquela casa, naquela rotina e com Roger.
Roger me olhava enquanto eu tirava a mala de cima do guarda roupa e colocava em cima da cama, em seguida peguei algumas peças de roupas e joguei dentro da mala. Ele estava perplexo com a minha atitude, ele não acreditava que eu fosse capaz de abandoná-lo.
── Você está dizendo que vai embora daqui? ── Roger perguntou, tentando me fazer mudar de ideia.
── Sim. ── Falei seca enquanto guardava alguns objetos e documentos importantes. Eu não tinha mais nada a dizer a ele, eu só queria ir embora o mais rápido possível.
── E quem vai fazer as compras do mês? ── Roger perguntou enquanto eu olhei para ele séria. Ele estava sendo ridículo, ele só se preocupava com as coisas materiais.
── Não sei, você não é o fodão? ── Falei ironicamente. Eu fechei a mala e peguei na mão, pronta para sair do quarto.
Roger ficou parado na porta, sem saber o que fazer. Ele viu que eu estava determinada a ir embora, que eu não voltaria atrás. Ele sentiu um aperto no peito, uma dor no coração.
Peguei a minha mala e caminhei em direção à porta do quarto, ignorando os apelos de Roger. Ele me implorava para ficar, dizendo que mudaria, que pararia de querer controlar tudo que eu faço e que faria de tudo para me fazer feliz.
Eu não sabia para onde iria, mas sabia que não podia ficar naquela casa. Abri a porta da sala e parei por um instante. Olhei para Roger, que estava parado no meio da sala, com os olhos vermelhos e inchados de tanto chorar. Ele me olhava com uma mistura de desespero e esperança, como se ainda tivesse alguma chance de me convencer a ficar.
── Não adianta correr atrás de mim ── eu disse com firmeza ── E sim, eu te perdoo por tudo. Se tem uma coisa que eu não gosto, é guardar rancor de alguém, por mais malvada que essa pessoa seja. Mas enfim, até algum dia, Roger.
Eu vi as lágrimas escorrerem pelo rosto dele, mas não senti pena. Virei as costas e caminhei em direção à porta da rua.
── E se um dia você se casar e ter filhos, eu não vou poder conhecer meus netinhos ou até mesmo ir no seu casamento? ── ele perguntou com voz trêmula.
Eu parei e me virei para ele novamente. Ele estava tentando fazer com que eu não ficasse chateada com ele e que possamos nos encontrar algum dia, novamente.
── Eu vou pensar no seu caso ── eu respondi secamente.
Me virei de costas para ele pela última vez e abri a porta da rua. Foi então que eu escutei um grito arrepiador vindo de dentro da casa. Era Roger, que tinha se ajoelhado no chão e soltado um berro de dor e de raiva. Eu dei uma espiada de canto e vi a cena patética dele se contorcendo no chão.
Até algum dia, Roger ── Falei baixinho com um sorriso amargo nos lábios.
E saí da casa sem olhar para trás.
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Depois de algumas horas, a campainha da casa tocou. Bill correu para atender a porta, animado com a possibilidade de ser Tatiane, ele abriu a porta e se deparou com ela, que estava com uma mala grande e pesada. Ele não teve tempo de perguntar nada, pois ela o abraçou em seguida, com um misto de alegria e tristeza.
── Você veio passar um dia aqui ou morar com a gente? ── Tom disse seriamente deitado no sofá da sala.
── Não liga para ele, entra. ── Bill disse, ignorando o comentário ácido do irmão. Ele pegou a mala de Tatiane e a levou para dentro da casa, enquanto ela o seguia.
── Oi Tati!! ── Georg cumprimentou ela, enquanto comia alguns biscoitos na cozinha.
── Oii Georg!! ── Tatiane o cumprimentou de volta, com um sorriso forçado.
── Pra que você veio com essa mala? Não era mais fácil trazer só uma mochila? Ou nem isso, por que pelo que eu me lembre você iria passar um tempo com Bill e depois ir embora. ── Gustav disse sentado na mesa de jantar.
── Esse realmente era o combinado, mas acabei discutindo com Roger e sem pensar duas vezes, fui embora de vez. ── Tatiane falou, baixando os olhos.
── Você foi embora da sua casa pra sempre? ── Tom perguntou curioso e se levantando do sofá. Ele queria saber mais detalhes sobre a situação de Tatiane.
── Sim, cadê a Simone? ── Tatiane perguntou mudando de assunto.
── Deve estar no banheiro. ── Gustav respondeu.
── E você tem onde ficar? ── Tom disse voltando no assunto.
── Não, mas logo logo terei. ── Tatiane falou seriamente.
── Então fica aqui por um tempo, assim como nossa mãe. ── Bill disse, abraçando Tatiane pela cintura.
── Não, já tem bastante gente nessa casa, não quero incomodar vocês, ainda mais que sou uma desempregada. ── Tatiane falou se sentando no sofá. Ela não queria ser um peso para ninguém e tinha vergonha da sua situação.
── Ah para com isso, Tati, você sempre será bem vinda aqui, fica vai! ── Bill implorou com uma carinha fofa e Tatiane não resistiu.
── Tá bom, mas não quero dar trabalho e prometo arrumar um emprego, falando nisso, eu enviei meu currículo há um bom tempo para uma lanchonete e até agora nada! ── Tatiane falou e Bill se aproximou dela, beijando seu rosto.
── Não se preocupe, tudo vai se resolver, você vai ver. ── Bill disse, tentando animá-la.
── É, tomara. ── Tatiane disse, suspirando.
Simone entrou na sala com um sorriso radiante, ela viu Tati e se alegrou mais ainda.
── Cadê a minha nora maravilhosa!── Falei enquanto mantia um sorriso no rosto.
Tatiane se levantou correndo e foi me abraçar.
── Oii tia, que bom te rever. ── Tati disse, ainda abraçada comigo.
Simone riu e afagou os cabelos dela.
── Nossa, desse jeito parece que você não me vê a anos, a gente se viu ontem menina! ── brinquei
Bill se aproximou de nós duas e interrompeu nosso abraço.
── E apartir de hoje vão se ver todo dia! ── Bill disse, olhando para mim.
── Como assim?── Perguntei intrigada.
── Tati vai morar aqui! ── Bill respondeu apontado para ela e dando um sorriso animado.
── Que legal meu amor, seja bem vinda! ── Falei, beijando a testa dela.
Tatiane corou e disse:
── Mas só por um tempo, tia. ── Ela disse, olhando para mim.
── Não importa, os meninos sempre vão te receber de braços abertos. Mudando de assunto e as compras, quem vai ir lá fazer? ── Perguntei, mudando o tom para mais sério.
Gustav, que estava na cozinha, respondeu:
── Seria você e o Bill. ── Ele falou.
── Eu não vou poder, irei arrumar a casa. ── Falei, olhando em volta da sala bagunçada.
── Eu arrumo com você. ── Ele afirmou saindo da cozinha e se oferecendo para ajudar.
── Bill e eu podemos ficar pra ajudar também, a casa é enorme, precisamos arrumar os quartos, lavar os banheiros e etc... ── Georg falou, sabendo que seria um trabalho duro.
── Só sobrou Tati e Tom para fazerem as compras. ── Falei entregando a lista para Tatiane.
Tom fez uma careta e murmurou:
── Por que vocês não contratam faxineiros para limparem essa casa? ── Ele perguntou, sem entender porque tínhamos que fazer tudo sozinhos.
── Por que a gente não quer gastar dinheiro com uma coisa que a gente pode fazer. ── Georg disse revirando os olhos.
── Então pelo menos alguém muda de lugar com a Tata? ── Ele perguntou, querendo evitar ir ao mercado com ela.
── Ninguém vai mudar de lugar com ninguém, vão logo vocês dois fazerem as compras, aqui está a listagem. ── Afirmei, empurrando os dois para fora da sala.
── Tá vendo, você mal chegou e já te mandaram fazer as coisas. ── Tom disse sussurrando no ouvido de Tatiane.
── Idai, vamos logo! ── Ela disse, puxando Tom pela mão e saindo da casa a caminho do mercado.
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